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secao 4!

Uma investigação dos sentidos do ornamento na arquitetura do século XIX a partir dos textos de Gottfried Semper

Leonardo Capelossi Caramori

Luiz Américo Souza Munari

O tema da ornamentação na arquitetura tem comparecido na produção contemporânea, bem como seu pensamento, de modo cada vez mais freqüente. Em um extremo, é crescente a presença de novos empreendimentos revestidos de uma decoração “em estilo” que faz uso extensivo de elementos ornamentais tradicionais, mesmo que tratados com uma linguagem “atualizada”. No outro, é cada vez mais abrangente, disseminada e valorizada a idéia de patrimônio histórico, que implica na intervenção em edifícios muitas vezes ricamente ornamentados.

Se podemos afirmar que esse fenômeno constitui parte de um amplo esforço de revisão dos princípios e valores do modernismo iniciado já na metade do século passado, é também certo dizer que os termos nos quais discutimos esse tema foram formulados no século anterior. O modernismo estabeleceu-se em um ato de clara ruptura com os modos precedentes de fazer e entender arquitetura. Esta ruptura se deu em grande medida em torno de uma negação do ornamento como legítimo à sua expressão. Desta controvérsia fundadora herdamos somente o consenso que a encerrou e que o pensamento contemporâneo começa a criticar.

Para problematizar adequadamente a controvérsia quanto ao papel da ornamentação na arquitetura, investigar seus sentidos e acompanhar os desdobramentos desta questão na prática e historiografia da disciplina, parece oportuno revisitar o pensamento do século XIX sobre o tema.

Dado o escopo desta monografia, tomou-se um autor como foco deste esforço de análise e recuperação de sentidos, valores e debates associados ao papel da ornamentação oitocentista: Gottfried Semper é uma das figuras mais importantes da arquitetura dos países de língua alemã entre as décadas 1830 a 1870. Autor de uma grande quantidade de projetos amplamente apreciados em seu tempo, foi também um influente professor e teórico. Seus textos ocupam-se largamente de questões relacionadas aos estilos e sistemas ornamentais na arquitetura e nas artes aplicadas, sendo emblemáticos das temáticas e aspirações do pensamento da arquitetura então em pauta.

Conduz o presente trabalho a busca de um entendimento do ornamento como arena de um embate central à história das idéias sobre arquitetura, à sua construção e re-construção como prática intelectual e profissional; entendimento de seu papel como organizador de noções de historicidade contextual e marcador de juízos normativos na obra de Semper; e portanto da posição que este autor toma como interlocutor privilegiado de outros atores com distintas agendas nesta arena.

Representando uma dessas agendas alternativas, em que é defendido um novo entendimento sobre o lugar, gênese e evolução do ornamento na história em diálogo crítico com a teoria semperiana, a produção de Alois Riegl foi também utilizada. Este segundo autor, preocupa-se com uma organização e apreciação mais coerentes do ornamento como expressão artística universal, e portanto com uma historicidade interna e auto-referente.

Partindo de um estudo pontual do século XIX e seguindo este percurso metodológico, espera-se contribuir para um enquadramento histórico-cultural mais adequado dos movimentos de pulverização, banimento e recuperação da ornamentação referentes a seu papel na arquitetura. Igualmente, espera-se agregar elementos de reflexão sobre a institucionalização da arquitetura enquanto prática, seu lugar social em uma sociedade em transformação, bem como suas relações com a história da arte, engenharia e outras disciplinas.

Para perseguir este objetivo e fundamentar a hipótese que conduz este trabalho é necessário reconstruir o argumento semperiano, desenvolvido pelo autor em seus quatro principais textos: “Notas Preliminares Sobre a Policromia na Arquitetura e Escultura Antigas” de 1834; “Os Quatro Elementos da Arquitetura: Uma Contribuição para o Estudo Comparativo da Arquitetura” de 1851; “Ciência, Industria e Arte: Propostas para o Desenvolvimento do Gosto Artístico Nacional na Conclusão da Exposição Industrial de Londres” de 1852; “Estilo nas Artes Técnicas e Tectônicas ou Estética Prática” de 1860-63.

Entre eles, atenção privilegiada é dada ao “Quatro Elementos da Arquitetura”. Em primeiro lugar, porque é nele que Semper formula pela primeira vez, as questões mais pertinentes quanto à relação entre arquitetura e ornamento, bem como as categorias e tipologias que caracterizam seu modelo. Em segundo, porque boa parte das discussões apresentadas nos textos seguintes são desenvolvimentos das propostas apresentadas no primeiro.

No caso do autor de contrapartida, A. Riegl, tomou-se para análise apenas a introdução e primeiro capítulo de seu “Problemas de Estilo: Fundamentos para uma História do Ornamento”, de 1893, por serem os textos em que o autor mais direta e claramente dialoga com o modelo semperiano com a finalidade precisa de perseguir sua agenda intelectual.

Ao proceder com uma análise do diálogo destes autores entre si e com seus contemporâneos bem como uma análise do contexto institucional, político e cultural em que se encontram, conclui-se que o ornamento ocupa um lugar central no pensamento de ambos, entendido em perspectivas distintas:

O ornamento e o ato de ornamentar, na teoria semperiana, funda a cultura, a arte, a construção e, portanto, a própria arquitetura. O ornamento, assim, diz tanto respeito às relações de poder, materializadas e institucionalizadas no Estado, à religião, imbricada com este ou não, e a todas as expressões artísticas.

Em Riegl o ornamento é a primeira manifestação de uma particular “volição artística” humana, comparecendo, assim no surgimento da arte, ainda que conduzido por tal intenção.

Por fim, o embate entre os dois autores revela uma disputa por espaços de legitimidade sobre o campo da história da arte, disciplina cujos contornos estavam, neste período, ainda em negociação. A abordagem riegeliana, despida da normatividade e contextualidade cultural, dominantes no pensamento de Semper, terá, retrospectivamente, um papel fundamental na constituição da história da arte como uma disciplina autônoma.

 

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