Gui Bonsiepe, em seu livro Teoria e Prática do Desenho Industrial, escrito em 1975, dedica boa parte do primeiro capítulo a definir as competências que devem ser atribuídas ao Desenho Industrial. Dentre elas, está que "[O Design Industrial] é uma disciplina encaminhada ao melhoramento da qualidade ambiental, enquanto que esta está determinada pelos objetos". Fica claro, no decorrer da leitura, que o autor não se refere exclusivamente ao ambiente do usuário, que engloba o atendimento das necessidades humanas pelos objetos, sua interface e qualidade estética, mas também ao meio ambiente do planeta que habitamos. Ao afirmar que a crise ambiental (já dando sinais naquela época) interessa incontestavelmente a todas as disciplinas projetuais orientadas para a estruturação do ambiente material, ele convida a pensar sobre um design mais comprometido com a sociedade e o futuro.
O tema, que cabe hoje no âmbito definido pela palavra "sustentabilidade" vem ganhando atenção crescente à medida que os sintomas ambientais provocados pelas extrações e emissões provenientes de nossa economia aberta (1) e de consumo acelerado se intensificam: contaminação dos solos, rios, lagos, mares e atmosfera por dejetos urbanos e substâncias nocivas oriundas da atividade industrial ou agrícola e da utilização de seus produtos (como, por exemplo, automóveis e fertilizantes artificiais); esgotamento de recursos naturais, inclusive renováveis, pela exploração mal planejada; aquecimento global pela emissão de gases de efeito estufa; geração descontrolada de resíduos sólidos, que se acumulam em um ritmo cada vez maior devido à obsolescência planejada e a falta de reciclagem; redução da camada de ozônio; e outros como a acidificação das chuvas e a eutrofia.(2)
Esse panorama e a ênfase dada acima ao lado ambiental das atribuições do design segundo Bonsiepe, anuncia sobre que bases o projeto proposto pelo presente trabalho final de graduação pretende se desenvolver. Partindo do pressuposto que o design é também uma disciplina social, já que os objetos são determinados "pelas pessoas e indústrias que os fazem e [eis o xis da questão] pelas relações entre essas pessoas e indústrias e a sociedade em que os produtos serão vendidos"(3) é essencial considerar o comprometimento com essa sociedade, que aqui encontrará caminho por meio da sustentabilidade. O termo abrange também a capacidade de elaborar um desenho coerente com os processos produtivos disponíveis, capaz de agregar valor ao produto industrial, tanto do ponto de vista do usuário, quanto do produtor e da sociedade.
A fim de bem situar o recorte dado ao tema para realização do laboratório ou estudo de caso, na primeira parte deste trabalho destacou-se a utilização do design como ferramenta para a sustentabilidade em um panorama onde o sistema de produção e consumo necessita urgentemente de profundas mudanças. Após uma introdução que trata de forma abrangente a incompatibilidade entre o ritmo de consumo atual e o ritmo de resposta do planeta às demandas crescentes, são explicadas as principais estratégias de projeto conhecidas para alcançar um nível de consumo sustentável. È dada ênfase para a desmaterialização, que permite proporcionar o mesmo nível de bem estar com menos produtos, desvinculando o crescimento econômico das bases materiais. A desmaterialização neste projeto é alcançada principalmente pela extensão da vida dos materiais, pois a reinserção dos resíduos no ciclo produtivo poupa impactos de extração de matéria prima e descartes.
A cadeia produtiva da madeira nativa no Brasil, tratada a partir da segunda parte, é a escolhida para elaboração do laboratório. Por possuir um dos mais baixos índices de eficiência em relação ao aproveitamento da matéria prima, e por ser diretamente relacionada a um dos mais graves problemas ambientais do país, o desmatamento, que é hoje o maior responsável pela emissão nacional de gases de efeito estufa na atmosfera, a cadeia produtiva da madeira mostrou-se ideal para a iniciativa deste estudo.
As alternativas à exploração predatória dos recursos florestais, o manejo florestal sustentável e a certificação florestal e de produto são aqui abordadas e divulgadas. O aproveitamento dos resíduos sólidos de madeira nativa torna-se central nesse estudo devido ao alto índice de geração desse material, em torno de 80% do volume inicial de matéria prima. O design então, entra como um instrumento de agregação de valor, em uma opção de aproveitamento mais vantajosa que a tradicional queima para geração de energia. A possibilidade de obter vantagens ambientais, sociais e econômicas superiores às tradicionais por meio da aplicação do design é reafirmada pelas referências encontradas de iniciativas já tomadas por designers e centros de pesquisa.
A quarta e última parte apresenta o laboratório realizado na Marcenaria Almeida Carmona Comercial Ltda., marcenaria de alto padrão pioneira no uso de madeira maciça certificada. A escolha de uma marcenaria se deveu aos seguintes fatores: facilidade de acesso e a proximidade da infra-estrutura de processamento que permitirá o tratamento dos resíduos; possibilidade de processar os resíduos na própria indústria geradora; possibilidade de estimular o reconhecimento do design como ferramenta por parte da indústria; proximidade do mercado consumidor que estabelece a demanda; e tipo de resíduos gerados. Foi então feita a caracterização da infra-estrutura produtiva e da geração de resíduos, bem como apresentadas as principais estratégias de gerenciamento desses resíduos adotadas na marcenaria. Atualmente, a venda por valor simbólico para empresas que queimam o material para obtenção de energia é a estratégia adotada para os resíduos grossos de madeira nativa. Foram propostas mudanças no sistema de recolha dos resíduos e sugerida uma classificação por formas, a fim de permitir uma triagem e uma organização do material que viabilizasse a utilização posterior na própria marcenaria, para confecção de móveis e acessórios. Além das vantagens ambientais, a reinserção dos resíduos é economicamente interessante para a marcenaria, que otimiza o aproveitamento da madeira nativa certificada, que tem no mercado valor em torno de 30% superior ao da madeira nativa convencional.
O projeto por fim executado tem caráter ilustrativo, utilizando-se de um partido aberto de projeto que é capaz de absorver a variação típica dos resíduos, otimizando seu reaproveitamento. O resíduo escolhido para a execução do protótipo, o destopo, é um dos que apresenta maiores dificuldades de aproveitamento, dados o tamanho reduzido e o sentido das fibras da madeira. Foi desenvolvido um sistema de execução que permitiu o processamento seguro e adequado à infra-estrutura produtiva, sistema esse que pode ser aplicado aos mais diversos tipos de resíduos. O resultado obtido confirma que por meio de um projeto de design que utilize técnicas simples de marcenaria e que considere a infra-estrutura já disponível no próprio ambiente gerador, é possível obter um produto de ótimo custo-benefício, passível de ser introduzido no mercado.