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secao 4!

Conjunto José Bonifácio:

discurso hegemônico e cantos residuais na produção do espaço urbano

Letícia Moreira Sígolo

João Sette Whitaker Ferreira

"A cidade e o urbano não podem ser compreendidos sem as instituições oriundas das relações de classe e propriedade" (LEFEBVRE, 1991:53).

A busca por uma compreensão maior da lógica de produção da cidade de São Paulo, um entendimento das forças responsáveis pela configuração de seu tecido urbano, dentro de uma perspectiva de luta de classes, sempre ocupou a minha atenção. Conforme coloca David Harvey, "a sociedade capitalista precisa criar uma paisagem física - uma massa de recursos físicos construídos pelo homem à sua própria imagem, apropriada, em linhas gerais, às finalidades da produção e do consumo"(HARVEY, 1982:7). Em outras palavras, a produção e reprodução do espaço social é uma necessidade do modo de produção capitalista, condição para sua existência, que ao longo da história foi se modificando e, conseqüentemente, transformando os espaços.

A partir do entendimento de que esse processo de produção do espaço é cheio de contradições e tensões, e que as relações de classes na sociedade capitalista geram, inevitavelmente, fortes conflitos, este trabalho procurou entender quais seriam os agentes mais determinantes deste processo em uma localidade específica, e a partir deles delinear uma perspectiva de atuação do arquiteto-urbanista, que não apenas identifique estes conflitos, mas, principalmente, os assuma como fundamento na construção de sua prática.

Vittorio Gregotti (1993) coloca que é fundamental incorporar o conflito no projeto, não abafá-lo ou mesmo se propor a resolvê-lo. O projeto não deve ser colocado no eixo problema-solução, uma vez que esta linearidade ignoraria as relações dialéticas existentes entre os elementos que o compõem. O que vemos hoje é que os conflitos são abafados e o consenso social é garantido pela perda da dimensão crítica.

Nesta perspectiva, com a intenção de aprofundar o conhecimento sobre as dinâmicas urbanas do Município de São Paulo, buscou-se investigar a realidade da chamada "periferia", para assim entender, de uma forma mais estruturada, a lógica de produção desta cidade multifacetada que é São Paulo. Estes foram os fatores que me fizeram sair, num primeiro momento, à deriva, rumo à Zona Leste.

Este percurso investigativo fez-me perceber que esta "periferia" não é um bloco monolítico, tampouco uma localização geográfica, mas sim uma condição de exclusão, de espoliação, que está em constante movimento e rearranjo de acordo com as dinâmicas e forças presentes na produção do espaço urbano, distribuições e arranjos territoriais de infra-estrutura e equipamentos, acessibilidade e oportunidades.

É parte de uma grande engrenagem e espelha as dicotomias e contradições presentes nas bases estruturadoras de uma metrópole na periferia do sistema capitalista.

Então, passei a investigar o processo de periferização na cidade de São Paulo, bem como a realidade específica daquela localidade estudada, o Conjunto José Bonifácio, na Zona Leste, debruçando-me sobre o existente, suas práticas sociais, e desenvolvendo uma leitura estrutural daquela realidade, sem me esquecer dos agentes responsáveis, cada um em sua escala, pelas dinâmicas internas e externas em âmbitos diversos.

Propus-me mapear os agentes decisivos para o entendimento das dinâmicas espaciais do Conjunto. A dimensão histórica foi trazida pela investigação bibliográfica, bem como por entrevistas com antigos moradores e assistentes sociais que acompanharam todo o trabalho social desenvolvido no Conjunto durante o seu processo de ocupação. Foram também contatados agentes públicos envolvidos nos programas implementados na região.

Uma das motivações do estudo de um conjunto habitacional veio da vontade de entender melhor a realidade desta forma espacial e urbana destinada à população de baixa renda, cujo início da ocupação se deu de forma tão singular em determinado momento da história do país. E assim, desenvolver uma análise comprometida com a busca de um entendimento maior dos fatores que orientaram a escolha deste tipo de produção habitacional e de cidade, pois, de alguma forma, estes conjuntos trazem com eles um "entendimento" de cidade.

Por meio dos aspectos mais gerais que dizem respeito aos processos sociais e às descontinuidades históricas, e dos aspectos mais particulares referentes às práticas sociais existentes no ambiente construído investigado, buscou-se circunscrever analiticamente a tensão existente entre o que Henri Lefebvre (1991) chama de ordem próxima e ordem distante.

Visto que a cidade é uma engrenagem multi-escalar, um "mergulho" na sua composição material e imaterial, na sua estrutura de funcionamento e operacionalização, a partir de seus elementos constitutivos e de sua história, se fez imprescindível.

Em muitos momentos, pôde parecer que este trabalho estivesse se desviando do que seria, stricto sensu, o escopo de um trabalho final de graduação de um curso de arquitetura e urbanismo. Mas respaldo-me em Flávio Villaça, que coloca que a estrutura territorial está sempre articulada a outras não territoriais, como a econômica, a política, a social e a ideológica.

Considerando que "para explicar as formas urbanas (...) é indispensável considerar as relações de determinado ponto, ou conjunto de pontos, com todos os demais pontos do espaço urbano" (VILLAÇA, 2001:24), este trabalho propôs-se a elaborar uma análise atenta às demais dinâmicas da cidade. Tal procedimento é fundamental para evitar grandes equívocos analíticos, como, por exemplo, dar crédito de excepcionalidade ou exemplaridade a determinados fenômenos urbanos locais.

Nesta perspectiva, este trabalho buscou trabalhar com uma extensa gama de questões, correndo o risco de chegar a uma conclusão distinta da hipótese inicial. Mas, como diz Ana Fani Carlos, confortou-me a idéia de que "o risco é sinônimo de liberdade, e o máximo de segurança é a escravidão" (CARLOS, 1994: 16).

omo todo conhecimento pressupõe alguma aposta, este aqui se apoiou na aposta de que "é possível traçar objetivos que sejam simultaneamente ambiciosos e realistas, orientando um projeto de revolução urbana permanente" (VAINER, 2001: 150).

 

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