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secao 4!

Ilustrações do Olhar Estrangeiro

Catarina Bessell de Jorge

Luciano Migliaccio

A condição do estrangeiro - ser estrangeiro - é uma questão contemporânea. Em um mundo onde as distâncias são vencidas facilmente pelos meios de transporte e, também, pelas mídias digitais, ser estrangeiro é uma vertente da globalização. É também um assunto de relevância na construção da identidade nacional: somos nós, brasileiros, uma sociedade composta essencialmente por estrangeiros. No entanto trata-se aqui, dessa questão, não com uma abordagem geográfica, mas cultural: ser viajante não é condição para ser estrangeiro.

Se Baudelaire, por volta de 1860, coloca o artista moderno como um convalescente, alguém que deve recuperar-se constantemente das circunstâncias modernas, a condição contemporânea não nos é diferente: vive-se um tempo no qual um mesmo lugar sofre, invariavelmente, mudanças tecnológicas e do ambiente construído. É preciso, a todo momento, ver com novos olhos. Recuperamo-nos cotidianamente de todas as questões desconhecidas – e materializadas no espaço físico - da atualidade. Somos os doentes da convalescência moderna. O viajante como metáfora existencial da situação contemporânea.

O olhar estrangeiro foi, então, escolhido como tema em comum nas narrativas por ser aquele que é obrigado a renovar-se. É, portanto, um olhar “lavado”, constantemente deparando-se com o novo, o que possibilita textos com descrições mais ricas em detalhes e com um maior potencial gráfico: por meio de comparações com a cultura “herdada” constrói-se, ao longo das narrativas, o entendimento da cultura que lhe é estranha. O trabalho une quatro narrativas distintas dentro desse mesmo tema em comum que será o ponto de partida para a criação das ilustrações.

Embora as quatro narrativas escolhidas sejam ligadas por um tema em comum- o olhar estrangeiro – as especificidades vivenciadas levaram a uma particularização da forma de execução de cada uma das ilustrações. No entanto, o objetivo do trabalho não é pesquisar novas formas e técnicas de ilustração: se assim o fosse, seria mais conveniente a escolha de um único texto reinterpretado de várias formas diferentes. O trabalho é um exercício de criar, a partir dessas narrativas, imagens que, por meio de equivalências, dialoguem com o conteúdo analisado. É uma pesquisa cujo ponto de partida é a leitura de relatos de estrangeiros sobre um lugar que lhes é estranho. As ilustrações, formam um segundo olhar: o da autora do trabalho. Este trabalho é, portanto, um produto de camadas de olhares distintos unidos pela condição de serem, todos, estrangeiros.

Ao final da pesquisa bibliográfica, definiu-se quatro narrativas: a primeira, a visão do italiano Alberto Morávia sobre a Índia em Uma Visão da Índia; a segunda, a viagem do búlgaro Elias Canetti por Marrocos em As Vozes de Marrakech; a terceira, o diário filmado de Wim Wenders sobre Tóquio em Tokyo-GA e por fim, a última narrativa, uma exceção dentre os olhares por tratar-se de um nativo vendo o próprio país de origem (um alemão vendo a própria Alemanha): o romance de Alfred Döblin - Berlin Alexanderplatz - no qual o personagem principal descobre-se estrangeiro a própria cidade em que vive.

Com essas narrativas, então, criou-se, partindo de cada um dos textos, um tema gráfico, estabelecendo uma relação entre a gráfica escrita e a gráfica ilustrada. Se, na gráfica escrita, imagens podem ser construídas de maneiras distintas (por meio de minuciosas descrições, diálogos ou até mesmo por meio da própria técnica narrativa) por que então não distinguir tais imagens na gráfica ilustrada?

Os temas gráficos surgem, portanto, não só com um ponto de partida para relacionar texto e imagem, mas também como um elemento que distingue visualmente as já distintas narrativas. Fala-se de uma viagem, então, por meio de texto e imagem, com palavras e com ilustrações. Fala-se dos conteúdos narrativos e de conteúdos gráficos.

As ilustrações da Índia dialogam com o texto de Moravia tanto quanto dialogam com o tema gráfico da cor. Alfred Döblin escreve Berlin Alexanderplatz apropriando-se, como numa colagem, de técnicas narrativas diferentes: as ilustrações falam do romance e do tema gráfico dos mapas e da colagem. Em Marrakech, Elias Canetti preocupa-se com sua condição de ignorante à língua árabe: as ilustrações partem desse tema na narrativa e exploram-no graficamente, por meio do tema gráfico da escrita e geometria árabe utilizada como padronagem. Se, em Tokyo, Wenders faz uma reflexão cinematográfica sobre a imagem, as ilustrações exploram essa reflexão sobre o tema gráfico do signo japonês.

Tais temas gráficos criaram também uma liberdade entre narrativa e ilustração: a imagem não é uma tradução do texto e, por conseguinte, o texto não é uma tradução da imagem. A ilustração não procura uma literalidade e, nesse sentido, elas são um tanto infiéis às narrativas. Toma-se aqui, como fidelidade, não uma tradução literal, mas uma transcriação. Busca-se, mais do que uma alusão ao texto, um diálogo. Parte-se dos textos e durante o processo criativo estabelecem-se equivalências e analogias. Ilustra-se, muitas vezes, não os conteúdos principais, mas aqueles que, dentro da narrativa, sejam mais interessantes graficamente. Por fim, parte-se do principio que a imagem não é um olhar verbal traduzido visualmente, e sim, um novo olhar, uma nova camada à narrativa verbal: a camada gráfica.

Para reforçar essa independência estabelecida entre imagem e texto, separou-se as plataformas nas quais serão apresentados: as imagens no site, os textos, no livro entregue aos membros da banca. A plataforma digital, também, facilita o acesso às referencias gráficas das ilustrações: imagens, vídeos, enfim, a pesquisa gráfica está disponível para acesso. Não se trata de ilustrações que estão dentro de uma narrativa e sim ilustrações que tomam tais narrativas como ponto de partida, como uma inspiração inicial. Não existe um passar de páginas, não existe uma seqüência correta. No site, portanto, é possível ver as imagens na seqüência que a autora deseja como também na ordem que convém a quem a navega.

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