O Olhar para a Cidade é dar chance para se surpreender por aquilo que o nosso olho alcança. Esta visão é diferenciada dependendo de quem é o espectador, do momento, da localização.
É também estar aberto à surpresa de uma infinidade de fenômenos que podem vir a ser explorados por diversos métodos e técnicas. Não se pode restringir a um momento específico, a uma determinada linguagem, mas sim ter uma atitude permanentemente aberta às surpresas.
O que diferencia o olhar, ou seja, individualiza a percepção de cada um é o estilo próprio. Cada um possui uma forma única de se relacionar com o mundo, de Olhar para a Cidade.
Com estas idéias, criou-se o curta-metragem A Cidade das Memórias. Ele tem como seu principal personagem a cidade. Sua composição é feita a partir de uma colagem de edifícios da realidade "concreta" e tem como finalidade criar um ambiente fantástico em que as memórias são seus habitantes.
A partir deste olhar sobre a cidade, de como seus espaços são compostos e nas diferentes formas de representação, foi feita uma pesquisa envolvendo as áreas de pintura e cinema, que retratassem um caráter emotivo e não somente representativo.
Primeiramente, buscou-se referências nas pinturas de vista em que pintores como Canaletto, Piranesi e Guardi "manipulavam" a paisagem de acordo com a sua necessidade de forma a criar paisagens fantásticas.
Em seguida abordamos os panoramas que além de dar uma visão mais ampla procuravam tornar a pintura mais próxima do real. E, por último, Hopper que através das pinturas do cotidiano, retratou as pessoas dentro das grandes cidades, explorando o vazio e a solidão que existe nas grandes metrópoles.
No cinema, através do estudo de cineastas como Hitchcock, Wenders e Antonioni foi visto como o ambiente pode interferir ou influenciar no desenrolar de uma história.
E assim, após essas diferentes representações chegou-se à Cidade das Memórias, em que se pretende despertar no espectador uma abertura para que possa observar, imaginar e sentir.
Memória de uma guerra,
de uma morte,
de um talento abdicado,
de um amor perdido.
Memórias que nos fazem sofrer.
Esses são os elementos que compõem a Cidade das Memórias, memórias que por algum motivo foram abandonadas. Elas são incorporadas às paredes dos seus edifícios, povoam e colorem essa cidade sem habitantes e sem cores.
Esse espaço melancólico é desvendado por uma mulher, Marion, a mesma personagem do filme Asas do Desejo. A trapezista vai à cidade em busca de uma memória (ou várias) que não sabe qual é, ou se ela realmente existe, o que a move é o vazio que sente.
A cidade das memórias é constituída por edifícios reais retirados de diferentes lugares, como Londres, Liverpool, Nova Iorque, Chicago. É uma cidade colagem, uma cidade cinematográfica tanto pela sua montagem, direcionada para a câmera, quanto pela sua aparência que remete à época do surgimento do cinema.
Encontrou-se na técnica 3D um meio de criar tal ambiente que busca ressaltar a importância do espaço criado pela arquitetura no cinema.
O curta-metragem utiliza o espaço como forma de transmitir sensações, assim como Antonioni em seus filmes e Hopper em seus quadros.
As memórias, outro elemento fundamental no curta-metragem, são cenas de filmes pois, assim como o cinema cria um tempo que não existe, as memórias são atemporais já que são retiradas de seu tempo e guardadas de forma não linear.
A principal referência cinematográfica para a Cidade das Memórias é o filme Asas do Desejo em que Wim Wenders discorre sobre o tempo. Berlim, cidade dividida, é mostrada através dos seus diferentes espaços e das memórias de guerra ainda presentes. E são os anjos, entidades destacadas do tempo, que exploram esse espaço.
Em meio à realidade e às lembranças está o circo. Ele se localiza na fronteira entre a Berlim oriental e a ocidental, entre o velho e o novo, num local onde há a ausência do tempo. Nesse local atemporal está a trapezista personagem sem pátria, ela conjuga a ausência do espaço e de tempo.
Essa combinação de fatores levou à escolha dessa personagem para percorrer a Cidade das Memórias cujo espaço é destacado do tempo e da realidade.
Ela é uma cidade idealizada assim como Veneza nas vistas de Canaletto, busca o sublime, a beleza, o terror, o intangível, na pequenez da pessoa diante da grandiosidade do lugar, do seu espaço. Assim como Piranesi, em suas gravuras, que cria uma paisagem ideal através do resgate da história. Os fragmentos refletem a paisagem interior do artista.
O resultado da busca nesse ambiente inóspito leva a personagem a um beco, onde a memória que veio resgatar está fragmentada nas paredes de suas casas. Ela não consegue recuperá-la e assim desencadeia a cena final do curta-metragem, o “vôo” em direção à cidade. Para a personagem não faz mais sentido deixá-la, ela prefere existir na eternidade de sua memória, do que viver o resto da vida sem ela. Ela pula de um dos seus prédios para se incorporar na infinitude da cidade.