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secao 4!

Design Aplicado ao Aproveitamento de Resíduos de Madeira Nativa Certificada

 

Carolina Román Amigo

Maria Cecília Loschiavo dos Santos

Luís Cláudio Portugal do Nascimento

Gui Bonsiepe, em seu livro Teoria e Prática do Desenho Industrial, escrito em 1975, dedica boa parte do primeiro capítulo a definir as competências que devem ser atribuídas ao Desenho Industrial. Dentre elas, está que "[O Design Industrial] é uma disciplina encaminhada ao melhoramento da qualidade ambiental, enquanto que esta está determinada pelos objetos". Fica claro, no decorrer da leitura, que o autor não se refere exclusivamente ao ambiente do usuário, que engloba o atendimento das necessidades humanas pelos objetos, sua interface e qualidade estética, mas também ao meio ambiente do planeta que habitamos. Ao afirmar que a crise ambiental (já dando sinais naquela época) interessa incontestavelmente a todas as disciplinas projetuais orientadas para a estruturação do ambiente material, ele convida a pensar sobre um design mais comprometido com a sociedade e o futuro.

O tema, que cabe hoje no âmbito definido pela palavra "sustentabilidade" vem ganhando atenção crescente à medida que os sintomas ambientais provocados pelas extrações e emissões provenientes de nossa economia aberta (1) e de consumo acelerado se intensificam: contaminação dos solos, rios, lagos, mares e atmosfera por dejetos urbanos e substâncias nocivas oriundas da atividade industrial ou agrícola e da utilização de seus produtos (como, por exemplo, automóveis e fertilizantes artificiais); esgotamento de recursos naturais, inclusive renováveis, pela exploração mal planejada; aquecimento global pela emissão de gases de efeito estufa; geração descontrolada de resíduos sólidos, que se acumulam em um ritmo cada vez maior devido à obsolescência planejada e a falta de reciclagem; redução da camada de ozônio; e outros como a acidificação das chuvas e a eutrofia.(2)

Esse panorama e a ênfase dada acima ao lado ambiental das atribuições do design segundo Bonsiepe, anuncia sobre que bases o projeto proposto pelo presente trabalho final de graduação pretende se desenvolver. Partindo do pressuposto que o design é também uma disciplina social, já que os objetos são determinados "pelas pessoas e indústrias que os fazem e [eis o xis da questão] pelas relações entre essas pessoas e indústrias e a sociedade em que os produtos serão vendidos"(3) é essencial considerar o comprometimento com essa sociedade, que aqui encontrará caminho por meio da sustentabilidade. O termo abrange também a capacidade de elaborar um desenho coerente com os processos produtivos disponíveis, capaz de agregar valor ao produto industrial, tanto do ponto de vista do usuário, quanto do produtor e da sociedade.

A fim de bem situar o recorte dado ao tema para realização do laboratório ou estudo de caso, na primeira parte deste trabalho destacou-se a utilização do design como ferramenta para a sustentabilidade em um panorama onde o sistema de produção e consumo necessita urgentemente de profundas mudanças. Após uma introdução que trata de forma abrangente a incompatibilidade entre o ritmo de consumo atual e o ritmo de resposta do planeta às demandas crescentes, são explicadas as principais estratégias de projeto conhecidas para alcançar um nível de consumo sustentável. È dada ênfase para a desmaterialização, que permite proporcionar o mesmo nível de bem estar com menos produtos, desvinculando o crescimento econômico das bases materiais. A desmaterialização neste projeto é alcançada principalmente pela extensão da vida dos materiais, pois a reinserção dos resíduos no ciclo produtivo poupa impactos de extração de matéria prima e descartes.

A cadeia produtiva da madeira nativa no Brasil, tratada a partir da segunda parte, é a escolhida para elaboração do laboratório. Por possuir um dos mais baixos índices de eficiência em relação ao aproveitamento da matéria prima, e por ser diretamente relacionada a um dos mais graves problemas ambientais do país, o desmatamento, que é hoje o maior responsável pela emissão nacional de gases de efeito estufa na atmosfera, a cadeia produtiva da madeira mostrou-se ideal para a iniciativa deste estudo.

As alternativas à exploração predatória dos recursos florestais, o manejo florestal sustentável e a certificação florestal e de produto são aqui abordadas e divulgadas. O aproveitamento dos resíduos sólidos de madeira nativa torna-se central nesse estudo devido ao alto índice de geração desse material, em torno de 80% do volume inicial de matéria prima. O design então, entra como um instrumento de agregação de valor, em uma opção de aproveitamento mais vantajosa que a tradicional queima para geração de energia. A possibilidade de obter vantagens ambientais, sociais e econômicas superiores às tradicionais por meio da aplicação do design é reafirmada pelas referências encontradas de iniciativas já tomadas por designers e centros de pesquisa.

A quarta e última parte apresenta o laboratório realizado na Marcenaria Almeida Carmona Comercial Ltda., marcenaria de alto padrão pioneira no uso de madeira maciça certificada. A escolha de uma marcenaria se deveu aos seguintes fatores: facilidade de acesso e a proximidade da infra-estrutura de processamento que permitirá o tratamento dos resíduos; possibilidade de processar os resíduos na própria indústria geradora; possibilidade de estimular o reconhecimento do design como ferramenta por parte da indústria; proximidade do mercado consumidor que estabelece a demanda; e tipo de resíduos gerados. Foi então feita a caracterização da infra-estrutura produtiva e da geração de resíduos, bem como apresentadas as principais estratégias de gerenciamento desses resíduos adotadas na marcenaria. Atualmente, a venda por valor simbólico para empresas que queimam o material para obtenção de energia é a estratégia adotada para os resíduos grossos de madeira nativa. Foram propostas mudanças no sistema de recolha dos resíduos e sugerida uma classificação por formas, a fim de permitir uma triagem e uma organização do material que viabilizasse a utilização posterior na própria marcenaria, para confecção de móveis e acessórios. Além das vantagens ambientais, a reinserção dos resíduos é economicamente interessante para a marcenaria, que otimiza o aproveitamento da madeira nativa certificada, que tem no mercado valor em torno de 30% superior ao da madeira nativa convencional.

O projeto por fim executado tem caráter ilustrativo, utilizando-se de um partido aberto de projeto que é capaz de absorver a variação típica dos resíduos, otimizando seu reaproveitamento. O resíduo escolhido para a execução do protótipo, o destopo, é um dos que apresenta maiores dificuldades de aproveitamento, dados o tamanho reduzido e o sentido das fibras da madeira. Foi desenvolvido um sistema de execução que permitiu o processamento seguro e adequado à infra-estrutura produtiva, sistema esse que pode ser aplicado aos mais diversos tipos de resíduos. O resultado obtido confirma que por meio de um projeto de design que utilize técnicas simples de marcenaria e que considere a infra-estrutura já disponível no próprio ambiente gerador, é possível obter um produto de ótimo custo-benefício, passível de ser introduzido no mercado.


  1. Economia Aberta ou Economia de Cowboy, segundo o economista K. Building, é aquela onde o sistema de produção e consumo não é cíclico, ou seja, não prevê a re-utilização, diferente do sistema natural, que é fechado.

  2. Ver (MANZINI; VEZZOLI, 2002, apêndice), para maiores detalhes sobre os tipos de impactos ambientais.

  3. (FORTY, 2007).

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