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secao 4!

Luxo de Lixo

 

Nívea Maria Justino da Silva

Sérgio Régis Moreira Martins

O trabalho constitui uma pesquisa plástica sobre aspectos da vivência do cotidiano urbano, refletindo mais particularmente, sobre a estética do corpo e da cidade e sobre a esfera do universo feminino. O resultado chega através de um livro, numa narrativa não-linear e imagética que reúne registros fotográficos de intervenções no cenário urbano protagonizadas por um simulacro do corpo humano (um manequim de fibra de vidro); além de colagens e iserções de fragmentos de material de arquivo.

Nas intervenções, o corpo passeia à deriva: ora identificando conflitos, ora contemplando a paisagem, ora vivenciando situações corriqueiras, ora vivenciando situações absurdas ou surrealistas. Em cada uma dessas situações, o corpo encontra uma forma de se "expressar", mesmo com seu olhar vazio ou indiferente, pois a paisagem tem o poder de realizar uma metáfora com o corpo inanimado e devolver à ele certo espectro de vida. Nesse sentido, a intervenção urbana introduz a premissa da arte como meio para questionar e transformar a vida urbana cotidiana.

JUSTIFICATIVA

"... a percepção do corpo humano na vida cotidiana é condição prévia de uma verdadeira experiência estética."(JEUDY, Henri-Pierre)

O conceito do trabalho surgiu a partir de um questionamento sobre condição dos padrões estéticos que influenciam e moldam as formas do corpo e da cidade. Ao percorrer e vivenciar o espaço urbano de maneira atenta e crítica, fica latente uma ruptura e descontinuidade estética do espaço, que segrega corpos e possui fronteiras invisíveis de classe devido à sua finalidade funcional, uma contradição entre espaços de valor de uso e espaços de valor de troca. Essa segmentação de usos acaba produzindo lugares que, por vezes, negam a própria escala do corpo na cidade.

Como definir critérios, visto o crescimento descontrolado que se impõe aos padrões crescentes de estetização de corpos e cidades, muitas vezes descontextualizados e arrasadores de identidades em que se estabelecem? Considero viver em uma época de culto à estética, que se revela em situaçõs exacerbadas de hedonismo: cirurgias plásticas, lifting, anabolizantes, esteróides, consumo desenfreado de grifes e produtos fetichezados - situações essas que são baseadas em modelos ou estereótipos. "O corpo é de tal modo saturado de estereótipo que parece não ter mais segredo." (JEUDY, Henri-Pierre). Os meios de comunicação veiculam esses modelos como perfeitos ou ideais, através das celebridades escancaradas em inúmeras capas de revistas, na TV e na Internet, exaustiva e massivamente.

Na esfera da produção das cidades, o apelo estético se revela vitma da especulação imobiliária, da publicidade e do mercado de consumo. Na atual condição da arquitetura, os arquitetos debatem uma estética acadêmica e abstrata enquanto estão dominados, na realidade, pelos desenvolvimentistas imobiliários que estão arruinando as nossas cidades. O espaço urbano é constantemente submetido a um processo de "segmentação estética": as zonas de compra e cultura de bairros nobres ou com potencial especulativo são modeladas de maneira elegante, chique, animadora, e por todo lado se alastra o embelezamento das fachadas, a revitalização, remodelação, a higienização. Esse tipo de arquitetura revela que a ousadia estética se torna uma expressão do poder de classe.

Então me pergunto: como ser e viver na cidade, uma vez que o convívio se desloca, vertiginosamente, de lugares públicos para lugares privados e idealmente seguros? Lugares esses que "encorajam a ação e não a interação" (BAUMAN, Zygmunt) e que refletem a segregação de classes? E ao mesmo tempo, como se deslocar, visto que o percurso não mais tido como parte da vida, e sim um "vácuo" entre dois pontos mediado pelo automóvel, que exclui o próprio corpo?

QUE PODE O CORPO?

É a partir da construção de metáforas que o corpo se relaciona com o mundo e consigo mesmo, estabelecendo processos diversos de comunicação e em diferentes níveis. (...) O corpo se metaforfoseia nos espaços que ocupa e assim transforma o ambiente em um movimento de mão dupla.(GREINER, Christine)

Ao colocar o corpo-estátua na paisagem, sua imobilidade ressalta sua beleza e sua nudez em relação aos transeuntes, pois a "idealização da beleza corporal corresponde, na maioria da vezes, à representação do corpo imóvel, à escultura, como se em repouso ele representasse uma apreensão estética mais poderosa do que em movimento." (JEUDY, Henri-Pierre.)

A partir de uma imagem que simula o corpo (manequim de fibra de vidro) procuro trazer uma tensão e estranhamento em relação à realidade e rotina do entorno. "Uma imagem que apagou a sua relação com o outro é, nesta exata medida, hiper-real (...), a experiência dessa aluinação, que é a substituição das coisas por imagens, se dá todo momento; por exemplo, na presença de um simples manequim hiper-realista - quem não sentiu, diante, diante desses simulacros (...) a realidade do mundo à volta oscilar por um breve instante de dúvida e hesitação? A figura hiper-realista é imagem ao quadrado, daí o halo de irrealidade que instaura à sua volta; o simulacro ao mesmo tempo simula e anula a sua referência, pois é uma espécie de cópia idêntica de um original inexistente." (ARANTES, Otília).

Em minhas intervenções procuro situar corpo como local de resistência dentro do discurso de poder no espaço, de maneira experimental e poética. As diferentes formas de interação que cada lugar sucita são exploradas através do processo investigativo que a intervenção urbana fomenta, realmente potencializado quando na vivência do espaço. A afirmação de Bauman que "a demarcação entre o corpo e o mundo exterior está entre as fronteiras contemporâneas mais vigilantemente policiadas" se torna fato quando na vivência urbana e ainda mais sensível quando explorada pelo corpo do manequim.

A partir de um apanhado de linguagens - intervenção urbana, colagem, recorte de fragmentos revistas antigas e fotografia - surgiu o projeto gráfico do livro, que resultou em várias recontextualizações de notícias e propagandas retiradas de seu orignal e que situaram o objeto - corpo - numa dimensão completamente diversa.

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