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FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO URBANA DE RIBEIRÃO PIRES:

Em busca de um método de intervenção na cidade contemporânea

Pedro Murilo Gonçalves de Freitas

Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno

Este trabalho é um estudo de formação e transformação da área do vale central do município de Ribeirão Pires através da análise do desenho urbano e de dados documentais, cartográficos e iconográficos colhidos durante os anos de 2000 a 2004 pelo Centro de Apoio Técnico ao Patrimônio (CATP) da Prefeitura Municipal da Estância Turística de Ribeirão Pires (PMETRP). O trabalho busca traçar uma crítica sobre a leitura que se tem desse espaço, à luz do seu patrimônio cultural, desconstruindo hábitos mentais de qualificação das áreas que se tornam objetos de intervenção por novos projetos urbanos. Conjugando diversas experiências pessoais - o estágio nesse departamento entre 2003 e 2004 e o intercâmbio na Universidade do Porto entre 2004 e 2005 - este trabalho busca, numa proposta de desenho urbano que se comprometa efetivamente com a cidade e não com a visibilidade dos próprios projetos de "requalificação urbana", uma alternativa viável a reapropriação de um patrimônio obscurecido pela implantação inconclusiva de novas identidades urbanas desde os anos 50, optando por uma abordagem de constante redefinição destas atitudes em favor da paisagem, da identidade coletiva e da memória.

Parte I: A pesquisa

A pesquisa parte de um necessário dignóstico formal, classificando as diversas "Ribeirão Pires" existentes: o município e a mancha urbana. Busca-se como objeto de estudo um lugar que, como essência, gerou a cidade que vemos hoje e que, por uma continuidade histórica de funções, ainda concentra as suas atividades, o centro.

A identificação do processo de formação urbana desse espaço gerou três momentos. O primeiro, a definição de antecedentes históricos, isto é, como o resultado direto das experiências do Governo Imperial nas políticas de substituição do trabalho escravo pelo imigrante e pela implantação das estradas de ferro em todo o país no final do século XIX; O segundo associa a cartografia na implantação do "Núcleo Colonial de Ribeirão Pires", indicando uma segunda fase dos núcleos coloniais paulistas na formação de pólos agrícolas de abastecimento à economia cafeeira, vinculados em seu desenho urbano totalmente ao sistema ferroviário e já apontando para o surgimento de uma "espectativa urbana", provocadora dos primeiros processos de especulação; E um terceiro, a alteração significativa dos modelos de ocupação sem alterar sua função metropolitana de abastecimento com a instalação de uma pré-industrialização que institui a hegemonia da metrópole em razão do ambiente suburbano e atribui ao espaço uma clara identidade pelo trabalho e vida cotidiana.

Os anos 50, porém, caracterizam-se pelo surgimento de uma "cultura metropolitana" permitindo às cidades tornarem-se os grandes cenários de crescimento do país. Ditadas por novas relações econômicas e pela imagem metropolitana do "progresso", são entendidas como indefectíveis as alterações na paisagem urbana. No entanto, exigiram a desconstrução da identidade coletiva formada na primeira metade do século XX e a sua consequente negação e descaracterização nos anos seguintes, nem sempre acompanhadas de outras identidades apropriadas pela comunidade. A cidade passa a enfrentar um processo de transformação urbana, legítimo, mas que trouxe no seu contexto algumas contradições ligadas às demandas metropolitanas: o surto gerado pelo "ponto de inflexão" da metrópole e a posterior atribuição de seu espaço à área de proteção aos mananciais. A busca de alternativas econômicas hoje que conciliem esse último parâmetro - como o turismo - é o reflexo de um processo de transformação que ainda não se esgotou, justamente por indicar a insuficiência em se traduzir numa efetiva identidade urbana para o município.

Parte II: A proposta

A proposta deste trabalho passa pela busca de um método de intervenção, estabelecendo uma análise de duas linhas de raciocínio da cidade contemporânea que têm guiado os projetos de arquitetura e urbanismo hoje: a "ruptura" e o "contexto". O trabalho apresenta uma crítica a projetos urbanos que têm mostrado uma "necessária" ruptura, tornando-se esta o principal elemento que se destaca no projeto pela sua interferência e fragmentação, dada a imediata intenção com que esta é aplicada, sem haver a preocupação de se utilizar do desenho como o principal instrumento, recriado constantemente pela acumulação do conhecimento sobre o objeto que se intervém. Como uma válvula de escape ao necessário enfrentamento que esta última atitude impõe, pensar numa constante ruptura é a alternativa que os projetos de arquitetura (e governantes) têm encontrado de modo a se proteger da cidade metropolitana, habilmente hostil, dissonante e desintegrada culturalmente, cujo apelo à uma visualidade excessiva desvia a atenção de sua deficiência. Enquanto isso ocorre, perdem-se efetivas oportunidades de se promoverem as transformações nas cidades contemporâneas e, paralelamente, alimenta-se o status atual do mercado, dando força para que esse contexto se mantenha, num perverso e ilimitado ciclo.

A pesquisa revelou a clara necessidade da manutenção da área como um vazio, de forma a garantir a visualidade da cidade que sempre foi unida por ele. Trata-se da constatação da ferrovia não como um elemento segregador, mas ao contrário, catalisador da vida urbana. O elemento da plataforma, definida pela extensão da cota da praça que provocou sua visualidade, organizou o projeto em duas situações de programa: de um lado, o espaço sobre a plataforma, que valorizou o significado da praça e criou uma ambiência urbana capaz de permitir a cidade de olhar para si mesma e não mais interpretar esse vazio como uma área degradada, mas, pelo contrário, carregada de significados; do outro, sob a plataforma, a recuperação da atividade do lugar num centro - institucional, comercial e cultural -, concentrando um programa mais denso que em seguida necessariamente se rarefaz na presença de um parque no seu entorno, unindo física e visualmente o contexto com o vale em que se situa.

Os dois eixos históricos de formação determinados pela pesquisa permitiram trabalhar o que está entre eles, situando naturalmente pelo arranjo dos volumes novos um átrio que tem o objetivo de apresentar a centralidade do projeto. Assim, a valorização dos elementos se dá pela valorização do olhar através do desenho urbano, pela força da condução que o projeto é capaz de imprimir e pela atividade, inerente ao processo de criação da memória urbana. O projeto, como resultado do estudo de formação, é o exercício de um procedimento de articulação, compatibilizando contexto, significado, memória e novos usos. O objetivo do trabalho é apontar uma necessária revisão da identidade da cidade como um todo, e assim permitir o ancoramento das escolhas de projeto que se aproximem efetivamente das necessidades do lugar e da população que o habita.

A elaboração de um projeto urbano que se vincule à paisagem, à memória e à identidade é o alerta a um necessário enfrentamento dessas questões e, principalmente, ampliação sensível do campo do projeto. Isto porque estamos perdendo sucessivas oportunidades de nos aproximarmos da capacidade de estabelecer novamente uma coesão arquitetônica que se reflita efetivamente no bem-estar da população e não se alimente de discursos fachadistas que polarizem a discussão em torno da retomada da produção brasileira num patamar internacional. Afinal, se é pra isso, para que serve então a arquitetura que se produz nas nossas cidades?

Em suma, esse trabalho procura revelar os meios de circunscrição das cidades pelos governos municipais que, aliados à ebulição formal promovida pelos arquitetos contemporâneos, busca lhes acrescentar significado. No entanto, o estudo sistemático desses espaços poderia revelar que eles já se apresentam em si mesmos. Mas, para perceber isso, é necessário um claro desprendimento das atitudes habituais de leitura da cidade. A cidade não é caótica, apenas contém uma ordem desconhecida.

Ficha Técnica

Dimensões do Terreno: 500m x 120m
Área do Terreno: 45000 m2
Área Construída: 5000 m2

 

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