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secao 4!

as comidas dos lugares

 

silvia vaz de azevedo corbucci

luís antonio jorge

couvert

Para finalizar minhas experiências com o espaço na FAU pretendi reunir em um único trabalho, e na ótima oportunidade que é o TFG, minha leitura das melhores experiências que a FAU pôde me proporcionar na descoberta do espaço, considerado aqui não somente o espaço físico, mas também o humano, o cultural, o histórico e o projetado, que é o que se cria no projeto.

Como é comum para vários alunos da FAU, esta escola foi, para mim, não somente uma escola de arquitetura, mas também uma escola de leitura, leitura do espaço e de outras coisas também, talvez mais ainda uma escola que ensina uma linguagem, uma postura para olhar o mundo, não só um espaço, um edifício ou uma cidade, mas também um povo, uma cultura, um hábito.

É claro para mim que a leitura da experiência que vivemos na FAU, ou em qualquer outro lugar, é feita a partir de dois pilares: os fatos que vivemos aqui e os que vivemos fora daqui, uma vez que, toda leitura e toda interpretação, seja do que for, depende do repertório de quem lê e do que lê.

A faculdade de gastronomia que cursei na Anhembi Morumbi ensinou-me as técnicas usadas para a confecção do béchamel clássico francês, mas foi a FAU que me estimulou a pensar nas razões pelas quais os franceses desenvolveram esse molho e porque ele leva os ingredientes que leva.

Este TFG tentou reunir, em um trabalho, minha paixão pela comida, o reconhecimento e a caracterização do espaço que aprendi na FAU - através das pessoas que o ocupam, que o transformam e que o mantêm vivo - o pensamento sobre as diversas manifestações da cultura alimentar, o jogo de cheios e vazios na organização do espaço deste livro e a encadernação artesanal.

entrada

Segundo Augé (1994), o "lugar" é identitário, relacional e histórico. O que o configura são as pessoas que o habitam, as relações que elas estabelecem entre si e com o espaço; a história que elas construíram naquele lugar e a identidade cultural que cada uma delas reconhece naquele espaço e com aquela comunidade.

Ao "não-lugar" é atribuída uma função prática (transporte, comércio, lazer), enquanto que a todo "lugar" é atribuído um significado simbólico, não necessariamente sem função, mas certamente com um significado além dela. Este significado é pertinente somente aos indivíduos que constituem esta comunidade; e, em geral, não faz sentido fora dali.

A intenção deste trabalho não é escolher "lugares" e justificá-los como tais através da análise de suas características, mas sim buscar, para protagonizar o trabalho, espaços em que sejam desenvolvidas atividades que possam remeter àquilo que definiria um "lugar". Através de hábitos, comportamentos e atitudes, observados sob a luz da prática alimentar.

Partindo do desejo de valorizar a cultura popular - entendida aqui como um conjunto de fatores que dependem do tempo, do espaço e das pessoas que o constituem, e partindo também da premissa de que a cultura popular é capaz de fundar lugares - a proposta deste trabalho é retratar lugares através das linguagens fotográfica e verbal, e olhar os lugares através dos hábitos alimentares e culinários que o identificam.

explicativos

O produto final deste TFG foi um livro de fotografias de lugares que acompanham contos dos mesmos lugares. Tanto as fotografias quanto os contos são de autoria da aluna.

Foram escolhidos seis lugares que representassem a idéia do conceito. São eles: a Feira da Farinha, em Salvador; a Queima do Alho de Barretos; a Feirinha de Pium, em Parnamirim, próximo a Natal; o Mercado Ver-o-peso, em Belém; o Mercado de San Pedro, em Cusco e o Mercado Central de Lima, que fecha o livro com uma crítica-observação ao que se passa na metrópole.

Abaixo está o primeiro conto, referente ao Mercado Ver-o-peso, de Belém.

mercado ver-o-peso
Belém - PA

No Mercado Ver-o-peso tem todas aquelas coisas que a gente não espera encontrar por aqui, e não encontra mesmo. Tem farinhas, muitas farinhas, todas de mandioca, claro: farinha d'água, farinha de copioba, farinha de tapioca, várias, e tem tapiocas, muitas, tem jambu, maniva, tucupi, tacacá e açaí - bem diferente do paulista.

Todas essas coisas do Ver-o-peso são só do Ver-o-peso mesmo. A mandioca, outrora rainha do Brasil inteiro parece que só não perdeu seu reinado no Pará. E o Ver-o-peso faz manter os súditos fiéis, afinal de contas, oferece produtos que revelam o uso completo da Manihot utilíssima honrando o nome, e trazendo dela tudo o que a gente já sabe - e que até come aqui em São Paulo - e mais um monte de outras coisas que a gente já ouviu falar e outras tantas que só o Ver-o-peso vai poder te contar. É a raiz que vira farinhas, vira goma, vira tucupi, vira tapiocas e beijus.

Mas que fique bem claro e avisado que a utilíssima paraense é da subespécie brava, e não da mansa, e isso faz diferença. Então, já anote aí, que se você tiver a oportunidade de chegar perto da mandioca in natura, tem que tomar as devidas providências de fazer o cianídrico ir embora antes de pensar em fazer dela comida. Mas os paraenses confiam nas casas de farinha e naquelas senhoras que já trazem o tucupi fervido sete dias e sete noites e até já temperado, com pimenta só para dar um cheiro, no gosto dos paraenses. É só passar lá no mercado e escolher a sua garrafa, grande ou pequena, a maioria já vem com pimenta de cheiro, harmonização perfeita com o tucupi. Diriam os franceses que é o legítimo casamento regional. E a maniva também, já vem bem fervida, pronta pra colocar na maniçoba.

Para completar o cardápio paraense o Ver-o-peso traz todo o resto: camarões secos e salgados, de todos os tamanhos. Sem geladeira é a única alternativa para qualquer pescado. E traz o pirarucu e o tucunaré. O pato e o ouriço inteiro de castanhas, que são as do Pará mesmo. E também tem as frutas: os jambos, as pupunhas, às vezes até já cozidas, os sapotis, os bacuris, os muricis, e mangas; nossa quanta manga e banana!

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