conexão livre, de Mary Vieira
Pedro Augusto Vieira Santos
Beatriz Mugayar Kühl
As questões pertinentes ao restauro do patrimônio moderno e contemporâneo têm ganhado relevância no cenário nacional e internacional já há alguns anos. Os debates, pela novidade do tema, percorrem, cada vez mais, caminhos divergentes daqueles iniciados há séculos, relativos à preservação, conservação e restauro do patrimônio material. Ademais, sugerem a incapacidade de tais discussões darem conta das problemáticas levantadas pelas obras de arte de períodos mais recentes, principalmente no campo da arquitetura, em que as sucessivas transformações no modo de produção e o desenvolvimento de novas técnicas e materiais extrapolariam o alcance das discussões e teorias existentes. Tal situação vem sendo paulatinamente desconstruída: são diversos os estudos e ações no campo do restauro que demonstram a atualidade dessas teorias, através de correta interpretação e consequente obtenção de resultados satisfatórios.
Sendo assim, partiu-se daquela que se apresenta como a mais consolidada, senão única, sistematicamente elaborada e praticada teoria do restauro: a Teoria da Restauração elaborada por Cesare Brandi, publicada em 1963. Contribuíram-lhe ainda diversas outras teorias do campo, tanto as anteriores como as que lhe sucederam, a fim de confirmar sua qualidade e buscar uma leitura aprofundada, diminuindo a chance de equívocos em sua interpretação. A escolha pela Teoria apresentou-se, ademais, como escolha metodológica para o entendimento da questão e proposição de soluções.
O objeto de estudo escolhido, o polivolume : conexão livre - homenagem a Pedro de Toledo, apresenta especificidades que o tornam particularmente interessante para o tema do restauro em uma Faculdade de Arquitetura e Urbanismo: o conjunto escultórico é composto por elementos pré-fabricados ou de fabricação seriada; não é, como na maioria das vezes os monumentos são, escultura figurativa a representar um personagem ou um acontecimento, mas objeto plástico concreto, de estruturação cinética, e por isso possível de ser manuseado pelo fruidor; por fim, está numa praça de acesso público (Praça Eisenhower-SP), apesar das restrições que estas possuem no município de São Paulo, e possui um caráter marcante de estruturação da paisagem, colocando também, para a sua preservação, questões de urbanismo. Além do mais, ou antes de tudo, o tema a que se refere é um bastante caro aos paulistas: a revolução de 1932, através da figura de Pedro de Toledo.
Métodos e conceitos
Tomando o conceito de restauro enunciado por Cesare Brandi, de que o mesmo constitui “o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro”, o trabalho tem início na construção desse reconhecimento, elaborado a partir da leitura da própria obra e da leitura de textos de crítica e história da arte.
No primeiro capítulo, é exposta de maneira bastante sintética a biografia da artista, à qual se segue a contextualização de sua produção nos cenários artísticos brasileiro e internacional e a exposição de algumas obras que se relacionam, de alguma maneira, ao objeto de estudo; e claro, a apresentação do próprio objeto de estudo.
Da bibliografia consultada, destacam-se: a publicação organizada por Aracy Amaral na ocasião da exposição Projeto Construtivo Brasileiro na Arte, com textos e documentos diversos, desde aqueles estrangeiros, que serviram de base para a elaboração das teorias e manifestos de arte concreta e neoconcreta no Brasil, até os textos de época (década de 1970), possibilitando um olhar distanciado dos acontecimentos, o catálogo da exposição Mary Vieira: o tempo do movimento, com curadoria de Denise Mattar; Caminhos da escultura moderna, de Rosalind Krauss, que elabora uma minuciosa leitura da produção escultórica nos movimentos artísticos no século xix e xx, analisando criteriosamente alguns casos; e o ensaio sobre Rodin, publicado em Outros Critérios, de Leo Steinberg, uma leitura exaustiva da produção desse artista, dando ferramentas para a interpretação do campo escultórico de maneira geral.
Por buscar compreender de maneira satisfatória a teoria brandiana e as condições em que serão aplicadas, emergirão da própria apresentação do objeto de estudo conceitos de monumento e monumento histórico a partir das leituras de Françoise Choay e Aloïs Riegl, e de publicações que se originaram em seminários e debates sobre o tema, principalmente em São Paulo, o que pretende elucidar a maneira como o tema é encarado pelos órgãos responsáveis e pela própria população. Vale citar as pesquisas desenvolvidas pelo idart15 na década de 1970, das quais resultaram os volumes 4 e 5: Linguagens experimentais em São Paulo 1976 e Situação atual da escultura na cidade de São Paulo.
As publicações decorrentes de seminários realizados na cidade de São Paulo,: Produzindo o passado (1984); Direito à memória e Cultura e Cidade. Ainda foi de grande valia a leitura da obra Além dos mapas. de Cristina Freire, que aborda a questão do imaginário urbano através do estudo do monumento a Ramos de Azevedo, e o seminário Caminhos do Patrimônio no Brasil, ministrado por Silvana Rubino em junho de 2009.
Feito esse reconhecimento, parte-se para o capítulo final, que reúne as reflexões sobre o problema da restauração. Da bibliografia selecionada, é fundamental a Teoria da Restauração, de Cesare Brandi, fio condutor de todo o trabalho, e suas interpretações através dos textos de Alessandra Cerroti, Giovanni Carbonara, Giuseppe Basile, Heinz Althöfer, Simona Salvo, bem como a Carta de Veneza16, em que estão presentes releituras de algumas das formulações da teoria brandiana. Tais textos são encontrados com facilidade nas revistas de pós-graduação da Fau usp e na revista eletrônica do cpc usp. Textos de referência, imprescindíveis, são as cartas patrimoniais e documentos afins, divulgados pelo sítio do iphan.
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