O trabalho é um estudo sobre os rumos do ensino profissional da marcenaria, tendo como base o relato de uma experiência pedagógica onde se tentou aproximar as práticas de projeto e planejamento da produção às práticas inerentes a produção na oficina, buscando a formação de uma cultura industrial que abarque os temas recentes que envolvem o desenho industrial. A partir dessa experiência montou-se um panorama institucional do ensino profissional no país, seus rumos, seus propósitos e suas vertentes políticas, econômicas e pedagógicas.
Enquanto proposta, o trabalho traz o resultado da aplicação de um ciclo de exercícios, montado com base na referência de Paulo Freire, onde alunos experimentaram a prática de projeto enquanto iniciavam a construção de seus conhecimentos sobre a prática profissional da marcenaria.
Baseado nas preocupações apresentadas, buscou-se colocar uma experiência em prática, com jovens que buscavam profissionalizar-se através de um projeto promovido pela Leo Madeiras, no Jardim Myriam, onde no período de abril a junho, ministrei aulas que abordaram alguns dos temas que este trabalho trata. Por vezes o trabalho encontrou dificuldades e experimentou situações, que fomentaram o levantamento de questões políticas e econômicas que envolvem tanto a educação quanto a indústria. Este trabalho se valeu dessa experiência para se construir.
Aqui apresento uma revisão posterior das atividades que se mostraram positivas no processo com as etapas essenciais para a montagem de um exercício-ciclo e os temas que se pode desenvolver com maior atenção em cada uma delas:
Análise de um objeto construído: busca pelo entendimento dos componentes de um objeto e suas conexões com os demais. Questionamento sobre qual é a função que cada parte desempenha no objeto, e porque o faz dessa forma.
Formação de repertório: com o mesmo tema analisado, devemos procurar outros tipos de solução e entender nestes exemplos o que motivou as diversas configurações, bem como debater os resultados alcançados;
Proposição de alterações no modelo original: expressão das vontades e questões que realmente se mostraram pertinentes ao contexto, ou que despertaram interesse aos trabalhadores-educandos.
Simulação em escala: neste momento serão testados primeiramente os resultados das propostas,é quando primeiro se exercíta a tridimensionalização dos desenhos e se envolvem primeiramente as dificuldades construtivas.
Desenho de Produção: neste momento os alunos preparam o material que os orientarão na oficina, apresenta-se aí mais incisivamente o desenho técnico e suas especificidades.
Produção: já na oficina, todos se deparam com questões que não faziam parte do universo que envolveu a projetação, assim deve-se permitir as alterações decorrentes do aprendizado das técnicas e do comportamento da madeira, bem como da disponibilidade material e da possibilidade do maquinário.
Análise da Produção: é o momento de se refletir sobre o processo, entender os eventuais erros,valorizar os acertos e repensar a produção deste objeto em uma perspectiva de escala. Cabem ainda algumas alterações frente a ampliação de repertório (até mesmo pelo entendimento mais abrangente do repertório já estudado) e pode-se construir aí um novo projeto, visando a seriação, ou a minimização das dificuldades.
Ao final deste ciclo de exercícios podemos notar claros avanços dos alunos em relação a compreensão da produção, do material e do desenho. Foi a partir dele que os alunos passaram a lidar com maior compreensão e autonomia com o maquinário, e passaram a tomar decisões em relação a cada etapa das tarefas necessárias. As atividades que decorreram dentro do processo se pautaram principalmente pelas oportunidades surgidas dentro da oficina, as possibilidades que dispúnhamos e o interesse dos alunos.
A trajetória percorrida para que fosse possível organizar um debate-produtivo em torno de objetos complexos, demonstrou um interessante caminho da construção da compreensão produtiva pelos alunos. Algo que se confirmou com a reprodução desta trajetória, em outros objetos que os alunos apresentaram e construíram, apontando como boa base de organização para a apresentação de temas a serem trabalhados.
Os temas, se apresentados de forma relacionada, buscando a unidade do trabalho e a compreensão do todo e das partes de um processo produtivo, podem ser adicionados ao estudo de objetos cada vez mais complexos. Agregando, de forma multidisciplinar, questões que, se apresentadas separadamente, mostram-se distantes do repertório dos alunos, dificultando enormemente sua compreensão.
Se nos ocupamos em formar os profissionais que trabalharão nos setores produtivos, em empresas médias e pequenas, antevemos uma grande oportunidade de rever a separação que existe entre as atividades de organização (proposição) e as atividades produtivas, que vem nos impondo o achatamento da qualidade dos produtos e as péssimas condições de organização dos trabalhadores que se vêem pressionados pela disputa de trabalho no mercado.
O trabalho aqui descrito teve como principal objetivo fornecer, no momento da formação destes profissionais, uma alternativa que sobreponha a separação entre oficina e desenho, almejando com isso estabelecer o espaço de reflexão necessários a reestruturação (ou a potencialização) da estrutura existente da produção com madeira atualmente.
É uma proposta simples, quase natural quando a analisamos sob o aspecto dos princípios em que se baseia. Porém é surpreendente o fato dela não estar presente na estrutura dos cursos levantados durante a pesquisa, que também se propõe a formação profissional. Em um primeiro momento, imagina-se que acarrete algumas dificuldades operacionais, como a disponibilidade do corpo docente ou a necessidade de se medir os resultados alcançados individualmente e em cada tema envolvido. A forma com que este plano pôde ser aplicado, demonstrou que são esforços bastante tangíveis e os resultados alcançados são indicadores muito positivos de seu potencial.
