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secao 4!

Capacetes Coloridos

 

Paula Constante Silva Santos

Silvio Melcer Dworecki

"Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra."
("A exceção e a regra" de Bertold Brecht)

Apresento aqui alguns trechos do texto publicado em encarte juntamente com o dvd do documentário fruto deste TFG "Capacetes Coloridos", disponível na sua íntegra na biblioteca da fauusp.

"(...) Em 9 de agosto de 2005, eu começava a circular pelo canteiro de obras de um terreno de mais de 250 mil metros quadrados. Eram vários edifícios independentes e obras de infraestrutura sendo incorporados por diferentes empresas, com diferentes técnicas construtivas. Sendo que os maiores e mais significativos utilizavam-se de tecnologias inovadoras, comuns apenas em grandes obras de alto investimento privado. Essa é a descrição mais objetiva possível de um primeiro dia de trabalho em uma obra cujo pico de trabalhadores chegou a mais de 600 pessoas. A verdade é que eu estava petrificada. Eram tantas informações apresentadas que parecia que eu jamais teria tempo para entendê-las. Já desde o primeiro dia senti a urgência em documentar tudo aquilo.

(...)
Eu precisava me apropriar de uma nova linguagem. Chegava a hora de conseguir uma máquina fotográfica digital. Fonte inesgotável, ou ao menos recarregável, de memória. Era tudo muito rápido. E muito intenso. As idéias, o andamento da obra, as informações gritantes de todo aquele processo.

(...)
Nas obras civis, de maneira geral, o capacete branco representa o mais alto escalão dentro da hierarquia triangular de funções. São os técnicos, responsáveis, fiscais, mestres-de-obras. São os clientes. Com aquele capacete não havia cabelos compridos, saias, falta de conhecimento, experiência, idade ou estatura: me fazia gigante. Por onde eu passasse com minha máquina fotográfica e minha pranchetinha de anotações, os operários baixavam a cabeça. Alguns me diziam "Bom dia". Outros sequer ousavam. Já aquilo para mim era de uma violência imensurável. Eu era nova naquele espaço. Não sabia de nada. Não me sentia nem um pouco à vontade. Sentia-me invasora. Eu estava ali para ajudar na fiscalização e minha presença era opressora.

(...)
O canteiro é hierarquia clara e absoluta. O cliente solicita. Os técnicos pensam, solucionam, calculam. Um engenheiro e um mestre de obras organizam a labuta diária. E aí vêm as centenas de operários organizados também hierarquicamente em encarregados, especialistas, sub-especialistas e ajudantes.

(...)
Aquela "divisão miúda do trabalho" persiste. Mais ainda, ela reflete. É um retrato claro e, portanto imagético, da nossa sociedade dividida em classes. Entre a minoria rica e a maioria pobre. Entre os líderes e os mandados. Entre os capacetes brancos e os capacetes coloridos.

(...)
Para entender melhor o que se passava resolvo ampliar horizontes. Descobrir se há, se é possível um diferente tipo de produção. (...) Em novembro de 2005 faço minha primeira visita ao mutirão.

(...)
O dia de trabalho é leve. O trabalho não. As mulheres são maioria. Passa-se o dia conversando, proseando. Tijolos são transportados, lajes são montadas na estrutura. Concretagem. Os trabalhadores aqui parecem mais livres. Não há cobrança senão a de si próprio. Aquele edifício é deles mesmos. São eles mesmos os clientes. Passo o dia observando. Sabem agora quem eu sou.

(...)
[Sobre a entrevista com Sérgio Ferro]
Sérgio Ferro faz críticas ácidas ao fazer arquitetônico. De tal forma que quando percebeu que não havia maneiras de atuar como arquiteto sem reproduzir a lógica de exploração do sistema, abandona a profissão e passa a trabalhar como artista plástico e professor. É marxista. Explica de maneira simples como acontece a exploração no canteiro de obras. É defensor do trabalho livre. Acredita na atuação da Usina e das assessorias técnicas que trabalham com mutirão autogerido enquanto espaço de experimentação e tentativa do novo.

(...)
Os paralelos e parecências entre as duas obras não são poucos. A começar pela localização: ambas estão na região mais populosa e mais pobre da cidade de São Paulo. Apesar das posições estratégicas de cada uma: a USP fica na beira de uma estrada e mais acessível sob um determinado ponto de vista, a obra do mutirão Paulo Freire, mais distante, mais longe dos olhos daqueles que não a querem ver.

Ambos os canteiros são frutos de luta e exigências populares. Apesar da diferente maneira como cada um é conquistado. O primeiro atende a interesses políticos e eleitoreiros dos dirigentes, portanto é rápido e priorizado: leva menos de dois anos para ser concretizado em suas duas etapas, a contar de sua idealização. O outro é resposta a um processo moroso e de luta persistente e diária daqueles que serão os diretos beneficiados. É uma obra de parceria com o poder público, mas que terá muito menos alcance na mídia que o anterior: leva mais de quinze anos a contar de sua idealização e ainda encontra-se em andamento, aguardando a "benevolência" parcelada dos repasses do poder público. Em permanente - ou seria estratégico? - atraso.(...)"

Ficha técnica

Direção, roteiro, produção e fotografia: Paula Constante
Orientação: Silvio Dworecki
Direção de Arte: Oficina 2+
Trilha Sonora Original: Tiarajú Pablo D'Andrea
Edição: Paula Constante (colaboração Maria Clara Bueno)
Argumento: Paula Constante (colaboração Isadora Guerreiro e Tiarajú Pablo)
Cinegrafistas: Paula Constante, Antonio Gonçalves da Silva, Luiz Bargmann, Isadora Guerreiro, João Guerra.
Som Direto: Paula Constante, Rose Moraes Pan, João Guerra
Narração: Antonio Gonçalves da Silva, Letícia Sígolo, Paula Constante
Colaboração e Apoio: Laboratório de Vídeo da FAUUSP
Participação: Associação Paulo Freire, Arq. Sérgio Ferro, Usina, Antonio Tavares de Oliveira, Eng. Antonio Marcos de Aguirra Massola, Eng. Luis Paulo Cardoso e Arq. Sylvio Barros Sawaya.

Duração aproximada 38 minutos. Colorido. NTSC. 2007.

 

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