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secao 4!

A produção material de uma obra - processo de trabalho na construção de Ilha Solteira

 

Carolina Heldt D'Almeida

José Tavares Correia de Lira

O presente trabalho é desdobramento da pesquisa de Iniciação Científica em que investiguei a construção da Grande Obra Pública de Ilha Solteira (1965-1974). No TFG eu procuro abordar a análise dessa obra a partir do campo da história da arquitetura e da cidade. A começar por uma crítica ao modo habitual de produção da história, abordada na introdução do trabalho. O objetivo do presente TFG é ensaiar uma perspectiva para a produção da história da arquitetura e da cidade baseada na produção material.

Inicialmente essa perspectiva foi suscitada a partir da pesquisa anteriormente realizada sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira e de seu acampamento de trabalhadores que se tornaria cidade. Essa análise inicialmente abordada a partir do campo de relações de trabalho no canteiro e no acampamento, levantou uma série de questões para as quais, porém, esse campo pareceu não ser suficiente para as aprofundar. Porque essa análise das relações de trabalho apontava para algumas contradições históricas cujas explicações pareciam derivar das relações de produção mais amplas na sociedade. Contradições como, por exemplo, o fato de apresentar um processo de industrialização do canteiro de obra sem que se desenvolvesse um processo produtivo tipicamente fordista, como a arquitetura moderna fazia supor. Ou ainda, apresentar uma presença significativa de trabalho manufatureiro, mas não por isso significar uma autonomia do trabalho como parte da bibliografia analisada indicava. O campo de abordagem precisava ser observado numa lente maior e interpretado segundo os parâmetros (e contradições) da produção material na sociedade naquele momento.

A busca dessa observação, chamada aqui de análise da produção material, é do que trata o presente TFG. O eixo dessa observação é portanto, um aprofundamento da análise do trabalho na história.

Abordo, no primeiro capítulo, uma discussão mais conceitual sobre teoria da história para conceituar a análise da produção material, primeiramente a partir das contradições no projeto de modernização em relação ao trabalho depois conforme alguns teóricos que analisaram o trabalho em relação à produção da arquitetura e da cidade e ao processo de trabalho na construção civil e, em seguida, em relação às inovações das técnicas e da ciência.

No segundo capítulo, mais contextual, recorrendo a uma bibliografia sociológica e econômica, estudo alguns aspectos da reestruturação produtiva mundial de 1960/ 1970 (contemporaneamente à obra de Ilha Solteira) observando suas repercussões no trabalho e, em especial, algumas contradições nesse processo, devido ao interesse metodológico de análise da produção da história. Passo primeiro por seus aspectos gerais a partir dos países centrais, depois no Brasil segundo a sua particularidade de país periférico. Abordo principalmente certas transformações que a reestruturação do capital implicou à sua acumulação, e algumas novas perspectivas que surgem da avaliação de um trabalho mais autônomo e/ou precário a partir da reestruturação. Transformações e perspectivas essas que apresentam enorme ressonância no campo da produção da arquitetura e do urbanismo desde então. Isso é particularmente tratado no terceiro capítulo, que se detém na análise do trabalho na construção civil no Brasil, anterior ao processo de reestruturação produtiva, e que trata de como tais perspectivas aparecem historicamente presentes conforme as especificidades do setor.

Assim, no intuito de desenvolver uma visão metodológica para a produção da história da arquitetura e da cidade, no último capítulo realizo um retorno às questões originárias sobre a obra de Ilha Solteira, cujo objetivo é demonstrar que a partir do percurso de análise da produção material é possível voltar-se à obra de Ilha Solteira interpretando-a como um documento histórico, que expressa as relações de produção daquele momento.

Na análise do estudo de caso foram investigados (59) relatórios de obra, (734) fotografias, (1) vídeo e (77) projetos, todas fontes oficiais das empresas envolvidas com a obra (Camargo Corrêa, Cesp/ Celusa, Tenenge, Planemak).

Nota-se que para as empresas conseguirem a estabilização dos trabalhadores na obra a estratégia se apoiou no estabelecimento de postos fixos de trabalho em alguns segmentos do canteiro que foram industrializados, mas também, devido à importância estrutural dos trabalhos manufatureiros e variáveis para o ritmo e interconexão das atividades da cadeia produtiva, desenvolveram uma gestão diferenciada do regime de empregos. Com essa gestão se garantia o controle da obra segundo uma forma de organização dos trabalhadores que se estendia também para o modo de vida no acampamento, expresso no padrão "flexível" e "orgânico" imputado às características arquitetônicas da forma urbana e da gestão empresarial da cidade. A gestão se baseava e produzia assim uma racionalização do trabalho fundada na precarização.

A produtividade dessa forma de racionalização do trabalho foi principalmente evidenciada com a interpretação de como a reestruturação produtiva, que se iniciava naquele momento nos países centrais para a retomada da acumulação de capital, apoiava-se na precarização do trabalho (com a flexibilização do regime de empregos, terceirizações, subcontratação, etc.).

A partir da análise de Ilha Solteira, que significava modelo de modernização da construção na época, pôde-se assim explicar a aparente contradição que havia entre "atraso" da construção civil e a efetiva construção da arquitetura moderna naquele momento, afinal, baseada no "atraso" se assentava também a lucratividade das grandes empreiteiras do país que se desenvolveram naquele momento. Pôde-se também concluir que o processo das transformações produtivas em 1960/1970 tratava-se na realidade de um aprofundamento de contradições do próprio fordismo, e, como não poderia deixar de ser, do próprio modernismo. E ainda, pôde-se mostrar a violência com que se faz a dominação do trabalho e da vida do trabalhador na construção civil no Brasil na difícil disputa entre capital e trabalho.

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