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secao 4!

Videoimagens em movimento

 

Paulo Kiyoshi Abreu Miyada

Agnaldo Aricê Caldas Farias

Por um lado, o homem comum, a multidão móvel, os rios cifrados da rua. Por outro, o evento efêmero, o acontecimento urbano, as táticas de uso dos lugares comuns. A fim de concatenar e aprofundar estes dois campos de interesse, elegi como objeto de estudo o projeto de uma rede de oficinas de vídeo que elabore e circule representações dos espaços da cidade, nos espaços da cidade, junto a seus usuários e habitantes.

A primeira referência para o desenho deste tema foram pesquisas e projetos que, nas décadas de 1960 e 1970, problematizaram a atividade arquitetônica e urbanística, construindo passagens entre essas e outras disciplinas e reelaborando suas categorias de análise e de prática do espaço. Emprestou-se das especulações e manifestos daquele período a hipótese de atuação arquitetônica sobre o espaço urbano a partir da temporalidade dos eventos e da mobilidade das redes informacionais. Por aí surgiu a primeira formulação desse objeto de estudo, então sob a alcunha "áudio-foto-novelas em movimento; redes informacionais informais em metrópoles contemporâneas".

A proposta concentrava-se em torno da proposição de "um conjunto de oficinas e intervenções urbanas que contem crônicas da cidade sobre a cidade", quer dizer, do projeto de instrumentos, infra-estruturas, métodos e táticas para a realização de uma rede de oficinas para produção e distribuição de discursos audiovisuais sobre espaços determinados da cidade, pelos usuários/habitantes desses espaços. Em retrospectiva, podemos dizer que sua hipótese primeira era de que as práticas urbanas cotidianas, além de serem determinantes para a constituição da cidade como espaço, poderiam registrar (e discutir) a si mesmas e às imagens da cidade. A proposta pressupunha também que os discursos da e sobre a prática cotidiana de um espaço poderiam interessar pessoas engajadas em outros contextos urbanos e que essa troca de discursos (informal, posto que independente de um lugar "próprio" de produção e difusão) poderia dar forma a uma rede de debate baseada na vivência dos espaços públicos em uma escala metropolitana. O objetivo era projetar os elementos necessários para a realização de uma série de eventos articulados com os usos cotidianos dos espaços da cidade os quais, em rede, constituíssem imagens da metrópole de São Paulo.

Para aprofundar e rever essas hipóteses delinearam-se três grandes conjuntos bibliográficos centrais para a compreensão do objeto de estudo: linguagens e mídias audiovisuais; narração e debate sobre o espaço público; redes informacionais informais.

O desenvolvimento desta pesquisa estrutura-se em torno do interesse pelas artes de fazer cotidianas que tomam lugar nos espaços da cidade. Essas artes de fazer foram caracterizadas por Michel de Certeau como práticas de qualidade tática, as quais operam pelo emprego de elementos de territórios de outrem, para atingir resultados distintos daqueles esperados pelas forças hegemônicas que estruturam esses territórios. O interesse deste estudo está, num primeiro momento, em refletir sobre essas práticas e seu potencial de atualização do espaço urbano e, num segundo momento, em atuar junto aos canais de comunicação em que se constituem e circulam os relatos dessas práticas. O próprio estudo sobre as artes de fazer aponta a circulação desses relatos como momento de formulação e fortalecimento das práticas sobre as quais se fala. Esta pesquisa pretende desenvolver uma outra arte de fazer que, como toda ação tática, atue dentro dos territórios de outrem, a fim de relatar os relatos das práticas que enunciam o espaço urbano. Esta nova arte de fazer é desejada como recurso de pesquisa sobre os espaços em que agem as práticas e como instrumento de atuação sobre o espaço metropolitano.

O ensaio tododia-feira [1] apresenta-se como primeira tentativa nesse sentido. Levando em conta o percurso da pesquisa, poderíamos resumir suas premissas da seguinte maneira: 1. trata-se de uma tentativa de construir um relato sobre as práticas cotidianas do espaço da feira através da interlocução - mediada por máquinas de imagens - com os relatos dos feirantes; 2. o projeto conclui-se conforme esse relato circula por outros espaços da cidade, atualizados por outras práticas; 3. esse relato tem duas formas, o média-metragem mais próximo ao cinema documental que reflete o trabalho da equipe, e a série de pequenos vídeos chamados pílulas, em que é possível precisar as instâncias em que participam dos feirantes; 4. o parâmetro principal para avaliação da relação com os participantes é o grau de esclarecimento destes quanto ao processo e seus fins.

Uma vez que entramos enfim no campo das artes de fazer, de Certeau avisa que a teorização do processo do tododia-feira só pode ser feita enquanto relato do percurso, arte do dizer. Dessa forma, e por entender sua prática como uma seqüência de passagens por territórios de outrem, este estudo conclui-se justamente com um relato de viagem, um livro de histórias ou um diário de marcha.


  1. Tododia-feira é um documentário sobre a rede de feiras-livres da metrópole de São Paulo. Para identificar e explicitar a forma específica de atuação da feira-livre sobre o espaço urbano, o vídeo vale-se de uma série de oficinas audiovisuais com uma finalidade dupla: documentar a feira e, simultaneamente, elaborar discursos sobre ela junto aos feirantes e fregueses. A equipe realizou uma série de oficinas para produzir "pílulas" audiovisuais em conjunto com os feirantes, partindo de suas falas e de seus imaginários, assim como de suas referências culturais. Embora sejam expressos cotidianamente e possam ser registrados como tal, essas falas e imaginários vão além de sua simples manifestação, possuindo dimensões inacessíveis inclusive àqueles que os enunciam. Tododia-feira integra essas falas e esses imaginários a uma linguagem que pensa as imagens que produz, que pensa através das imagens que produz, atentando para quais saberes e idéias motivam suas manifestações e de que forma eles passam ao campo da prática.

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