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secao 4!

sômbra#:

a sombra como apropriação do urbano

Laura Sobral

Jorge Bassani

Em metrópoles globais, em muitos casos, os habitantes se comportam fora de suas ‘bolhas privadas’ — espaços configurados por regras particulares que não visam o interesse comum — feito espectadores, como se não se sentissem parte do contexto urbano em que estão inseridos. Assumem, assim, a posição passiva, de alienação de seu contexto, ao invés de agir para construí-lo coletivamente. A inação dos habitantes da cidade pode ser analisada como causa e consequência das restrições político-administrativas às quais o espaço urbano é submetido.

Existe um movimento de reação a estas restrições, fenômeno que é objeto de estudo deste trabalho. Um exemplo disso são as ocupações informais, tanto artísticas-expressivas quanto de uso por necessidade. Esses atos de apropriação, apesar de pontuais, são cada vez mais recorrentes nas metrópoles mundiais, evidenciando uma rede de resistência afetiva ao individualismo e à passividade. Uma apropriação que nasce, no espaço dominado, como forma alternativa.

Analisando os espaço públicos e, portanto, coletivos, em uma metrópole como São Paulo, evidencia-se que muitos deles tiveram sua função reduzida à de passagem. Esses espaços, onde reinam a atualidade e a urgência do momento presente, são marcados pelo traslado e pelo fluxo.

No entanto, o espaço público tem um grande potencial de construção coletiva. As pessoas que o utilizam podem pensar e atuar sobre ele de forma democrática e criativa, apropriando-se deles e os ressignificando. A apropriação é o resgate do espaço do estado de alienação que o caracteriza como espaço abstrato.

Foi necessário parar e olhar a cidade. A observação da dinâmica presente no espaço, a reação do território frente à uma situação criada. Além desse olhar, me pareceu interessante ir mais além, fazer uma experiência concreta para tirar minhas conclusões. Assim surgiu a ideia do objeto especulativo. Com essa proposta, fui em busca de não-lugares para que, com minha interferência, fossem transformados em lugares. Utilizei a rede existente do transporte público (metrô, trem) como matriz, a partir da qual naveguei a cidade. Durante essa deriva encontrei espaços com potencial para abrigar minha ação.

Durante a experiência, a observação pela busca da sombra foi uma constante, mesmo que sem qualquer outro suporte de conforto (banco, rede, mureta). Comecei assim a busca pela sombra e sua importância como determinante de espaços no ambiente externo. A sombra como agregador, como definidora de ambientes, como proteção e primeiro abrigo. Assim sendo, resolvi criar uma sobre a cidade, a sômbra#.

A inserção da sômbra# pretende criar uma situação, ativando um espaço e provocando a experiência coletiva. Com a sômbra# posta à disposição dos frequentadores do lugar é esperada a interação dos transeuntes com o objeto, tendo como objetivo modificar a dinâmica do local. A sômbra# é uma arquitetura aberta, a ser completada e questionada pelos seus usuários e observadores. Essa proposta de aplicação tem como referência o projeto Fiteiro Cultural, de Fabiana de Barros: “A obra de Fabiana de Barros está aberta a todos os procedimentos voltados a sua alteração e, de modo geral, a qualquer intervenção negociada após sua instalação. Abre-se a qualquer resposta e a qualquer questão.”

Aqui se busca um pensamento arquitetônico que seja suporte para a ocupação da cidade, de modo que as pessoas que nela vivem pensem-na como um projeto participativo e sejam agentes de sua dinâmica, e não apenas público espectador. Para isto, a proposta do trabalho é o desenvolvimento de suportes|objetos|ferramentas arquitetônicas que sejam disponibilizadas e também construídas conjuntamente com os usuários urbanos.

O processo todo, em especial a interação das pessoas com a sômbra#, permite-me retomar a inquietação inicial que motivou a minha escolha do tema deste trabalho, ou seja, a apropriação da cidade. Como é agradável o lugar onde se sente que as pessoas fazem parte dele ativamente!

A apropriação da cidade é uma ação, uma idéia, um conceito a ser pensado. Sendo assim, este trabalho é a reflexão sobre o tema e também a proposta de uma maneira de se fazer isso. Quando se procura uma nova maneira de olhar a cidade, o que se pode fazer é um ato provocativo, o que penso que se cumpre com esse trabalho. O próprio olhar para a cidade à procura de uma maneira particular de se aproximar dela, a pesquisa, a deriva nos trens, as conversas, as observações, o projeto, a proposição do construir, todas as etapas têm igual importância, já que o objeto do trabalho é repensar a relação do individuo com a cidade e sua ação sobre ela, e não o produto sômbra# em si.

O que me daria alegria é que ao final da exposição deste trabalho cada um se sentisse capaz de agir na cidade pelo simples fato de fazer parte dela, que cada um considerasse a apropriação de várias formas, inclusive por meio do conforto, que é o que está sendo proposta aqui. Que fechassem esse caderno e levassem seus guarda-sóis para o ponto de ônibus e suas mesas de jantar para a calçada.

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