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secao 4!

Outras Cidades Invisíveis

 

Cecília Donha Teixeira

Angela Maria Rocha

Os 7 anos que passei na Faculdade se desenvolveram distanciando-me da minha idéia inicial de ser uma grande arquiteta, de grandes equipamentos públicos. É interessante que desde aquela época o espaço público é muito importante para mim. Acreditava que era em praças, parques, bibliotecas, museus que nos organizaríamos enquanto coletividade para traçarmos nosso destino comum.

Nos primeiros anos e no contato com atividades de extensão universitária, comecei a perceber o espaço como lugar de disputa política, e o projeto como forma de se posicionar em relação aos conflitos.

Em maio de 2007, ocupamos a Reitoria da USP, e ali experienciamos a política de uma maneira nova para mim, como um aspecto constante do cotidiano - todo o tempo presente. Essa cotidianidade estava sempre em conflito com a política dos partidos políticos, da comissão de negociação, das pautas que não nos contemplavam, das reivindicações de fachada - formas esvaziadas usadas para representar nossas vontades. Uma contradição entre o que conseguimos desenvolver de crítica da universidade e do mundo contemporâneo nas nossas discussões e nas nossas práticas e a pauta que, para nós, negociava a continuidade da nossa vivência ou não daquele espaço, que ultrapassou a condição de um objeto prescindível de barganha.

Depois da ocupação, fiz um trabalho para uma disciplina optativa da FAU relacionando essa experiência da ocupação com os conceitos de percepção tátil e percepção ótica da obra de arte, do Walter Benjamin. Walter Benjamin utiliza o termo tátil para caracterizar a relação das massas com a obra de arte a partir da evolução das técnicas de sua reprodução e veiculação - relação essa que se daria coletivamente na forma de distração, desinteressadamente. Para Benjamin, a arquitetura é a mais antiga arte de massa, com a qual o homem se relaciona distraidamente desde sempre devido à sua função de abrigá-lo. O contato do homem com a arquitetura teria sido então, desde tempos remotos, eminentemente tátil, pragmático, criando hábitos que liberam sua atenção para outras tarefas. Otília Arantes aponta que é justamente por conta da predominância tátil da imagem na cultura da sociedade de consumo - a confusão com a própria vida - que a relação das massas com a arte e com a própria cidade se esvazia de conteúdo. Ainda assim, proponho a proximidade, principalmente na produção, para romper com a alienação das nossas relações.

Utilizam-se meios de representação como o desenho, as estatísticas, os mapas, o vídeo para medir e apreender o espaço com facilidade, diagnosticá-lo e então remediá-lo.

Ainda que o nosso pensamento, subjetividade e expressão venham sendo construídos no contato ativo com esses meios (e dessa forma afeta a maneira como interpretamos o espaço e o tempo e depois agimos com relação ao mundo), devemos nos perguntar dos seus limites diante do fluxo e da experiência humana.

Percebe-se a necessidade de uma aproximação da prática sócio-espacial que dá forma e conteúdo ao espaço, reconhecendo o papel das práticas humanas na construção das diversas qualidades de espaço e tempo ao longo da história - a cidade como obra da vida do homem em seus diversos momentos: trabalho, lazer, vida privada, vida coletiva.

O processo desse TFG também desconstruiu seu objetivo inicial. Objetivo não muito claro, é verdade. Tinha contato com alguns grupos de teatro, tinha vontade de pesquisar o graffiti, sua história e possível radicalidade hoje, queria juntar tudo isso com a discussão de "o direito à cidade" de Lefebvre e ainda experimentar em linguagem audiovisual contos de "As Cidades Invisíveis" de Ítalo Calvino. Queria a festa, a folia, a gratuidade, a espontaneidade, essa relação com a rua que eu valorizo tanto. No final das contas, a proposta inicial foi fazer um vídeo com imagens da cidade de São Paulo, que fizessem uma espécie de "ilustração" de alguns contos e conceitos do As Cidades Invisíveis.

Durante as filmagens, no entanto, não conseguia captar exatamente o que eu queria. As imagens não me diziam muito de imediato. Foi na possibilidade de revisitar essas imagens 1, 2, 3 vezes, assisti-las justapostas às outras, prestando atenção no som de fundo - uma música, vários ônibus passando um atrás do outro, as conversas, o abre e fecha de portas - tentando perceber os pensamentos que surgiam delas, que comecei a descobrir a minha relação com a cidade, meu olhar para essa cidade. As filmagens passaram a ser, também, um instrumento de reflexão. Descobri, nesse processo, a minha própria experiência na cidade - pobreza e vazio que se confrontam com uma expectativa do encontro, da festa, do espontâneo. Ando nas ruas, percorro distâncias nos ônibus e nos trens, mas o que vejo se resulta em cenário, não consigo me aproximar o suficiente de ninguém e cheguei a achar que, dessa maneira, seria como me distanciar da produção da cidade. Acredito, ainda, que essa experiência não se reduz em mim. A velocidade dos meios de transporte prioriza a sua função e faz dos espaços cenários bidimensionais. Os olhos não conseguem observar, perdem-se no ritmo imposto do trabalho e do consumo. Assim eu reproduzo a cidade, e é isso que deveria ser o filme: o que eu quero deixar de ser, individual e coletivamente, a minha utopia, minha cidade invisível.

Muitas vezes nesse ano me confrontei com a pergunta: sobre o que é o seu TFG? Sobre o que é o filme? E eu, sempre com dificuldade, respondia balbuciando algo como: é sobre São Paulo, o processo de modernização da cidade e de seus habitantes, mas por uma perspectiva diferente, buscando encontros, momentos de "brecha", de sociabilidade. Penso, agora, que esse trabalho não é sobre. Ele é a minha experiência de um ano de reflexão sobre sete anos de formação em arquitetura e urbanismo, de filmagem de momentos que captaram a minha atenção ao viver na cidade, e a conclusão de uma expressão subjetiva que se objetiva em linguagem audiovisual na forma de um filme de vinte minutos para além da representação, também como produção do urbano e inserção na vida cotidiana.

vídeo completo na internet:
http://www.youtube.com/watch?v=l7J3k3izfSc&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=yphLUHlcmWk&feature=related

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