Os processos de transformação do espaço urbano desencadeados pela mobilidade geográfica do capital afetam cidades do mundo todo e têm sido acompanhados por estudiosos de várias áreas e campos do conhecimento, incluindo arquitetos, urbanistas, geógrafos e economistas.
O objeto de estudo deste Trabalho Final de Graduação é o processo de transformação que vem ocorrendo em alguns bairros ao redor do Centro de São Paulo, onde a atividade do mercado imobiliário sugere a ocorrência de um avanço sobre uma zona de fronteira. Tal avanço, que se dá das áreas mais ricas para as mais pobres, transcorre em setores marcados pela coexistência de dois padrões bem distintos do ponto de vista da consolidação e da qualidade do espaço urbano, podendo-se identificar, na mesma área, uma ocupação típica da cidade elitizada ao lado de áreas foco de cortiços.
A imagem da fronteira se reforça quando consideramos a localização dos cortiços na região central de São Paulo, com concentrações justamente nas áreas onde historicamente ocorreu o abandono tanto por parte da produção imobiliária, quanto do poder público. As regiões do encontro desses processos estão nos bairros de Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Cambuci e Mooca.
O termo ‘Fronteira Urbana’ é aplicável em diversas situações e, neste trabalho, identifica a área de maior interferência entre as dinâmicas citadas, constituindo uma faixa territorial marcada por um processo particular de disputa pelo espaço urbano. A principal referência para o uso do termo neste TFG é a aplicação dada pelo geógrafo Neil Smith [1996], ao estudar de forma sistematizada o fenômeno da gentrificação. O conceito de fronteira, no contexto norte-americano, remete à conquista do Oeste, à separação entre a civilização e o mundo selvagem, o ‘nós’ e o ‘eles’, o passado e o futuro, o mercado existente e a oportunidade de lucro. Smith utiliza-se de tal metáfora no contexto urbano para mostrar como a atuação do mercado imobiliário, na gentrificação, apoia-se na divulgação de uma imagem muito semelhante à da fronteira, onde os sentimentos de retomada dos valores cívicos são expressos no otimismo por uma nova cidade, da oportunidade econômica e do lugar onde o futuro será feito. Para o autor, tal sentimento é evocado com o objetivo de mascarar a condição fundamental de fenômeno econômico e os efeitos expropriatórios da gentrificação.
O estudo de Smith é de fundamental importância para este trabalho, por trazer elementos que dão suporte ao entendimento do processo urbano de São Paulo. A análise do processo de ocupação e da atuação do mercado imobiliário nas áreas de fronteira permite identificar a imposição de um padrão homogeneizador por parte do mercado. O questionamento de tal homogeneização é o fator gerador da inquietação inicial para a elaboração do projeto, na busca de possibilidades de garantir a diversidade sociocultural como objeto de trabalho dentro de propostas para tais regiões.
Levando em conta o processo de consolidação, assim como seu caráter de zonas de transformação latente, a intervenção nessas áreas configura um exercício particularmente interessante dentro do processo urbano pelo qual passa São Paulo.
O trabalho está estruturado da seguinte forma:
A detecção da área de fronteira nos bairros ao redor do Centro foi feita a partir de uma análise considerando três fatores principais, fazendo uso de dados de informações espaciais extraídas de três fontes distintas: do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), e da Prefeitura Municipal de São Paulo e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Governo do Estado de São Paulo.
Através dessa etapa do trabalho, identificou-se uma região de alta interferência da atuação do mercado imobiliária com a transição do predomínio de classes sociais e a presença de cortiços. A essa região denominamos ‘Fronteira Urbana’.
Tendo em vista as características comuns do processo histórico de estruturação dos bairros detectados, estudou-se o processo de ocupação dessas áreas e do parcelamento do solo, assim como a relação entre a localização dos empreendimentos imobiliários ao território sobre o qual avançam e a caracterização da atuação do mercado nesses setores, sendo possível extrair conclusões desse estudo.
A análise dos setores permitiu chegar a algumas conclusões sobre a atuação do mercado imobiliário: a escolha das áreas onde atua na região central, a partir de determinados interesses; a concentração em regiões de padrão social elevado já consolidado; a presença nas áreas de transição entre o predomínio de classes; a imposição homogeneizadora do capital imobiliário sobre essas regiões, assumindo um papel segregador na recaracterização dos tecidos urbanos.
Nesse contexto, fez-se uma análise do processo urbano dessas áreas, à luz dos pressupostos colocados pelo geógrafo Neil Smith, em sua publicação The new urban frontier, Gentrification and the Revanchist City [1996], quando faz uma abordagem sistematizada do fenômeno da expansão da fronteira do capital imobiliário. Na sua leitura, o autor priorizou o processo de gentrificação, que ocorreu principalmente nas cidades norte-americanas e na Europa desde a segunda metade do século XX. Observaram-se, do trabalho de Smith, os aspectos que particularmente interessam a este TFG, em especial a análise do fenômeno no contexto da mobilidade geográfica do capital e a atuação dos vários agentes sociais nos bairros onde ocorreu a gentrificação.
À luz dos argumentos levantados na elaboração deste trabalho, elaborou-se uma proposta para o bairro de Santa Cecília, pensando na permanência de uma população que normalmente é substituída com a atuação do mercado imobiliário. Nesse contexto, acredita-se que a manutenção da diversidade sociocultural nessa área representa um ganho frente a tal problemática.
