"...Assim, o senso de possibilidade pode ser definido como capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser, e não julgar que aquilo que é seja mais importante do que aquilo que não é..." Robert Musil, O Homem Sem Qualidades
O questionamento de como uma estrutura urbana inutilizada poderia ser reincorporada à cidade assim como um único edifício-garagem(e.g.) poderia também viabilizar a reabilitação urbana da região do Carmo surgiram inicialmente como as principais questões a serem desenvolvidas no projeto.
Embasado nos trabalhos teóricos de arquitetos,geógrafo e urbanistas,que defendem uma concepção de revalorização do centro ao invés do inchaço das periferias,assim como para Rem Koolhaas,para o qual"a indeterminação dos edifícios verticais sugere que, na metrópole, nenhuma única função específica pode ser associada a um único lugar",o trabalho se propôs desde o início a transformação do e.g. em habitação de interesse social:
Embora funcione como garagem nos primeiros andares,já que o elevador de carros nunca foi instalado,nos andares superiores habitam famílias de modo ilegal e insalubre;
O pé-direito(p.d.) existente é de 2,20m,o que inviabiliza a maioria dos usos,até o residencial,mas,com a possibilidade de recortes de laje,é uma das poucas funções que habitualmente apresentam uma variação de p.d.(lofts, triplex, etc...);
Na década de 60,em vista de um panorama de crescimento do centro,arquitetos como Rino Levi defendiam a construção de e.g. para estacionamento da intensa frota de veículos.O crescimento,entretanto,não se cumpriu e desembocou na desvalorização do centro e no próprio decréscimo da população central.Assim,uma boa parte da capacidade dos e.g. construídos não é aproveitada,e se questiona um outro uso possível de se oferecer a estas construções;
Garagens subterrâneas têm se mostrado uma alternativa aos e.g.,uma vez que aproveitam áreas não iluminadas naturalmente,impróprias para muitos usos,em áreas úteis para cidade.Deste modo,áreas subterrâneas de canteiros e praças são passíveis de serem incorporadas à cidade,e os e.g.,com iluminação e vistas à cidade,podem ser liberados para outras funções.
Inicialmente se previu a resolução pontual do problema,isto é,a técnica utilizada seria possivelmente aplicável só em um único edifício,mas em vista das possibilidades acima descritas,e da pouca variação dos e.g. existentes,optou-se por um projeto mais amplo do que se imaginava,com uma padronização dos componentes para serem utilizados em outras transformações de uso similares.
Tratou-se,portanto,de recuperar a escala humana já embutida no projeto do automóvel,identificar os procedimentos recorrentes à transformação e,acima de tudo,oferecer um caráter diverso do e.g.,isto é, que as unidades habitacionais(u.h.)não resultassem no simples empilhamento de umas sobre as outras,tal qual acontecia com os veículos,na função prévia do edifício.
A determinação do módulo fundamental do edifício,isto é,as dimensões construídas para uma vaga de automóvel,foram importantes na medida em que propiciaram traçar paralelos com a dimensão humana e o do uso habitacional:três vagas de carro podem se tornar uma kitchenete,4,1 dorm. e 5,2 dorms.(tipologias e metragens oriundos das ZEIS do Plano Diretor).
Para tanto,também é previsto um recorte controlado das lajes, de modo que a sala,espaço da habitação de maior convívio,pudesse haver um p.d. duplo,enquanto as outras funções apresentassem um simples.Desta maneira,torna-se viável um melhor aproveitamento das lajes do edifício,além de interferir de modo menos drástico na estrutura existente.
Porém,surgiram algumas dificuldades:
A passagem das tubulações hidráulicas faria decrescer o p.d. dos banheiros,às vezes para menos de 2,00m,inviabilizando uma pessoa de utilizar de pé o chuveiro;
Qualquer fachada que valorizasse as verticais ou mesmo a divisão individual das u.h. incorreria em duas posturas contrárias às disposições iniciais.No primeiro caso,se afastaria da escala humana,e no segundo, faria com que se concretizasse a idéia de empilhamento das u.h. umas sobre as outras;
Como ficou determinado que o vazio central do elevador fosse utilizado para ventilação e eventual iluminação das u.h(caso contrário,por serem alongadas longitudinalmente,estas seriam sub-iluminadas e sub-ventiladas),uma hipotética parada de elevador a cada 2 andares recairiam em padrões repetitivos que não estimulariam a convivência das famílias entre si,esfriando qualquer relação interna que o desenho de arquitetura poderia oferecer entre as u.h.
A solução para estes problemas nasceu de uma disposição comum de projeto: aferição de dois tipos de u.h.,uma com acesso superior e a outra com acesso inferior.Desta maneira:
Os banheiros,por se localizarem um logo abaixo do outro,puderam ter somente uma laje recortada e substituída por uma estrutura metálica com a tubulação embutida:embora apresentem um p.d. menor que o convencional de 2,20,ainda sim é possível que se possa ter um banho sem a necessidade de se abaixar;
Como os quartos, as salas estão umas logo abaixo das outras, e com isso foi possível utilizar o mesmo fechamento para dois andares,reduzindo assim a sensação externa de excessiva divisão e do p.d. abaixo do convencional;
Como os dois acessos das unidades são próximos uns dos outros, pode-se constituir um desenho de continuidade visual,com dois pátios internos invertidos servidos cada um por um elevador.
As soluções de conforto ambiental são responsáveis por desfazer a atmosfera inóspita do e.g.:são propostos persianas horizontais reguláveis a cada 4 andares no vazio central determinados pelo ângulo de percepção ocular,assim como pela possibilidade de frear ou intensificar o efeito chaminé de ventilação do edifício,conforme a estação do ano;as unidades apresentam vegetação para o vazio central,que purificam o ar e,além de fornecer iluminação às U.H.,o painel de vidro,no último andar,eleva a temperatura da caixa d'água de forma a reduzir o consumo de energia.
Área do Terreno: 600m2
Áreas previamente construída:7110m2
Área construída proposta:5200m2
