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secao 4!

Aparato Sonoro.

 

Wagner Isaguirre do Amaral

Luiz Americo de Souza Munari

SENTIDO DO SOM

O tempo, expresso em dias, orientado pelo movimento da luz solar e cuja forma é ponto de partida para a rotina dos homens, incide drasticamente na orientação também da paisagem sonora da cidade. Assim, a primeira parte dos sons tem como tema o movimento de ascensão da energia luminosa sobre a cidade. A composição é iniciada com esta referência, o que dialoga diretamente com o comentário de Flô Menezes acerca de A Dialética da Praia e sua relação com La Mer de Debussy. A imagem da relação entre as massas ar-água e o percurso ao território passando na massa granulada da areia remetem a uma relação dialética entre tais elementos naturais, conforme referencia o autor.

Iniciamos a primeira parte com Aurora. Uma marcação por consonâncias e dissonâncias no sentido da tonalidade clássica e sem compasso definido, como o próprio movimento tonal das cores e luz do céu ao amanhecer.

A passagem desse tempo é o desencadeamento natural sobre o qual se põem progressivamente sonoridades mais determinadas temporalmente e cujos timbres e incursões têm uma associação analógica com os próprios mecanismos da circulação humana por artefatos motorizados na cidade. Os gestos impressos nas máquinas adquirem certa forma animalesca. Há uma intensificação da força humana também no caráter do seu violento vozerio como que traduzido pelos motores, por eles mediado, o que implica uma tensão indisfarçável e que vai aos poucos desenhando a imensa máquina que socialmente operamos, na sua forma cidade.

MOVIMENTO NOVO

A modernização da música, avançando para além da tradição tonal, percorrendo Debussy, Schoenberg, Webern e os concretos, rompendo o suporte instrumental e os parâmetros da linguagem e notação, chegou mais facilmente a limites usualmente associados aos outros compartimentos da arte. Assim, se Orson Welles assombrou milhares norte-americanos com o "Guerra dos Mundos" transmitido via rádio, em 1938, outro grande feito por este meio ocorreu nas mãos de Pierre Schaeffer nos estúdios da Rádio Francesa, em 1948, com o Concerto de Ruídos. Como um dos pontos iniciais da chamada Música Concreta, este tratou-se de um gesto amplo já em seu lance inaugural, pois fora ativado no âmago do meio de produção e emissão sonora que se consolidava naqueles anos como uma das novas ferramentas estratégicas para estados e empresas.

Conectada ao mundo por inumeráveis sistemas de comunicação e informática, a obra sonora passa por uma condição semelhante ao que passara a pintura quando da invenção da fotografia. Também os grandes eventos em espaços públicos permitidos pela parafernália tecnológica atual, se não fazem um serviço cívico de louvação ou alienação do estado de coisas da ordem política, social e econômica, em geral também não invocam o espírito de uma expressão integral a que nos remete a lembrança do culto a Dioníso.

As vias, analogamente a ágora, servem elas próprias, sinteticamente, de vão, como que se estendendo a elas a função da praça. Numa profusão fantasmagórica de fluxos, entre máquinas que portam pessoas, as quais as guiam, e volumes abstratos de valor e informação, o passeio torna-se gesto modesto pelo ato quase autômato, que só no sentido de sua sub-versão pode reagir. Faz perceber, em parte, as tensões históricas que o constróem. Assim, o ato novo, possível à arte e ao povo, o movimento, se faz necessário. Um certo contra-fluxo na produção geral da cidade para que esta retome historicamente seu rumo interrompido.

TROMBETA-ALARMA

O sinal da fábrica ressoa na manhã enquanto mal acordam corpos cansados pela má-paga, pelo que não se paga. As horas seguem somando-se ao Grande Desperdício (15) denunciado por Le Corbusier. O tempo, o dia, o sol limitando-os ao que se segue numa trilha ininterrupta de grunhidos de freios e fúrias motorizadas. A rua como a esteira e as mesmas máquinas - tráfego - produzindo e reproduzindo por uma operação tão contígua que já parece não se distinguir homem-máquina. Mas são muito diferentes. Um é o que efetivamente pode empregar seu fôlego e entoar outro sinal na fábrica, na sua forma cidade.

O percurso do som no dia, em seus primeiros momentos já conta a forma principal da sua natureza. Da aurora, luzes iniciais que anunciam, e o alvorecer dos homens percebido pelo crescente rugir das máquinas de transportá-los. A cidade não pára. Por isso o Aparato Sonoro não se fixa. Move-se pelos objetos da comunicação, pelo percurso silencioso das ondas eletromagnéticas inumeráveis e invisíveis. Aparato se torna o próprio som, de conteúdos da cidade e da vida dos homens, um certo meio de re-apresentar a vida e a cidade.

A força da locomotiva anuncia-se ao final com a força da fábrica e estas com a intromissão nem sempre precisa mas intensa pela sua necessidade histórica, da timba e do agogô, das alfaias-guitarras aos clarividentes instrumentos de sopro.

Fica um esboço segundo o qual não se pode avançar sem o futuro. Uma possibilidade fora identificada e mesmo a necessidade de, ao esfacelamento promovido pelo choque hipnótico dos nossos tempos, opormos a maquinaria objetiva e as idéias francas de transformação da cidade por uma ação projetual.

 

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