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secao 4!

DOS TRILHOS AOS TÚNEIS:

UM ENSAIO SOB O ESPIGÃO CENTRAL

Marcel Rofatto

Ângelo Bucci

"As cidades foram originalmente criadas para celebrarmos o que temos em comum. Agora, são projetadas para manter-nos afastados uns dos outros." Richard Rogers

A implantação de equipamentos urbanos aliada a planos de ampliação da infra-estrutura de transporte é um canal potencial de transformação do tecido urbano. A ampliação da rede de metrô é um exemplo recorrente que carrega enormes possibilidades de desdobramentos urbanos, capazes de exponenciar as conseqüências sociais da construção das estações.

Porém, quando o desejo de democratização do espaço urbano é suprimido por interesses econômicos, que privilegiam grupos sociais circunscritos, desperdiça-se a possibilidade de se constituir espaços que despertam sentimentos coletivos de vida urbana capazes de devolver à cidade seu caráter celebrativo e democrático. Infelizmente, vemos essa situação se expandindo através da instalação de shopping centers nas estações de metrô. A construção desses programas monofuncionais e segregativos, aborta a possibilidade de reorganização do tecido urbano. Esse quadro abriu caminho para o mote inicial do trabalho - desenhar outras possibilidades de intervenção na paisagem através da infra-estrutura urbana.

DESDOBRAMENTOS

A intervenção parte inicialmente da Estação Paulista da nova Linha 4 do metrô. Essa estação possui um endereço denso e consolidado na cidade, e o enorme trânsito de pessoas na região se tornou condição preponderante, dado o enfoque paradigmático do projeto. Um estudo detalhado do entorno revelou a abrangência do projeto da Passagem Subterrânea Paulista/ Rebouças e Paulista/ Dr. Arnaldo, adjacente à estação, cujo projeto original, realizado no início da década de 70, previa um túnel estendido sob toda a Avenida Paulista até o Paraíso, abrigando o fluxo principal de veículos e sobre, na cota da avenida, as transposições locais. Essa proposta chegou a ser parcialmente implantada e grande parte do túnel foi estaqueado. A construção porém foi abandonada e apenas o trecho final - que conecta a Paulista às Avenidas Consolação e Dr. Arnaldo - foi concluído.

Essas informações abriram outras possibilidades de desenho. A ocupação dessa infra-estrutura implantada para os túneis e abandonada propõe outras leituras sobre a infra-estrutura e sua inserção na cidade.

RECORTE

A intervenção articula dois trechos nodais da Paulista, e ocupa o túnel existente desde a estação Consolação do metrô até a estação Trianon-Masp, estendendo-se em um de seus vértices até o outro lado da Consolação, estabelecendo entradas nas duas quadras adjacentes. Esse túnel, outrora implantado sob uma lógica rodoviarista, cede agora lugar ao pedestre e é tratado como uma galeria explodida sobre a avenida. A lógica é invertida, possibilitando a uma mesma estrutura revelar valores contrários aos que lhe deram origem.

O PROGRAMA

A galeria é constituída como um corte da cidade, onde suas fundações e elementos constituintes são revelados. O programa sublinha essa atitude, associando à compreensão de outras espacialidades urbanas reveladas pelo projeto, um local destinado à discussão e vivência da cidade.

Não é um Museu da Cidade, mas um programa que informalmente aproxima para o percurso cotidiano exposições permanentes e temporárias, discussões sobre planos urbanísticos e concursos de arquitetura e urbanismo; aulas, cursos e oficinas que possam reunir estudantes, escolas, visitantes e quem percorre a Paulista todos os dias, criando espaços de encontro e troca de experiências.

A CONSTRUçÃO DO VAZIO

Essa nova galeria se apresenta como um edifício diluído sob toda avenida, formado por trilhos e túneis que a atravessam. Transgredindo a idéia do lote parcelado, confere à cidade recintos antes não visitados. Partindo da cota 817, o percurso formado pela galeria comunica diversos níveis até a cota 792 (Túnel Nove de Julho). Acessos em todas as quadras, demarcados com respiros protegidos com grelhas no nível da avenida, humanizam o recinto fechado, e confundem o dentro e o fora, articulando como um único espaço a galeria e as calçadas da avenida. E a galeria, ao comunicar os subsolos dos edificios, como o do Conjunto Nacional e o Masp, introduz exemplos possíveis de arranjos futuros, onde a avenida é lida com uma espinha dorsal, agregando subsolos, que ao invés de carros poderão abrigar outros programas, como cinemas, sedes de ONG's ligadas à cidade etc.

Além dos acessos e respiros, a galeria aflora em endereços inesperados na cota da avenida. Dois volumes noticiam a presença desse conjunto. Um deles, localizado na esquina das avenidas Consolação e Paulista, abriga um conjunto de salas de aula e oficinas. Do outro lado, o edifício abriga, à vista da avenida, uma biblioteca, que se comunica com a galeria através do foyer do teatro localizado em seu subsolo. No térreo livre, entre a biblioteca e o teatro, um segundo foyer para o HSBC Belas Artes transborda sobre o espaço, diluindo a circulação dos edifícios na cidade. Analogamente, em seu vértice oposto, a galeria “escava” o subsolo até encontrar a Nove de Julho. Nesse espaço, um grande vazio tido como mirante, trens e veículos se revelam ao olhar do pedestre, desde a cota 817 até a 792, aludindo à geografia original da cidade.

Os diversos programas - exposições, bar, poupatempo, telecentro, galeria de fotos, mirante - se articulam dentro de uma sucessão lienar de espaços, que porém se transformam e se dinamizam através de rampas, passarelas e desníveis. Não há paredes, portas ou bloqueios, as atividades são distribuídas pelas diferenças de nível, dotando a galeria de um caráter fluido, qualificado pela sucessão de espaços contíguos.

Em alguns trechos os respiros se ampliam, configurando generosas praças rebaixadas em relação à avenida. Seu intercolúnio, em todos os trechos, foi alterado de modo a propiciar o trânsito de pessoas.

O fato de que esse programa estará conectado às bilheterias da estação Consolação, Trianon-Masp e Paulista possibilitará um fluxo metropolitano de pessoas, que por ali passam todos os dias. O percurso, diariamente apressado, poderá ser celebrado por outros caminhos além do consumo.

 

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