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secao 4!

São Paulo a pé:

passeio e passagem

Isabel Falleiros Nunes

Luis Antonio Jorge

O presente trabalho nasce de uma vontade antiga de fazer pequenas viagens por São Paulo. E representa ao mesmo tempo um resgate do caminhar como instrumento de conhecimento em relação a uma cidade tão múltipla. A intenção foi estabelecer um outro tipo de contato com a cidade e um outro tipo de olhar para seu espaço. "O andar condicionava o olhar, e o olhar condicionava o andar, até o ponto em que só os pés eram capazes de olhar" (SMITHSON, citado em CARERI, pg 145, 2002).

Andar é a relação do homem com o território. O caminhar foi a primeira arquitetura, o primeiro elemento de ordenação do espaço humano. Andar a pé, sem o apoio de qualquer outro recurso mecânico ou animal, dá ao homem uma medida mais elementar, "natural", de enxergar o espaço e suas dimensões. A viagem feita em veículos velozes "fecha" o ângulo e a visão do viajante, criando uma espécie de "túnel" a unir dois pontos, ofuscando tudo o que há entre o ponto de partida e o de chegada. Daí a importância de se resgatar o valor do andar para a disciplina da arquitetura, como ação simbólica que permite ao homem habitar o mundo e percebê-lo em sua dimensão mais fundamental.

O desafio do trabalho foi, antes de tudo, desenvolver um caminhar desautomatizado, ajustando o tempo, os passos, o olhar para que fosse possível a pesquisa de campo - andar e olhar como instrumentos de percepção e criatividade. O andar sem pressa, atento a cada detalhe, capta, registra e produz um outro conhecimento, permitindo fazer a leitura e a escritura do território.

Tendo em vista tais definições e pressupostos, a pesquisa deu início efetivo à ação de percorrer (no sentido amplo da palavra, traduzido do original em espanhol recorrido) a cidade de São Paulo, imenso laboratório urbano, com sintomas comuns a todas as grandes metrópoles contemporâneas. A cidade cresce desordenadamente, sem planejamento ou controle eficaz. Nela não são respeitadas muitas vezes as leis de uso de solo e as ambientais. Mesmo quando há respeito, o resultado é uma arquitetura preocupada apenas em resolver-se no espaço intramuros, na delimitação dos lotes, minúsculos fragmentos de solo frente à imensidão da cidade.

Este TFG se revelou como exercício de mapeamento da cidade, feito por meio de percursos, por meio do movimento de percorrer espaços de São Paulo a pé, de atribuir valores simbólicos a lugares e territórios. As sensações advindas desse contato palmilhar foram traduzidas, num recorte perceptivo, na formação de um mapa mental desenhado pela relação de espaço e tempo que faz parte do raciocínio arquitetônico.

O contato a pé com a cidade estruturou o trabalho nos limites da palavra percorrer: atividade exploratória de atravessar um espaço da cidade, caminhar por um lugar, desenhar um percurso, criar um caminho, penetrar. O entendimento do percorrer é aqui usado no sentido de andar, marcar caminho, construir uma representação no espaço e elaborar uma narrativa do espaço atravessado.

É sobre esse tripé que este TFG se apóia: na ação de andar (com os pés e os olhos), representar o espaço (ainda não interferindo nele, mas representando-o) e narrar essa experiência. Os produtos do trabalho incluem registros textuais e desenhos de observação, imagens e composições, elaboradas com base nesses registros, e a produção de textos poéticos criados também a partir do mesmo material.

Na etapa final do trabalho, foi elaborada uma estrutura que desse conta de mostrar todas essas camadas de raciocínio juntas. O resultado foi a produção de um mapa, um "mapa-sentimental", com os trajetos e o que se encontrou no caminho, e que apresenta, no verso, uma grande colagem mostrando a cidade por meio de suas "arquiteturas da passagem", as plataformas, escadas, passarelas, rampas, ruas, viadutos, pontes, marginais... O mapa é uma representação de São Paulo - visual e sensorial. É um olhar do caminhante, o registro da cidade, suas curvas, marcos, fragmentos, aberrações e sua beleza. Na mesma colagem há trechos selecionados dos textos poéticos, que complementam a observação, abrindo espaço para novas interpretações.

Como raciocínio conclusivo, o trabalho abre então a possibilidade de usar o movimento a favor do movimento. Ou seja, busca o entendimento e o raciocínio sobre a cidade estando dentro dela, dentro de seu movimento de constante formação e estando também em movimento. Este tipo de abordagem revela-se estratégica para se pensar a cidade contemporânea, servindo de base para a produção do espaço e a prática do projeto arquitetônico, estando no hic et nunc de seu espaço e tempo.

Este exercício de entendimento da metrópole coloca também a questão da leitura urbana como parte do raciocínio arquitetônico. A intensidade dessa prática contribui para o do entendimento dos valores dos espaços urbanos, seus processos de formação e transformação. Abre a possibilidade de entender os potenciais e as demandas das cidades. Trata-se de um recurso capaz de levar a melhores "perguntas" para a cidade. "Perguntas" aqui têm o mesmo sentido usado por Paulo Mendes da Rocha, na disciplina AUP 177, em 2006. Segundo ele, antes de se projetar a cidade há que se ter a habilidade para fazer as perguntas certas, de saber os pontos interessantes para interferir ou mesmo de saber em que escala ou âmbito deve-se intervir em um problema já identificado.

E é por meio das perguntas relevantes que se pode constituir um programa e um projeto/intervenção do arquiteto para as cidades do nosso século. "Antes da primeira arquitetura física a única arquitetura simbólica capaz de mudar o ambiente era o ato de andar, um ato que é perceptivo e criativo e que, na atualidade, constitui uma leitura e escritura do território." (CARERI, pg. 51, 2002).

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