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secao 4!

Um olhar sobre a cidade em quadrinhos

Nádia Chiba de Carvalho

Luiz Américo de Souza Munari

O objetivo do presente TFG é elaborar uma história em quadrinhos que discuta a relação arte-cidade, apresentando conceitos de urbanismo sob a forma de uma manifestação artística, de caráter não-didático. A obra resultou simbólica, apresentando um olhar pessoal sobre a formação da cultura e sua relação com a cidade. Pelo fato de a obra ser narrativa, o espaço é claramente representativo, sobretudo, é representado sob um ponto-de-vista controlado, o que determina seu significado e lhe dá uma carga expressiva. A seqüência de leitura, pois, resulta de uma seleção de vistas significativas, existindo um controle do percurso do olhar.

O tema principal é o do personagem como criação de outro personagem, trazendo através deste, as relações do personagem principal com um espaço que é fictício, que em si mesmo é representação. Sua relação com seu criador é claramente uma alusão à relação do homem histórico com Deus, dentro de uma concepção de mundo em que a Natureza é representação divina e a obra de arte feita pelo homem, uma representação da representação, pois imita a Natureza. Apresenta-se, então, a relação Deus/homem/obra de arte e, no caso, o personagem principal representa a obra-de-arte.

Sucintamente, o enredo é este: existia um cavaleiro sem memória que vagava por um mundo em que existia uma só estrada, sem começo nem fim – onde tudo é indistinto, sem cor e sem nome. Ele combate eternamente um monstro do qual só se vê a cauda, questionando sua jornada às vezes, até que conhece uma jovem, igual às outras na aparência, mas que age de forma diferente com ele. Assim, ele retoma seu questionamento sobre a estranha maneira de ser daquele mundo, fixando-se em uma aldeia que, através da arte, transforma em uma cidade. A relação da memória com a formação da cultura e, por sua vez, com o surgimento da cidade, fica implícito quando ele constrói sua própria memória ao modificar o espaço. Trata-se da criação de referências espaciais, por diferenciação em termos de forma, cor e tamanho, que torna possível se localizar no espaço, permitindo a criação de um mapa mental. Aqui, a cidade é representada, não como um ambiente estável – mas como um enorme objeto permutável, sujeito a criação e recriação de seus milhares de criadores.

A conseqüência, na história, é que o cavaleiro deixa de ser nômade, pois existe um ponto, um lugar que o acolha – mas isso não detém suas perambulações. Sua natureza aventureira o impele sempre para frente. Um dia, abandona a estrada, como que para se apartar daquele destino linear, pré-determinado por alguma entidade superior e sem nenhum sentido para ele, e percebe que uma força misteriosa tenta impedi-lo de abandonar o caminho. Encontra, enfim, uma porta misteriosa, com um baixo-relevo representando a morte. Mas ele não se assusta com o aviso, antes se acha seduzido por ela e a abre, mesmo com a aparição inexplicada da jovem amada.

O cavaleiro, enfim, cai em um mundo ainda mais estranho, tão colorido e tão diferenciado em tudo, que lhe parece caótico e confuso: é a cidade moderna. Aqui, apresenta-se o extremo oposto para o nosso personagem: trata-se da ausência de referências conhecidas e de hierarquia espacial, apesar – e talvez por isso mesmo – da extrema diversidade de formas, cores e tamanhos, onde tudo tem confusamente, a mesma escala de valor.

Conhece seu criador – um jovem como tantos outros, que vive nessa cidade difícil de entender. A princípio revolta-se, mas resigna-se com seu papel nada indigno de obra-de-arte. Retorna a seu mundo e constrói a sua cidade. Seu criador, porém, reserva-lhe um destino mais cruel: faz com que seu monstro arrebate tudo ao cavaleiro – sua amada, sua cidade e, pior ainda, seus sonhos, quando o cavaleiro descobre que tudo foi em vão, posto que seu mundo era o próprio monstro que ele combatia. Imagem de uma postura combativa diante da realidade, daquele que luta contra o mundo sem esperança de o vencer, o cavaleiro descobre a verdade, e cabem-lhe somente duas escolhas: lutar eternamente sem nunca vencer, ou se deixar abater. Esse final foi complementado posteriormente: tendo a consciência do que era, sabendo qual era sua posição no mundo, coube ao cavaleiro a difícil renúncia a tudo o que conhecia, a posse de seu próprio destino e a fuga para um lugar que seu criador desconhecia. Para isso, ele construiu sua própria porta, com a efígie da amada, símbolo de sua vontade e da inspiração. Mas esse lugar que seu criador desconhecia era a dimensão própria da arte, das obras que continuam vivas muito além de seus autores.

A vontade de representar a complexa relação arte-cidade representou, a princípio, um grande entrave para a criação do enredo. Deixando-a à parte por um momento, realizou-se um antigo desejo de contar a história de um artista e seu amor por sua criação, de como ela escapa-lhe ao controle e leva-o à destruição. Mas o enredo, antes uma alusão à loucura, adquire contornos menos pessimistas, com a humanização do personagem criado. Esse processo de humanização permite encaixar os conceitos de história da arte desejados, e a própria temática do personagem criado por outro personagem passa a representar uma concepção religiosa presente em toda arte clássica, abandonada com o processo de laicização da arte com o advento do Modernismo.

O storyboard foi a chave do processo criativo. Através dele, organizou-se a relação imagem-texto e esboçaram-se as cenas, sobretudo, a forma final do cavaleiro, posto que os outros personagens foram resolvidos a priori, com estudos de diálogos e um storyboard semi-finalizado. Foram investigadas outras formas de construir quadrinhos, como o texto puro, mas nenhum é tão eficaz quanto o storyboard, dominante na história em quadrinhos ocidental. A despeito de seu aspecto rústico e informal, ele desempenha o papel do projeto na arquitetura.

O poder comunicativo dos quadrinhos é imenso, devido a agilidade de sua linguagem híbrida de texto e imagem. Espera-se ter demonstrado, no presente TFG, que se trata de uma linguagem digna de assuntos complexos, como a história da arte e o urbanismo.

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