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secao 4!

ESTAÇÃO DE METRÔ E A CONSOLIDAÇÃO DE UM PÓLO URBANO REGIONAL EM SÃO MATEUS

Ivo Magaldi Rodrigues da Cruz

Antonio Carlos Barossi

- As periferias colocam dúvidas?
Como dizia Jacques Derrida: «É preciso escrever nas margens». (...) O objectivo e a função dos arquitectos é transformar a periferia em centro histórico, ou seja, introduzir os atributos de qualidade que os centros possuem, e que o tempo foi capaz de os moldar.
(Eduardo Souto de Moura)

Esse trabalho nasce de uma inquietação sobre o desenvolvimento desigual e desequilibrado da metrópole de São Paulo, que segue a rota do desastre, como bem sugeriu Paulo Mendes da Rocha ao evocar a falência do espírito coletivista. De modo geral, essa desigualdade é um fator constituinte da nossa sociedade, brasileira, paulistana, que tem raízes históricas profundas, complexas. O presente estudo não ambiciona conceituar teoricamente ou analisar a construção histórica do cenário atual. Tratamos de uma proposta de projeto cujo ponto de partida é o reconhecimento dessas condições. O interesse está em projetar no limite da conjuntura existente, na medida do possível. Fundamentalmente é um exercício de intervenção na cidade contemporânea.

Em termos sucintos, este estudo aborda a disposição desigual da rede de transporte público na região metropolitana de São Paulo como ponto de partida para a reflexão projetual. Considerou-se parte das características do sítio o Parque da Integração, previsto pela prefeitura para ser implantado ao longo da Adutora Rio Claro.

Como produto final deste trabalho final de graduação, decidimos pela apresentação do projeto de uma Estação de Metrô em São Mateus na Zona Leste de São Paulo (prevista no PITU 2020), de um edifício administrativo e de prestação de serviços públicos - um Poupa Tempo, complementado por um edifício de uso cultural (biblioteca pública), relacionado ao Parque da Integração. Optamos por projetar no Largo de São Mateus, e em parte do terreno do futuro parque da Integração (daí a intenção em construir um edifício de caráter complementar ao parque). Como parte deste estudo, também foi incluída uma pequena revisão de implantação da linha 2 do corredor Expresso Tiradentes.

A escolha desses programas públicos, em especial o metrô, é reforçada pela diretriz de intervir no local de modo a amplificar o potencial urbanístico da região, qualificando-a como um sub-centro metropolitano, um centro regional. Em outras palavras, a decisão de implantar a estação de metro, o poupa tempo e a biblioteca, programas com caráter inter-regional, parte da hipótese de que os programas seriam 'catalisadores' urbanos, estratégicos para o desenvolvimento e crescimento econômico da região, localizada no limite do chamado anel viário metropolitano, no entroncamento das avenidas Mateo Bei, Sapopemba, Adélia Chohfi e Ragueb Chohfi.

O objetivo do trabalho é explorar a hipótese de que, na atual conjuntura, disseminar a instalação de infra-estrutura de transportes, no sentido de construir uma ampla rede infra-estrutural de transportes de massa, é condição imprescindível para o desenvolvimento sócio-econômico metropolitano, especialmente em áreas periféricas. Também nos interessa estudar a hipótese de que intervenções pontuais (com projetos de edificação) são capazes de promover importantes requalificações urbanas, influenciando positivamente o desenvolvimento regional. Concomitantemente, através de um procedimento projetual, pretendemos reforçar a necessidade de elaboração de uma relação harmoniosa da intervenção com o entorno, favorecer generosos espaços de convívio, recriar uma paisagem nas diversas escalas de fruição da cidade.

MEMORIAL DE PROJETO:

A partir da compreensão da infra-estrutura de transportes de massa como um importante instrumento de planejamento estruturador do espaço, propomos, como mote inicial de trabalho, o desenho da estação de metrô Largo de São Mateus, estação final da linha Rio Pequeno – São Mateus, prevista no PITU 2020¹.

A linha em questão é particularmente interessante; parte do Rio Pequeno, vai em direção a Lapa , cruza o rio Tietê rumo à Brasilândia, descreve uma espécie de arco pela Zona Norte em sentido oeste-leste, segue até a Penha, onde cruz o Rio Tietê de novo, dessa vez com inclinação sudeste. O ponto final desta linha é o Largo de São Mateus, e é ali que propomos o projeto.

O local escolhido para o desenvolvimento do trabalho é a Praça Felisberto Fernandes da Silva, também conhecida como Largo de São Mateus. (ver foto aérea do local em estado atual) Parte do terreno da Adutora Rio Claro, recém-cedida ao Parque da Integração, recebe os projetos do Poupa Tempo e de uma Biblioteca pública. Neste ponto da malha urbana convergem as avenidas Sapopemba, Ragueb Chofi, Adélia Chofi e Mateo Bei, vias estruturais para a região da zona Leste. O Terminal de Ônibus São Mateus, que compõe o sistema de Corredor Metropolitano ABD, regido pela Empresa Municipal de Transportes Urbanos – EMTU e integrado ao sistema operacional e tarifário do Metrô, está implantado nas cercanias do largo.

Tanto quanto a intervenção ligada às questões de fundo predominantemente vinculadas às infra-estruturas de transporte, é fundamental entender este projeto como a construção de lugar a partir do mote infra-estrutural. Sobre essa relação em sua tese de doutorado, Milton Braga², afirma que:
“As infra-estruturas poderão ter papel fundamental especialmente na evolução urbana das metrópoles dos países em desenvolvimento, as quais apresentam grandes áreas com urbanização precária, carentes sobretudo de infra-estruturação adequada, assim como importantes setores urbanos disfuncionais e sistemas infra-estruturais subutilizados. Estas características espaciais resultam da transformação em curso da organização metropolitana moderna na organização metropolitana contemporânea, decorrente da transição de um modo de produção industrial e mecânico para um modo pós-industrial e predominantemente tecnológico. Nestes territórios metropolitanos, boa parte da população vive em grandes periferias de urbanização majoritariamente informal, cujos núcleos urbanos apresentam-se, por um lado desconexos entre si e mal articulados com as centralidades que concentram os serviços urbanos e, pelo outro, configuram-se indiferenciados e desprovidos de uma caracterização singular, com a qual os seus habitantes possam se identificar. Ao mesmo tempo, por essas razões e pela desmedida da urbanização, essas metrópoles carecem de imagens positivas legíveis que possam ser associadas ao seu conjunto.”

Em artigo, o português Nuno Lourenço² aponta:
] “As cidades são locais magnéticos. Por isso vão crescendo na medida em que melhoram a capacidade de transporte e armazenamento de bens necessários ao abastecimento de populações concentradas. Esta capacidade depende da dimensão das infra-estruturas, mas também da sua eficácia e sofisticação.(...)

As profissões do desenho, das quais a arquitectura faz parte, interessam-se pela forma porque a forma é paradoxal. A forma proposta no projecto é o culminar de um processo exterior inexorável que subjuga a concepção enquanto é domado por esta. Na forma inscrevem-se o normativo e o arbitrário, o inevitável e o imprevisto. O desenho da infra-estrutura é cada vez mais determinado por lógicas sectoriais. O desejo de unidade e de plenitude que é matriz da cultura arquitectónica debate-se com as infinitas divergências entre sistemas e entidades que tomam posse de competências exclusivas ou de posições dominantes de natureza comercial.

E ainda:
“Projectamos elementos que não estão isolados. No caso das infra-estruturas, projectamos mesmo os elementos que conduzem a novas relações entre coisas já existentes e entre sujeitos que não conhecemos. Muitas vezes estes elementos submetem-se a regras de funcionalidade estritas que espartilham o desenho e a vocação dos espaços. Mas todo o raciocínio sectorial pode e deve ser questionado no contexto dos valores urbanos”.

Os dois autores apontam para um cuidado na inserção urbana de uma da infra-estrutura grande impacto, como o metrô, especialmente nas pequenas relações formais, tanto na escala do pedestre, quanto no contexto de desenho urbano, na relação com a escala regional.

Neste trabalho, procurou-se construir um lugar. Evidentemente, a região já é uma centralidade regional, identificado como um pólo de atração urbana. Entretanto, a intervenção trata de lançar bases para um segundo estágio de crescimento e urbanização. Vem daí a idealização de um programa público de grande atendimento, o Poupa Tempo. Como contraponto, sugere-se um edifício cultural, ligado ao Parque da Integração que ali se encerra: uma biblioteca, de pequeno porte.

Em termos de relacionamento entre os volumes, foi tarefa das mais árduas elaborar um jogo entre todos esses programas. Optamos, como ponto de partida para todos os edifícios, o estudo mais acurado da questão topográfica. O terreno do parque é bastante desafiador, na medida em que sugeria ligações tanto com diversas cotas, basta que se escolha qual lado privilegiar. A postura adotada foi a de valorizar sobretudo os pontos em que se poderia entrelaçar os programas. Poupa Tempo e Expresso Tiradentes, Metro e Expresso, Emtu e Metro. De modo geral, criou-se uma teia de percursos possíveis.

A Estação de Metrô

A partir de um lote com poucas restrições, uma ampla praça de 120m de diâmetro, 4 metros de desnível transversal à linha de metro que chegava subterrânea à avenida Ragueb Chohfi, a implantação da estação domestica o terreno da praça, de tal modo que se cria uma praça dentro da praça. A proposta, nesse caso, é distanciar o pedestre das ruas ao redor da praça, cujo volume de carros é intenso, para recriar no interior da praça uma atmosfera mais calma, contemplativa. A cota de implantação praça permite boa visibilidade do terreno onde foram propostos os demais edifícios, uma vez que está 3 metros acima da calçada do outro lado da via.

A estação de Metrô procura estabelecer, por princípio, relações com o ambiente externo e com os demais modos de transporte. Seja com o Terminal da EMTU, seja com o corredor do Expresso Tiradentes, seja com o parque (ou a biblioteca). Nesse local, por conta do intenso uso de carros e ônibus ao redor da praça e as razoáveis distâncias entre as entradas de cada um desses programas em relação ao metro, decidiu-se acolher os fluxos pedestres em túneis pedestres. Havia a preocupação de não penalizar o usuário dos transportes públicos, obrigando-o a longos percursos sob céu descoberto, incluindo travessias de avenidas largas de até 4 faixas.

Desse modo, mais do que ser apenas o local de entrada e saída de passageiros, a estação é marcada pelos percursos pedestres, fluxos subterrâneos largos, realçando a singeleza de soluções de organização espacial.

A estação foi pensada como um programa de estar. Valorizamos sempre as visuais abertas, deixando o mais claro possível o raciocínio de deslocamento interno. Sendo legível, a estação perde o aspecto de labirinto que se nota em outros casos.

O acesso em ponte metálica aos mezaninos de transferência, leva o usuário a caminhar rumo ao ponto desejado, sempre podendo visualizá-lo desde o ponto de partida e até a chegada, dentro da estação. Voltando à praça, os dois enormes vazios cortados pela larga passarela configuram uma praça muito interessante.

A cobertura desenvolvida em forma de casca estruturada por arcos de aço com vãos de 35m; a plataforma iluminada vista de cima; o grande espaço vazio que se sente entre o trem e praça. A estação escavada na praça foi pouco preenchida com programas novos.

Dentro do programa burocrático institucional do metrô, foram dispostas salas operacionais e funcionais do metrô, de modo organizado, voltadas para o vazio interno. O Porão de cabos, abaixo delas, fica em contato quase direto com o túnel, o que facilita sua operação.

O Poupa Tempo

Atravessando o túnel que liga o metrô ao parque, chega-se à praça do Poupa Tempo, local que articula o edifício de serviços administrativos com o metro e a biblioteca, todos à cota 808,00. Já nessa praça o edifício do se impõe, como uma pedra desprendida da encosta. São 5 metros de recuo em relação ao muro de arrimo, de modo a criar um pequeno respiro para os andares inferiores. Nenhum exagero, mas bastante perceptível.

Estruturalmente, trabalhamos com vãos de 10x20m, em estrutura de concreto pré-moldado, sem balanços, com planta livre, possibilitando o remanejamento espacial de acordo com as requisições do programa. A implantação do edifício, incrustado entre os eixos de circulação dos transportes públicos dá acesso a tanto a cota superior 813,50, voltada par ao Expresso Tiradentes, quanto para população que chega pelo metrô, pela já citada 808,00, visando, assim, facilitar o acesso para os dois pavimentos cuja função é atender diretamente ao Público.

O Edifício tem área total de aproximadamente 7.250,00m² e foi concebido a partir da idéia de termos duas entradas principais; uma voltada para o metrô e outra voltada para o corredor de ônibus. A diferença de cotas entre esses dói térreos é de 5,50m, o que levou a literalmente pensá-los de maneira coordenada.

A circulação principal, fica exatamente entre as duas entradas, e desse modo torna-se mais acessível a ambas concentrar ali os primeiros postos de triagem e separação de público, o auto atendimento, os caixas eletrônicos e serviços de acesso á internet. Essa primeira triagem conduz o usuário ao seu campo de atendimento, ou mais precisamente, à espera. Previu-se uma organização de layout, ordenado a partir de uma grade de 1,25x1,25m. Evidentemente não dispúnhamos de informações exatas de salas específicas e funções que precisam de isolamento, logo adotamos uma disposição flexível do mobiliário e das divisórias.

Por fim, parecia lógico atrelar o atendimento aos maiores fluxos de acesso, portanto, às cotas de chegada do Metro e do Expresso Tiradentes; sendo assim , a relação com a praça central, à cota 804,00, se dá em menor escala de permeabilidade do programa térreo do poupa tempo, uma vez loteado por funções mais ligadas á administração, processamento de dado, zeladoria e relacionamento dos funcionários. Mas o recuo do caixilho cria uma pequena marquise que aproxima o edifício à escala do pedestre

O Expresso Tiradentes

A intervenção no Expresso Tiradentes foi a simples, buscamos intervir o mais sinteticamente possível. Basicamente, adotamos quase toda proposta SPTrans para o projeto de arruamento, que rouba um pedaço da praça e propõe mais faixas para os ônibus passarem. Optamos por redesenhar apenas a plataforma de embarque e desembarque. Estava prevista no Livro do Expresso Tiradentes uma organização espacial dos ônibus que os obrigavam a parar coma porta à direita nesse local, ou sejam oposto a todos os demais pontos de parada do traçado. Optamos por rever a disposição das plataformas de desembarque, apresentadas pela SPTrans. Desse modo unificamos as duas plataformas em uma só, o que possibilita um traçado mais harmonioso e uma operação funcionalmente mais adequada às expectativas de grande volume de passageiros nas horas-pico.

Além do ponto de parada do ônibus estruturada pilares duplos em aço, com vãos de 20m e balanços generosos de 7m para cada lado, locou-se na plataforma um bicicletário e um pequeno conjunto administrativo com sala e banheiros.

A Biblioteca

O único programa funcionalmente ligado à cultura do conjunto apresenta-se como um volume complementar ao poupa tempo, voltado para o usuário, mais à escala do pedestre. Logo à entrada, na cota da praça do poupa tempo, 808,00, previu-se um café, para acolher o usuário. Há uma rampa que sobe, e ao invés de entrar no volume, chega-se a sua cobertura, cota 809,50 onde está instalada um bar e lanchonete. Adentrar neste edifício significa descer na 'outra' rampa, que leva diretamente ao controle de acervo e de acesso da Biblioteca, à cota 806,50.

Todos os livros estão nessa cota, à exceção dos volumes em raros ou em recuperação que ficam na cota 804,00, onde fica a sala de consulta local, que preserva livros raros, e acervo mais valioso Neste ponto, totalmente incrustada no terreno a iluminação vem de cima, através das clarabóias, que iluminam difusamente o ambiente. Ainda na cota 806,50, encontramos uma varanda que mira oeste, e abre-se para o parque e para o bairro de São Mateus.

Após o controle e o acervo, podemos descer para o grande salão de leitura. Se no nível superior as paredes eram todas estantes, o salão é praticamente um aquário, com fechamento envidraçado. O que se quer é criar a o contraste a partir da visão externa, de onde se percebe um volume totalmetnte fechado nas laterais, apoiado no terreno, ao fundo e em mais 4 pilares apenas, deixando vãos de 18x 18m, e o andar inferior, cujos caixilhos não passam de 2,20m de altura e vão de piso ao teto. Independentes da estrutura, o caixilho é a única separação entre o salão de leitura e a praça central. O jogo volumétrico esconde as vigas vierendel, que estruturam o andar intermediário, onde fica o acervo.

Além da entrada voltada para o parque, entra-se pela praça do poupa tempo. Ali foi locado um pequeno café, e sobre a laje da cobertura temos uma lanchonete e um jardim gramado.

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