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secao 4!

Eficiência energética:

um exercício de projeto

Beatriz Weber Fideles

Norberto Corrêa da Silva Moura

Introdução

Desde o início do século XX a arquitetura vem se desvinculando do clima onde está inserida. A crença de que nossos padrões de conforto pudessem ser mantidos pelo consumo ilimitado de energia e recursos naturais nos conduziu a uma “cultura do desperdício”. As crises energéticas e ambientais nos levaram a repensar nossas ações. Nos últimos anos os arquitetos vêm buscando soluções para minimizar o impacto das edificações no meio ambiente.

Este trabalho propôs estudar as tecnologias passivas que aumentem a eficiência energética dos edifícios, de modo a explorar ao máximo os recursos naturais disponíveis. O edifício deve ser visto como um dispositivo climático que reaja às influências externas. Procurou-se, por meio do projeto de um edifício inserido na cidade de São Paulo, estudar as ferramentas que nos auxiliem no processo de desenvolvimento do projeto arquitetônico com ênfase na eficiência energética.

Edifício de baixo impacto ambiental

O projeto de edifício de baixo impacto ambiental deve buscar alcançar as seguintes metas:
1. Aumento da produtividade;
2. Eficiência energética;
3. Redução do consumo de água;
4. Redução de custos;
5. Garantia de conforto aos usuários;
6. Aumento da flexibilidade e durabilidade.
Este trabalho tem como foco estudar a fundo os itens 2 e 5, sem ignorar os demais itens, já que estes não podem ser dissociados.

O conceito de edifício eficiente

Se considerarmos que grande parte das atividades do setor residencial, comercial e público são realizadas no interior dos edifícios, verificamos que este consumo de energia pode representar até 45,2% do total, só perdendo para o setor industrial, com 46,7%. No setor terciário o uso de ar-condicionado é alto, representando quase a metade do consumo de eletricidade em edifícios de escritórios. Outra grande parcela deve-se à iluminação artificial. Estes dois usos finais chegam a somar 57,2% do consumo total de energia para a região sudeste. Diante destes dados fica clara a importância do comportamento térmico do edifício no consumo final de energia elétrica.

O fator de maior influencia para o consumo de energia de um edifício é o seu desenho (forma, orientação, desenho de aberturas, etc.), que deve ser compatível com o clima do local onde está inserido. O segundo fator condicionante é a forma associada à escolha dos materiais das envolventes opacas e translúcidas exteriores. A proporção de superfícies translúcidas e opacas, assim as características dos materiais ali empregados devem ser escolhidos com consciência. Uma terceira condicionante para a eficiência energética é a gestão dos espaços interiores, os equipamentos instalados, os hábitos dos usuários, etc.

Apesar dos grandes gastos energéticos apresentados por grande parte dos edifícios das grandes cidades, muitos deles não propiciam níveis de conforto adequados para seus usuários. A observação dos aspectos climáticos locais, com a realização de um diagnóstico climático, é de extrema importância para a realização de qualquer projeto arquitetônico, e não só naqueles com foco no baixo impacto ambiental.

Diagnóstico climático

A cidade de são Paulo situa-se na região de clima tropical de altitude, com médias de temperatura na faixa de 16?C a 22?C, com chuvas mais intensas no verão e temperaturas baixas no inverno devido às massas frias que se originam na massa polar atlântica. Para esta análise foi utilizada a carta Bioclimática de Givoni, que foi concebida para países em desenvolvimento, com os limites máximos da Zona de Conforto expandidos. Givoni dividiu o diagrama em zonas que caracterizam as estratégias a serem usadas para atingir o conforto térmico. A partir do software Climaticus foram gerados gráficos e tabelas que facilitam a visualização dos resultados.

Local de intervenção

O principal critério de escolha usado foi a localizaço próxima de nós de transporte público, de forma a incentivar o uso de transporte coletivo e diminuir a demanda por viagens individuais com automóveis. A proximidade do centro da cidade também foi um fator importante, e que está profundamente vinculado com a rede de transportes. Foi escolhida a região da Barra Funda devido ao seu alto potencial para uso misto e grande número de áreas não construídas nas proximidades da estação. A Barra Funda apresenta grandes áreas ocupadas por antigos galpões industriais, mas vem se transformando rapidamente nos últimos anos. A construção de grandes empreendimentos indica que o mercado imobiliário percebeu o grande potencial da região.

É um bairro grande, que impressiona por seu dinamismo e surpreende pelo grande número de terrenos e imóveis vazios ou subutilizados, muitos deles situados nas proximidades da estação. A quadra onde se situa o local de projeto é ocupada por galpões e terrenos vazios em toda a extensão da rua Tagipuru. Nos terrenos voltados para a avenida Francisco Matarazzo a situação e muito diferente. Com grande tráfego de veículos e um corredor de ônibus é uma avenida movimentada e com grande fluxo de pedestres.

programa funcional

Optou-se pelo uso misto, pois este possibilita maior diversidade urbana e espaços mais dinâmicos, trazendo vantagens para todos os seus usuários. Há muito já se apontam as vantagens do uso misto em escala urbana. Cientistas ligados à sustentabilidade também defendem o uso misto e a alta densidade populacional. Richard Rogers defende o modelo da Cidade Compacta, que cresce em volta de centros de atividades sociais e comerciais localizadas juntos aos pontos nodais de transporte público, pontos focais, em volta das quais, as vizinhanças se desenvolvem.

O programa consiste em três usos, residencial, escritórios e térreo comercial. As residências serão de seis tipos, com áreas variando de 45 a 120 m². Os escritórios terão sete tipologias, de 44 a 510 m². O térreo será totalmente público e contará com estabelecimentos comerciais, de serviços, restaurantes e cinema. Será uma praça aberta, intercalada com áreas cobertas e descobertas, que possibilite e incentive a passagem de pedestres entre a Rua Tagipuru e a Avenida Francisco Matarazzo. As áreas coletivas residenciais estão localizadas nos pavimentos superiores do edifício.

projeto

O projeto dedicou grande atenção aos estudos volumétricos do edifício, sua forma e orientação, já que estes fatores exercem grande influência no consumo energético do edifício e no conforto térmico de seus usuários.

Nos blocos de escritórios as circulações verticais foram localizadas a leste, áreas com altos ganhos por radiação. Nos blocos residenciais elas foram localizadas a sul, no centro. Esta área não recebe incidência solar em grande parte do ano, e por isso evitou-se situar ali unidades residenciais. Buscou-se permitir vistas para o exterior a partir de todos os halls de escadas e elevadores, assim como iluminação e ventilação naturais.

Na área de escritórios a circulação horizontal se faz por passarelas abertas para os dois átrios, permitindo a visualização interna de todo o conjunto. Estas passarelas fazem a ligação entre os três blocos, liberando a circulação dos usuários e incentivando o contato social.

As unidades habitacionais e de escritórios foram separadas espacialmente. Os apartamentos possuem dimensões próximas (em torno de 75m²) e encontram-se ao redor das circulações verticais. Já nos pavimentos de escritórios uma área maior é dedicada às circulações e estar. Há maior variedade de tipologias, com áreas variando de 40 a 475 m². As unidades menores foram inseridas no bloco a leste, as demais na porção oeste do conjunto.

Para o condomínio residencial foi reservado todo o pavimento de cobertura dos blocos de escritório para áreas de lazer com acesso privado somando área aproximada de 1400m². Nos blocos de escritórios, além das amplas áreas de circulação, foi prevista uma área para restaurante no último pavimento.

O pavimento térreo foi totalmente reservado para uso público, com a precisão de espaços comerciais e de lazer, além de áreas cobertas e descobertas para eventos e exposições, incluindo a área do galpão mantido. As coberturas das torres foram reservadas para instalação de placas para aquecimento solar e placas fotovoltaicas.

Conjuntos de escritórios

O desenho dos pavimentos de uso comercial varia de acordo com o andar, de forma a criar um ambiente interno complexo e dinâmico. No segundo pavimento foi prevista uma praça interna com pé-direito triplo, com espaços para estar, café, lanches, etc. Este é o espaço principal do conjunto. Os espaços para escritórios são divididos em grandes lajes corporativas e pequenos conjuntos comerciais. A variedade de tipologias visa uma maior diversidade de usuários.

Unidades habitacionais

O projeto das unidades habitacionais foi feito a partir do desenho de duas unidades, com pequenas variações. A planta tipo possui com quatro unidades com um dormitório cada. Foram desenvolvidas então outras seis tipologias: quitinete, um dormitório (duas opções), dois dormitórios (dois opções) e dois dormitórios duplex, conforme imagens ao lado.

Buscou-se desta forma uma maior flexibilidade na utilização dos espaços. A variedade de tipologias visa atrair diferentes tipos de usuários. Todas as unidades possuem dormitórios voltados para a fachada norte. A sala é integrada com a cozinha, e janelas em faces opostas permitem ventilação cruzada e maior uso da iluminação natural.

Conforto térmico

Neste trabalho foram realizadas análises das condições térmicas do projeto proposto, a partir do estudo de alguns ambientes. Os cálculos foram realizados através do método CSTB, obtendo-se a temperatura interna máxima para quatro períodos do ano, de acordo com os dados das normais climatológicas. Para analisar os resultados obtidos foram utilizados os índices de conforto desenvolvidos por Fanger.

Os resultados obtidos nas análises foram muito satisfatórios, indicando que os cuidados referentes à implantação e orientação trazem ótimas vantagens. Além da proteção das superfícies transparentes contra incidência de radiação não foi necessário utilizar nenhum outro recurso mais complexo. Esta análise, apesar de simplificada já nos dá condições de verificar as condições de conforto térmico sem a necessidade do uso de softwares complexos, e pode ser uma ferramenta muito útil para os arquitetos durante o desenvolvimento de seus projetos.

Iluminação

O desempenho lumínico de uma edificação pode ser considerado satisfatório de as exigências de conforto visual e as exigências de economia de energia elétrica forem atendidas. Os cálculos de iluminância foram feitos a partir do Fator de Luz Diurna (FLD). O céu de São Paulo nos fornece 12.500 lux em 75% do período diurno. Este é o valor utilizado nos cálculos de iluminação. Significa que, para um FLD de 2%, teremos uma iluminância de 250 lux. As simulações foram feitas no software Ecotect, com plug-in do Radiance Desktop. A partir de modelagem tridimensional, definição dos materiais (refletância e transparências) e determinação da localização do projeto, o software calcula os níveis de FLD no interior do ambiente.

Eficiência energética

A análise da eficiência energética atingida foi feita de forma simplificada abordando dois aspectos: consumo para condicionamento artificial e para sistema de iluminação artificial. Concluiu-se os resultados obtidos nas análises de desempenho garantem ao menos 70% de economia de energia para condicionamento artificial e que o edifício pode ser operado sem o uso de iluminação artificial durante 60% de seu período de ocupação.

Comparando estes dados ao gráfico de distribuição de uso de energia elétrica para ambientes de escritórios na região Sudeste concluiu-se que o edifício projetado garante a conservação de ao menos 38% da energia consumida.

considerações finais

Toda arquitetura, e não só aquela rotulada como arquitetura verde, de baixo impacto ambiental, sustentável, etc., deve tomar em conta a questão do clima e do conforto ambiental de seus usuários. Em geral edificações são projetadas por uma equipe multidisciplinar. O arquiteto deve estar no centro deste processo coordenando a equipe. Para isso deve ter o conhecimento básico de todos os conceitos relativos à eficiência energética de edificações de modo a tornar possível e eficiente a multidisciplinaridade de seu projeto.

Não se deve considerar estas idéias como um empecilho à elaboração do projeto, mas como condicionantes que vêm dar à arquitetura mais sentido e maior qualidade, garantindo-se o bem estar dos usuários e reduzindo os impactos ambientais. A proposta deste trabalho era pesquisar os conceitos ligados à eficiência energética na arquitetura e apresentar um projeto que os incorporasse. Acredito que, em termos quantitativos, o produto final alcançou níveis muito satisfatórios, atingindo as metas de desempenho esperadas. As simulações mostraram como a incorporação de conceitos energéticos ao projeto desde o início de sua concepção propicia uma maior qualidade ambiental ao edifício.

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