um estudo no Centro Velho de São Paulo
Lara Melo Souza
Maria Lucia Bressan Pinheiro
A inserção de objetos contemporâneos em malhas históricas, ou em contextos consolidados, é matéria fundamental da arquitetura. O campo do arquiteto atualmente se alimenta muito mais desses projetos, pois as cidades não param de se transformar e de demandar renovação e adaptação de estruturas.
Para a correta apreensão desta cidade, no entanto, é coerente pensá-la a partir de suas relações, de suas interseções. Foram estudadas basicamente duas linhas teóricas: primeiramente, a cidade, a percepção urbana; em segundo lugar a questão da preservação do patrimônio, com ênfase para o patrimônio urbano. Esse tipo de discussão começou a surgir no começo dos anos 60, no pós-modernismo, ou contra-modernismo, a partir do momento em que o urbanismo fruto desses pensamentos já estava suficientemente concretizado para suscitar críticas.
O entendimento e o tratamento da cidade como patrimônio nas esferas federal, estadual e municipal de São Paulo também se apresenta como tema de discussão para compreender e propor na atual conjuntura do assunto. São também importantes leituras de cartas patrimoniais e documentos de congressos internacionais para se entender o panorama mundial das questões que envolvem o patrimônio, assim como a forma pela qual a cidade começou a ser tratada como tal; sem falar nas diferentes legislações que balizam a preservação do patrimônio, e como foram incorporados os conceitos em cada época.
Foi definida uma área de estudo, no Centro Velho de São Paulo e a partir daí caminhou-se para dissecar completamente o perímetro escolhido. Fez-se o estudo da evolução histórico-morfológica, partindo de mapas e fatos que delinearam a forma do Centro Velho de São Paulo; posteriormente uma leitura acurada da dinâmica atual da região, com levantamentos de campo e de outros estudos; e, por fim, o entendimento e definição de parâmetros para atuação.
A definição de um raio de trabalho na região escolhida para o estudo foi feita a partir da percepção ambiental de configurações em comum, seja de tipologias, de tecido, de idades, de usos, ou por sua antítese, pela total dissonância entre eles. A pesquisa fica contida no polígono formado pela avenida Rangel Pestana, Parque Dom Pedro II, Ligação Leste-Oeste, avenida Conselheiro Furtado e avenida Anita Garibaldi.
A configuração da região na dinâmica atual da cidade é contraditória. Ao longo dos vetores de crescimento se concentraram atividades mais exógenas, ou seja, mais voltadas ao uso da cidade, que dizem respeito à escala urbana, que respondem às suas necessidades. Por entre esses eixos se conservaram as atividades do bairro, do pequeno comércio, da residência, da criança que brinca na calçada. Convivem lado a lado as grandes atividades da cidade, grandes estruturas viárias, grandes instituições do judiciário, que atendem à metrópole e pequenas vilas de residência, padarias, bares.
Na passagem da escala local para a escala da cidade, essas faixas devem representar limites definidos que permitam que ambos funcionem corretamente, sejam apropriados, utilizados e conservados com qualidade urbana. O entendimento dessa zona de transição está diretamente relacionado com a utilização e com a conformação arquitetônica que têm. Na área, as bordas que separam os limites que mantêm uma relação de troca com a cidade são mais suaves que aquelas representadas pelos cortes das barreiras bruscas. As bordas também refletem o caráter assumido pelas vias de maior importância dentro do perímetro, e vão entrando até que as relações entre uma parte e outra fiquem homogêneas.
Boa parte dessa estrutura construída na área delimitada para o estudo, cuja maior importância está na vida que suscita, seja de valor patrimonial significativo ou não, no entanto, está se degradando, perdendo seu valor em detrimento de intervenções que não levam em consideração suas especificidades. O histórico da região é de valor fundiário baixo, nas cotas menores, especialmente, pelo problema da drenagem. As sucessivas obras da infra-estrutura viária contribuíram mais para a degradação do ambiente que para a melhoria da qualidade de vida das populações adjacentes.
A identidade deste lugar está na diversidade. Nas diferentes apropriações, nas diferentes vidas que acontecem nas ruas, nas calçadas, nos espaços públicos; nas relações estabelecidas entre pessoas e espaços. Não existe unidade na estrutura arquitetônica, não há valor histórico-arquitetônico significativo na maioria do acervo edificado, mas sim valor ambiental. Logo, o problema é traduzir em diretrizes físicas, urbanas, arquitetônicas, os valores de percepção e de sentimento.
Foi definido que a qualidade urbana traduzida para diretrizes físicas, para esse lugar, está relacionada a quatro questões: 1. massa: relação cheios e vazios – predominância de cheios; 2. escala: relação altura e distância – estabelecida pela hierarquia; 3. permeabilidade: deslocamento, social , visual, etc. – mais público e, por fim, 4. textura: ritmo e materiais – marcação curta. Esses critérios servem de base para estabelecer parâmetros de inserção de novos elementos no tecido urbano. No entanto, cada caso deve ser analisado especificamente para se entender as relações estabelecidas referentes a cada parâmetro.
Este trabalho procura refletir sobre a inserção de novos elementos na cidade, sem que isso acarrete em perdas materiais ou ambientais. O conhecimento e a observação das peculiaridades do local da intervenção são fundamentais para que as transformações nas cidades aconteçam de forma mais humana. Não se trata de questão de gosto, de estética, mas sim da correta apreensão de valores e qualidades espaciais.
O resultado demonstrado ao fim do estudo, logo, não se apresenta como uma verdade absoluta e imutável; ao contrário, surge enquanto resposta local a uma questão universal: o tratamento da cidade como espaço coletivo, e não como tema do lote individual, considerando espaços simbólicos, globais e complexos.
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