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secao 4!

Investigações do espaço cênico em O Rei da Vela

 

Clarissa de Almeida Paulillo

Luciano Migliaccio

A idéia inicial era realizar um estudo teórico sobre o desenvolvimento da cenografia no século XX, dentro dos parâmetros das renovações cênicas e do surgimento da arte moderna no final do século XIX. Para tal, decidiu-se incorporar ao trabalho um projeto cenográfico que direcionasse a pesquisa teórica para um fim específico. Dessa maneira, o texto escolhido - O Rei da Vela, de Oswald de Andrade – torna-se a referência principal para a compreensão desses movimentos artísticos, servindo como suporte para o desenvolvimento do projeto final.

A obra de Oswald de Andrade, escrita em 1933, foi escolhida em virtude do seu caráter vanguardista e contestador. O autor cria um texto paródico, criticando o sistema político, econômico e social da época. Em relação à forma, vemos a ruptura estilística da peça com a cultura do passado que definitivamente lança um novo gênero na linguagem teatral no Brasil: o teatro provocação, crítico, questionador.

Oswald faz o que Sábato Magaldi chama de "análise furiosa" da realidade brasileira e das classes dominantes, denunciando "sem falsas sutilezas" a engrenagem que movimentava (ou paralisava) o País. Para isso, Oswald emprega o recurso da paródia e da ironia. Esses instrumentos têm como princípio mudar a relação do público com a obra encenada. O que Oswald deseja é a tomada de consciência do espectador enquanto agente ativo de transformação tanto estética quanto social.

A figura central da trama é Abelardo I, encarnado o grande chefe da incipiente indústria nacional, que se desdobra na atividade de agiotagem como meio de investimento do capital gerado pela indústria da vela. É-nos mostrado o absurdo social movido a dinheiro, poder e ganância, que leva ao suicídio ou à agiotagem. Essa realidade, até então, nunca tinha pertencido ao universo da dramaturgia, com os desníveis das classes sociais em busca de poder e dinheiro a qualquer preço, evidenciando-se a grosseria da nova classe social burguesa e do elemento novo-rico.

A ordem desse novo teatro era contestar o modelo burguês através da ruptura da linguagem de representação e a inserção do leitor/ espectador na decifração do texto. A forma é modificada, sobretudo no que se refere ao espaço cênico. As personagens são baseadas em figuras reais e apresentam uma interpenetração de conteúdos psicológicos, atribuindo um cunho alegórico, simbólico e carnavalesco à peça. Essas características aproximam o texto de Oswald a diversos autores que cultivavam o teatro político e de contestação como Maiakovski, Meyerhold, Brecht e os futuristas.

Por isso, adotou-se como referência estética a produção visual dos teatros futurista italiano e do construtivista russo. O caráter subversivo da linguagem da paródia, o distanciamento irônico, além da posição crítica à burguesia e ao sistema capitalista, a exaltação da modernidade e da tecnologia, completam o conjunto de elementos presentes tanto no teatro oswaldiano como no teatro futurista e no russo. Forma-se assim, a partir desses aspectos, uma nova modalidade cênica, em que o aspecto plástico e visual, seja ele a cenografia, o figurino ou a iluminação, torna-se um dos principais agentes transformadores.

Para seguir a proposta de Oswald em desnudar a estrutura política e social, pensou-se na montagem de um dispositivo cênico que revelasse a própria estrutura teatral. A primeira idéia era um sistema construtivo aparente como um esqueleto de um edifício. Ele teria a forma retangular que lembrasse uma caixa em alusão à "caixa mágica do teatro ilusionista", mas diferentemente desse tipo de configuração, os mecanismos de cena estariam à vista do público.

No entanto, a posição do espectador estaria distante, da mesma forma que na representação do teatro burguês do século XIX. De certo modo, o distanciamento, em termos brechtianos, seria adequado, pois também se trata de um espetáculo de caráter didático. Contudo, o intuito do projeto é superar essa relação frontal palco-platéia para se buscar uma outra percepção do texto. Partindo dessa idéia, por que não introduzir o próprio público no ambiente da peça já que ele faz parte dela?

Assim chegamos à proposta final: palco e platéia integrados em um único espaço. Uma estrutura que se caracteriza por ser muito mais do que um cenário: ela é também um lugar teatral. A parte operacional do espetáculo é deixada à vista; pode-se verificar o trabalho dos maquinistas, o funcionamento das engrenagens, das gambiarras e dos refletores. Os camarins estão misturados aos lugares reservados ao público. Os atores sentam-se lado a lado com o espectador esperando o momento de entrar em cena. Cena essa que pode ser desenvolvida em qualquer lugar desse "cenário-estrutura", já que a idéia é que todos os espaços sejam visíveis.

Esse cenário deve remeter a uma grande obra em construção. Não se sabe que está sendo edificado, pouco importa. O escritório de usura se situa no meio desse canteiro, em um ponto não muito acessível. De lá, Abelardo I coordena o trabalho mecanizado dos "operários" para a construção de seu grande império - seja o da vela, a partir da sua fabricação, seja dos usuários desse artigo (os que choram pelos mortos ou os supersticiosos), seja o da agiotagem que explora a situação lamentável dos devedores.

O projeto de cenografia tem como intuito interpretar essas idéias espacialmente e visualmente. O esqueleto aparente da obra está assim colocado para falar da essência de um império. Essa construção é frágil e instável. Temos essa sensação ao nos depararmos com o cenário, onde vemos a plataforma central apoiada por velas, vigas penduradas, armações fora de prumo, enfim, um caos organizado na aparência.

Existem algumas referências à capital federal, como os pilares do Palácio da Alvorada. A peça fala do desmascaramento da estrutura de poder, que no seu exemplo máximo é o próprio governo brasileiro. Brasília também é referência como símbolo de uma modernidade, que traduz o Brasil em eterna "obra em andamento". Uma construção que jamais é finalizada. O Brasil como país do futuro, mas um futuro que nunca chega. O texto desmistifica esse tipo de crença ao retratar as vantagens das classes dominantes para que a situação não avance. Os interesses privados se sobressaem, pois a concentração de riquezas é um bom negócio.

 

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