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secao 4!

OLHANDO O MAR INVISIVEL –

UM ENSAIO FOTOGRAFICO

DANIELA GOMES REZENDE

KLARA KAISER

POR QUE FOTOGRAFIA?

Entrei na FAU por um único motivo: todos meus amigos do colegial diziam que eu devia fazer filosofia, mas achei que a Arquitetura me possibilitaria ter a reflexão teórica e a prática de transformação da realidade. Mas isto foi há muito tempo, quando eu ainda conseguia enxergar o futuro com esperança. Depois vieram os amigos difíceis, e eu mergulhei num período escuro, muito escuro. Eu continuava a lutar pelo centro das minhas principais preocupações: a habitação popular. Peguei minhas leituras do Sergio Ferro e me meti sozinha num acampamento dos Sem-Teto, tentando ir atrás do trabalho de extensão que eu tinha perdido com o grupo do D. Tomás Balduíno, por causa da depressão, e ali, no acampamento, aprendi muita coisa, mas percebi que estava isolada politicamente, que eu não ia conseguir fazer nada sozinha. Então um dia peguei umas tintas e voltei a desenhar, desenhava todo dia, mergulhei um dois meses só nisso: a partir daí, minha depressão passou.

No final de 2004, comecei a me interessar por uma atividade que eu tinha feito algumas vezes na FAU, de projetar filmes, e ganhei uma filmadora da minha mãe. Fui pra Curitiba e fiz um trabalho sobre o museu do Oscar Niemeyer, uma leitura sobre 1984, do George Orwell. Cheguei em S. Paulo e editei o vídeo, na raça, controlando o pause da Hi8 com o play do discman, passando tudo pro vídeo direto, foi muito legal. Então pra passar de vídeo pra fotografia foi uma transição natural, e eis então meu TFG e a Fotografia.

TFG: OLHANDO O MAR INVISIVEL

Ao longo do ultimo semestre, abandonei a idéia inicial do trabalho anterior, sobre os trabalhadores urbanos, por ter percebido a minha limitação como fotógrafa: é muito difícil, para quem está começando a fotografar, como eu, extrair da realidade, através de uma imagem, uma leitura critica ou poética da mesma. Não que eu não tenha tentado: ao tentar fotografar os homens-placa do centro de São Paulo, fui abordada por um deles, daqueles que compram e vendem ouro. Ao perceber minha intenção em fotografá-lo, se aproximou com outros três e me pediu certa quantia de dinheiro. Daí eu percebi duas coisas: uma, a possibilidade de ficar sem meu equipamento, e, em segundo, a condição ilegal destes trabalhadores. Ao tirar uma fotografia, muitas vezes você pode despertar a agressividade das pessoas; é bastante difícil fotografar uma realidade tão complexa: além da técnica necessária para fazer uma boa fotografia, tempo e capacidade de lidar com pessoas de outra realidade, é necessário ainda uma boa compreensão de fenômenos tão complexos de nossa sociedade hoje. Percebi então que ainda não estava pronta.

Com isto, foi surgindo em mim a vontade de trabalhar com uma outra leitura da realidade, e a impossibilidade de trabalhar uma dimensão mais poética da vida neste trabalho me deixou cada vez mais insatisfeita.

Desta maneira, decidi então optar por um outro trabalho: a justificativa para um trabalho de fotografia sobre o mar e seus movimentos é o entendimento desta arte como uma técnica que permite trabalhar com luz e cor, de forma a tornar-se então uma expressão artística e de liberdade criadora. A fotografia é uma técnica que permite a captura da luz, e sua técnica, ao mesmo tempo, é também um objeto de reflexão do sujeito que dela se utiliza para criar uma imagem bela. Ao mesmo tempo, a fotografia, de acordo com Roland Barthes, também pode capturar o tempo.

É importante também acrescentar aqui a leitura realizada de uma referencia muito importante, o livro de Ansel Adams, “O Negativo, que me deu outra visão da fotografia e da importância de certas questões técnicas. Neste livro, Adams discute aquilo que ele chama de “Sistema de Zonas”. Poderíamos defini-lo como um método, que estabelece uma relação entre os tons da fotografia em preto e branco. De acordo com essa teoria, o ajuste inicial de fotometria deve ser feito na área mais escura do objeto a ser fotografado: utiliza-se a menor exposição necessária para assegurar os detalhes desejados na sombra e assim ter seus detalhes preservados. Este cuidado, ao se fotografar, estabelece um critério para uma boa fotografia, onde o valor tonal que varia entre o branco total e o preto absoluto, ou seja, as nuances de cinzas médios, cinzas claros e cinzas escuros, seja contemplado pela fotometria da foto, para que o resultado final torne possível serem vistos todos os detalhes, tornando a imagem não só mais compreensível, como mais bela.

Para explicar melhor a relação entre técnica, o sujeito e a fotografia, vou me utilizar de uma experiência realizada por mim ao longo do trabalho sobre o Sistema de Zonas de Anselm Adams. O Sistema de Zonas é muito interessante, pois permite ao fotografo transcender a técnica fotográfica baseada apenas na fotometria: “A leitura da luminância de uma área de um único tom realizada por um fotômetro ajustado para a velocidade do filme, indicará uma exposição que produz um cinza médio.” Este resultado, no entanto, dependendo do efeito que se busca na fotografia, poderá não ser o melhor. Para explicar isto direito, antes de entrarmos em definições a respeito do Sistema de Zonas, vou tentar explicar esta relação através de um exercício proposto por Adams em seu livro: “meça uma superfície uniformemente iluminada; superfícies com uma leve textura, como uma parede de concreto ou um tecido de trama bem fechada, são ideais. Faça um negativo com a exposição indicada. Essa será a exposição pela zona V dessa superfície. Então reduza a exposição em um ponto para fazer as exposições pelas zonas IV, III, II, I e 0 em negativos separados. A seguir comece a aumentar a exposição a intervalos de um ponto para produzir exposições pelas zonas VI, VII, VIII, IX e X. Se a exposição normal indicada pala zona V for, por exemplo, 1/30 em f/8, a seqüência das outras exposições será:
Zona IV: 1/30 em f/11
Zona III: 1/30 em f/16
Zona II: 1/30 em f/22
Zona I: 1/60 em f/22
Zona 0: 1/125 em f/22
Zona VI: 1/30 em f/5,6
Zona VII: 1/30 em f/4
Zona VIII: 1/15 em f/4
Zona IX: 1/8 em f/4
Zona X: ¼ em f/4 "
Assim, realizei o exercício proposto e cheguei aos seguintes resultados: (IMAGEM OO1)

Adams defende que os negativos devem ser realizados de maneira a estarem o mais próximo possível das condições desejadas nas cópias, para minimizar a dependência dos controles de contraste na produção de cópias, que por vezes tem como efeito uma indesejável granulação da mesma.

Ao compararmos, neste exemplo, a fotografia que se encontra na Zona V (correta do ponto de vista da fotometria), com a fotografia da Zona VII, podemos, por exemplo, chegar a conclusão que a segunda pode gerar um resultado mais belo, uma vez que a delicadeza da flor neste caso fica mais evidenciada neste caso.

Levando em conta as reflexões de Ansel Adams, um estudioso minucioso da técnica fotográfica, me deparei com um dilema: hoje em dia, através de programas como o Photoshop, é possível manipular as fotos de tal maneira a ponto de modificar as condições de luz originais como se estivéssemos alterando a velocidade e abertura. Vamos fazer um teste: peguei a mesma fotografia da Zona V, manipulando-a no Photoshop para chegar a um resultado próximo da mesma Zona VII. O resultado destas duas comparações pode ser observado nesta imagem: (imagem 002)

Não é preciso dizer muita coisa! O resultado manipulado é muito diferente do original! Na Zona V modificada, o contraste é bem mais acentuado, enquanto que na fotografia tirada na Zona VII, existe muito mais suavidade na forma como a luz incide sobre a flor. Assim, podemos concluir que a teoria de Ansel Adams continua extremamente valida também para a fotografia digital.

Segundo Adams, apenas os tons representados na escala entre a Zona II e VIII representam uma escala útil, pois ainda representam texturas visíveis. Ele estabelece também algumas regras práticas: devemos estabelecer a fotometria inicial levando em conta que a área mais escura do objeto em cuja imagem queremos preservar os detalhes recaia numa zona onde os detalhes sejam visíveis. Assim, é melhor ajustar a fotometria sobre uma área mais escura importante das quais se deseja preservar um mínimo de textura à zona II e uma área da qual se deseja preservar todos os detalhes à zona III. É importante perceber que se houverem tons muito escuros numa fotografia, dependendo de suas áreas, estes poderão criar uma mancha negra sem definição que pode criar um grande desequilíbrio visual. Depois de termos adequado à fotometria favorável ás zonas mais escuras, devemos então nos preocupar com as áreas de altas luzes: as áreas claras que exigem uma reprodução convincente de texturas não devem, se possível, ficar acima das zonas VII ou VIII, embora isto seja menos problemático do que a perda de detalhes nas exposições abaixo da zona III.

Nas fotografias que tirei do mar, levei sim em consideração estas observações feitas por Adams, utilizando-as como referencia para obtenção das imagens. A partir destes estudos anteriores, fiz uma tabela (aqui ao lado) que permite a obtenção dos SISTEMA DE ZONAS
veloc abert
preto ZONA O +
ZONA I +
ZONA II
ZONA III -
ZONA IV -
ZONA V
ZONA VI +
ZONA VII
ZONA VIII -
ZONA IX -
branco ZONA X -
valores corretos de velocidade e abertura para mudar de uma zona à outra. Assim, com varias destas tabelinhas, que levei comigo, realizei fotografias em cores com uma câmera digital que permite a mudança para o PB, onde verificava os tons de cinza obtidos nas fotografias. Na verdade, o uso destas tabelas deve ser entendido como um aprendizado; com o tempo, talvez eu possa fazer isto de uma maneira intuitiva.

O mar, como objeto escolhido, permite a nós observar então a existência do tempo presente na fotografia. O mar é algo imemorial, perdido em sua sempre existência, e inconstante, cada onda que quebra é sempre diferente da que virá depois. O mar está sempre lá: sempre na morte de si mesmo na areia da praia, nunca morrendo para sempre porque não cessa de existir. Toda vez que morre, renasce na ato de voltar a si mesmo na onda em refluxo para voltar a existir. Então, o trabalho ganha aqui também uma dimensão poética, que surge naturalmente em todos os homens contemplando o mar; aqui, ao escrever sobre o mar, me excluo de falar dele tudo aquilo que já foi dito, mas sim de dizer aquilo que eu, como quem o contempla, descubro querer dizer. A escolha do tema sobre o mar foi na verdade busca de algo que pudesse um proporcionar um pouco de alivio, e de poesia, diante da caótica vida urbana, e da enorme dificuldade da atuação do arquiteto na construção de uma sociedade mais justa. Após vários anos na Faculdade de Arquitetura,, procurando responder a estes problemas, trabalhando ora no MTST, ora na assessoria técnica Fábrica Urbana.

Após algum tempo elaborando o trabalho, que era sobre o mar, me lembrei de um trecho do livro “O som e o sentido”, de José Miguel Wisnik, onde ele diz: “O som do mar: durações oscilantes entre a pulsação e a inconstância, num movimento ilimitado; alturas de todas as freqüências, das mais graves às mais agudas, formando o que se chama de ruído branco (...)O ruído no qual todas as freqüências audíveis tem iguais chances de aparecer a cada momento é dito ‘branco’, por analogia com o espectro continuo e uniforme da cor branca; o ruído da turbina de um jato, ou de uma emissão de radio a válvulas fora da estação com o aparelho ligado no volume máximo, por exemplo.” Surgiu daí então um conceito para uma exposição, e, a partir deste croqui inicial, decidi realizar a exposição “ O Mar e o Ruído Branco”, que foi feita no Caracol da Fau durante a ultima semana de outubro: (IMAGEM 003)

Para entendermos melhor o que Wisnik diz em seu livro, é preciso explicar melhor o que é ruído branco: O ruído branco é um tipo de ruído produzido pela combinação simultânea de sons de todas as frequencias. O adjetivo branco é utilizado para descrever este tipo de ruído em analogia ao funcionamento da luz branca, dado que esta é obtida por meio da combinação simultânea de todas as freqüências cromáticas. Assim, existem diversos tipos de ruído branco – como o barulho da chuva tambem- e uma televisao fora do canal produz um tipo de som com caracteristicas fisicas iguais ao barulho do mar.

Pesquisando um pouco mais, descobri que os ruídos brancos produzidos por um aparelho de televisão contem dentro dele a radiação cósmica de fundo, que na verdade, é um eco da explosão que gerou o universo. Esta descoberta foi prevista por George Gamov, Ralph Alpher e Robert Herman em 1948 e descoberta em 1965 por Arno Penzias e Robert Woodrow Wilson, do Bell Telephone Laboratories. A experiência de Penzias e Wilson confirmou a teoria do universo inflacionário (vulgarmente conhecida como Big Bang) e teve varios desdobramentos dentro da fisica moderna. Para entender melhor este conceito, recomendo uma visita ao site http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo3/

A idéia da exposição era criar algo onde este conceito pudesse aparecer; para isto, fiz duas caixas brancas de madeira com um furo em uma das laterais para colocar dentro de cada uma delas, dois tipos de ruído branco: o do mar, captado por mim durante uma das viagens feitas para realizar as fotografias e o barulho da chuva e, em outra, os ruídos brancos que possuem dentro deles a radiação de cósmica de fundo.

Para as fotografias, decidi, ao invés de fazer uma exposição convencional, projeta-las nas paredes do Caracol, usando slides e um data show. A escolha pelo uso dos antigos slides (que foram transformados de digitais para slides, num laboratório comercial, sendo re-fotografados pelo processo de cromo) foi feita porque pensei que seria interessante talvez, pensar na sobreposição de imagens,e eu precisaria mobilizar não um mais dois datashows da FAU durante uma semana inteira! Além disto, eu não teria um lap-top próprio para utilizar para este fim.

O resultado desta exposição pode ser visto nestas três fotografias. (IMAGEM 004)

Depois de algum tempo conversando com a Klara, descobri que meu trabalho, no entanto, não era uma exposição, mas sim um ensaio fotográfico. Passei então a olhar as fotografias com mais atenção, tentando transforma-las num trabalho, que pode ser visto neste pequeno livro após o texto.

Assim a fotografia voltou a ser o centro; então, estou procurando, tentando entender a fotografia, tentando sem parar. Então eu e mais 4 outros colegas da FAU, também interessados em fotografia, decidimos montar um grupo para realizarmos experiências, depois do curso de laboratório PB realizado aqui no LAME da FAU pela Gisela. Vamos começar agora. No inicio do ano, ganhei um pequeno laboratório de fotografia PB usado de um irmão de meu pai, que conheci aos 18 anos, também fotógrafo, com ampliador e varias caixas de papeis fotográficos. Após conseguir juntar algum dinheiro trabalhando, comprei finalmente minha primeira maquina fotográfica, digital, com aberturas e velocidades, lentes, enfim. Achei que para começar a aprender, uma digital seria melhor, pois eu poderia aprender e entender, por exemplo, que abertura usar para certa condição de luz, etc.,... E ver o resultado instantaneamente, sem gastar nada com filme e revelação. A partir daí, fui procurar o laboratório da FAU para aprender também as técnicas de fotografia e de revelação em PB. Acho muito importante entender a origem de certos processos fotográficos e de entender as diferenças entre processos fotográficos analógicos e digitais. Mas experimentar no Laboratório PB analógico é algo incrível!

***
Agora eu me lembro da frase de Cartier Bresson: “fotografar é por na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração”. Mas a grande dificuldade continua sendo a do próprio ato de fotografar, de perder o medo: fotografar é um ato quase violento; você não pode ter medo de olhar. Agora, quando eu saio na rua, mesmo sem a câmera, olho para as pessoas por mais tempo do que olharia antes.

Fotografar é, antes também uma procura incessante de si mesmo, do desenvolvimento do olhar e de perder o medo de se colocar no mundo, e uma forma de entender o mundo através do olhar.

Então começo a me perguntar: se atingi perder o medo, se enfrentei; então aqui está meu trabalho, um ensaio fotográfico.

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