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secao 4!

A Colagem no Design Gráfico Contemporâneo:

A Influência do Digital

Lívia Miyadaira Ito

Marcelo Marino Bicudo

Dentre as várias linguagens que aparecem no design gráfico contemporâneo, a colagem parece ter especial destaque por causa de seu repetido uso. Ela é adequada para exprimir as características do mundo contemporâneo e de nossa sociedade, pautados pelo acelerado ritmo em que vivemos e o contraste cultural resultante da globalização. Sob esta nomenclatura, a colagem existe há décadas, fazendo suas mais famosas aparições nas obras de artistas modernos como Schwitters e manifestando-se com recorrncia até os nossos dias. Hoje ela está completamente difundida no design gráfico e ainda aparece em um amplo espectro de disciplinas, que variam das artes plásticas à literatura. Um dos principais motivos para o largo uso dessa linguagem no contemporâneo deve-se à revolução tecnológica ocorrida no século XX: a introdução das tecnologias digitais.

O tema deste tfg partiu destas observações acerca da colagem no design gráfico contemporâneo. O objeto de estudo foi a sua proliferação, sob a perspectiva da introdução das tecnologias digitais e as implicações derivadas desta alteração. O trabalho foi dividido em duas partes, sendo que a primeira consistiu em um estudo teórico do tema e a segunda na produção deste livro, a partir das questões estudadas anteriormente e problematizadas aqui graficamente. Neste trabalho, a colagem é fruto da desmontagem das referências culturais estudadas, cujas partes retiradas de seu contexto original são traduzidas e montadas com o intuito de criar algo novo.

A primeira grande consequncia da introdução das tecnologias digitais incidiu sobre os processos produtivos das colagens, que foram facilitados pela inovação de suas ferramentas e pela ampliação das possibilidades de comunicação via internet. Para os procedimentos de montagem e desmontagem de referências, as invenções tecnológicas dos anos 80 e 90 foram essenciais: os computadores Macintosh, programas de edição eletrônica como Photoshop, InDesign e Quark e a linguagem post-script 1 de impressão. Combinados, eles permitiram que toda a execução das colagens pudesse ser transferida dos procedimentos manuais para o computador. Uma vez digitais, elas podem ser infinitamente editadas, o que agiliza a produção e diversifica as combinações obtidas por meio da manipulação da mesma base de referências. Cria-se um universo de possibilidades de resultados, dentro do qual o final se dissolve e perde importância perto do processo criativo.

A obtenção de referências foi facilitada pela introdução das tecnologias digitais, pois estas facilitam o acesso a informação, sobretudo a partir da internet. A digitalização das imagens, da tipografia e de todos os elementos importantes para o design gráfico permitiu que essas referências pudessem ser publicadas na internet, tornando-as passíveis de apropriação. O fato de a internet constituir em grande parte um meio de livre acesso significa que as restrições para a publicação de conteúdo tornam-se dificultosas. Isto implica em um grande aumento de sua variedade, que tem como consequncia a própria diversificação das colagens. Sites de busca, como Google, ganham importância por ajudarem a encontrar o conteúdo perdido na rede. Abre-se ainda a possibilidade para processos colaborativos de criação, facilitados pelas redes sociais e blogs, que servem como plataforma de intercâmbio de informação. O mesmo material pode ser manipulado sucessivamente por diferentes pessoas, resultando em colagens de colagens.

Contudo, existem alguns problemas inerentes à produção aliada aos computadores. O autor Lev Manovich 2 afirma que a passagem para a plataforma digital prende-nos às capacidades dos programas com os quais trabalhamos. Acabamos limitados ao que o programa proporciona, utilizando as ferramentas à nossa disposição e selecionando dentre as aões dos menus. Frequentemente selecionamos ao invés de criar, arriscando obter resultados de estética viciada. Arlindo Machado 3 complementa o discurso de Manovich ao dizer que as máquinas tendem à estereotipia - elas precisam ser constantemente renovadas para que o que é produzido por meio delas também se renove.

De qualquer maneira, as mudanÇas nos processos produtivos foram tão profundas que se torna praticamente impossível dizer que a internet e as inovaões tecnológicas constituíram meras ferramentas que agilizaram a execuÇão das colagens. Mais do que isso, a introduÇão das tecnologias digitais possibilitou novas formas que transcendem a produÇão. Essencialmente, a existÊncia digital significa que todo o conteúdo passa a existir sob descriÇões matemáticas, ou seja, sob descriÇões formais. Isto significa que, ao contrário das restriÇões da execuÇão manual, tudo o que puder ser concebido por números pode ser realizado. Portanto, os softwares, ao trabalharem com descriÇões matemáticas, são capazes de realizar experimentaões que seriam de difícil ou impossível execução se feitas de outra forma. Ainda, com a internet, as características dos arquivos digitais tiveram efeito direto sobre a sua facilidade de compartilhamento. Referências podem ser facilmente publicadas e trocadas, alcançando uma variedade que nunca ocorreria numa mídia física, cujo espaço é restrito e por isso o conteúdo publicado nelas é seleto e filtrado.

Criou-se uma dependência dos suportes digitais, tornando-se impossível separar a criação da produção. Assistimos à restauração da fusão entre arte e tecnologia, que não se via desde o Renascimento, no qual artistas como Leonardo da Vinci, incorporavam o pintor, o inventor e o cientista. O rompimento se deu na Revolução Industrial, quando as péssimas condiões de trabalho das fábricas colocaram a máquina e o homem como inimigos. Com a revolução digital, esta relação foi restaurada e hoje as máquinas são vistas como concretizaões do raciocínio humano (Machado, 1993), agindo como potencializadoras de nossas habilidades (McLuhan, 1969).

A proliferação das colagens, porém, não só foi ajudada pela facilitação de sua produção, mas também porque ocorre uma compatibilização da rapidez de sua leitura com o ritmo acelerado da sociedade contemporânea. As colagens são superfícies que comunicam como imagens e hoje é evidente a ampla preferncia pelo seu uso. O filósofo Vilém Flusser 4 afirma que a preferncia pela comunicação em imagens está ligada ao tempo de sua leitura, que é muito menor do que a de um texto. O texto pode ser representado por uma linha; sua leitura está relacionada ao tempo histórico, porque é necessário seguir uma ordem pré-determinada para que o significado seja apreendido ao final da leitura. A imagem pode ser representada por uma superfície e tem como vantagem o fato de que a sua leitura não necessita de ordem, sendo possível apreender a mensagem em um primeiro olhar rápido e então destrinchá-la parte por parte. As imagens não substituem os textos, mas sim os representam. Para Flusser, a utilização das imagens não é uma novidade: elas existiram primeiramente na pré-história para representar os fenômenos do mundo, passaram a ser representadas pelos textos e hoje os textos são representados por um novo tipo de imagem.

Por não haver necessidade de ordem na leitura das imagens, o seu significado depende da capacidade do leitor de decifrá-las e, portanto, a leitura é subjetiva. As colagens, por possuírem um comportamento de imagem, também são de leitura subjetiva e também dependem do leitor para serem decifradas. Ele deve captar o que é indicado por meio das referncias e dos índices, relacioná-las, para então compreender a mensagem. Este tipo de leitura nem sempre foi aceito no design gráfico; porém, por mais que as colagens tenham se proliferado, apenas recentemente, houve trabalhos que prepararam o terreno para que fossem aceitas.

No design modernista, a participação do leitor para completar a mensagem era impensável. Toda a concepção advinha do designer e os trabalhos eram fechados em si, pois tinham como objetivo a transmissão de uma mensagem nítida e neutra. Foi somente a partir da década de 70 que surgiram designers dispostos a desafiar os cânones do Estilo Internacional, elaborando trabalhos focados na leitura imagética e subjetiva. David Carson, Neville Brody, Zuzana Licko e Rudy Vanderlans foram alguns dos que aproveitaram as possibilidades geradas pelo desenvolvimento tecnológico e comearam a utilizar recursos que traziam para os trabalhos outros sentidos que não o da visão. Ritmos e texturas evocavam o tato e a audição para o universo gráfico, transportando o design da bidimensionalidade para a tridimensionalidade. As três dimensões fazem parte das colagens, de sua estética e de seu conceito fundador. Elas refletem as fragmentações e sobreposições, bem como a leitura subjetiva provocada pela diversificação das sensações. Conceitualmente, são metáfora do enorme universo de informações dos nossos tempos pós-modernos. As colagens indiciam as informações, que devem ser resgatadas pelo leitor.

A introdução das tecnologias digitais tem grande importância sobre as colagens ao abrir espao para que estas sejam produzidas sem tradução, criando um novo tipo de estética, na qual as referncias são sobrepostas umas às outras, sem o intuito de criar uma mensagem nova. Da mesma maneira as próprias características das imagens digitais induzem à perda das referncias. A manipulação excessiva permitida pelos softwares e a publicação dos mais variados materiais na internet, estes muitas vezes já manipulados, faz com que seja cada vez mais difícil encontrar a referncia original nestas imagens. Desta maneira, some, gradativamente, a referncia original, tornando-se cada vez mais difícil relacioná-la aos índices nela presentes. Sem este reconhecimento, a colagem se esvazia de significado e resta somente a sua forma, superficial e sem mensagem.

Entretanto, quando realizadas com tradução, elas superam os maneirismos de linguagem e usufruem de sua existncia virtual, ganhando com as possibilidades de experimentação proporcionadas pelos softwares e pela enorme variedade de materiais passíveis de apropriação disponibilizados na internet. Assim, as colagens tornam-se uma forma interessante de comunicação em tempos em que a imagem é privilegiada. Elas são uma forma contemporânea de comunicação, que aceita e assume que nada se constrói do zero, mas que sempre partimos de referncias. Neste sentido, toda produção de conhecimento, toda criação e todo pensamento podem ser lidos como colagens, constituídas de apropriação, desmontagem, tradução e montagem das referncias que nos rodeiam; ou seja, são todas uma espécie de definição do processo semiótico da criação. A proliferação das colagens está em consonância com o pensamento contemporâneo.

Assim, realizado esse estudo acerca da posição da colagem no mundo contemporâneo, seguiu-se a etapa de sua interpretação prática. Com um tema tão rico, praticamente tudo poderia ser realizado. Apesar de o tema sugerir um trabalho para plataformas digitais, a influncia dessas novas tecnologias tem tamanho efeito no design gráfico impresso, que parece natural abordá-lo. Por isso, considerando a complexidade inerente a ele torna-se interessante retornar a uma mídia a que estamos habituados, o livro.

O eixo principal do trabalho consistiu em produzir colagens do processo criativo de desenvolvimento do tema, em um trabalho metalinguístico; partindo das mesmas referncias bibliográficas utilizadas na parte teórica, mas desmontando-as, traduzindo-as e montando-as sob o ponto de vista prático do design gráfico, obtendo-se um resultado diferente do estudo, ainda que acerca dos mesmos questionamentos. Se na etapa teórica, o processo criativo resulta em um texto, na abordagem da etapa prática, os resultados são imagens. Somados, o livro e o estudo constituem duas colagens diferentes das mesmas referncias, a primeira de caráter teórico e a segunda, gráfica, focada no tratamento imagético do conteúdo.

Selecionei os textos que compuseram a bibliografia, os que foram coletados na internet ao longo do trabalho e o que foi produzido por mim no término da parte teórica. Conferi-lhes um tratamento imagético e, a partir deles, realizei todas as peças deste livro, procurando explorar as questões derivadas de sua leitura e as que surgiram ao longo do desenvolvimento do trabalho. As peças não necessariamente possuem uma estética da colagem; esta é costurada pelo próprio conceito do livro e, principalmente, pelo conjunto delas e dos questionamentos que trazem. A colagem não aparece individualmente em todas as páginas do livro, mas está presente em sua estrutura e narrativa.

Sobre o objeto livro, optei por faz-lo facilmente reprodutível. O tema do trabalho constantemente toca na facilidade de manipulação e compartilhamento dos arquivos digitais e, portanto, parecia lógico que o livro concordasse com esta questão. Ele foi produzido com uma encadernação comum e em preto e branco, para que atendesse à questão da reprodutibilidade, sem desrespeitar as características próprias do suporte. Ao afastá-lo de um objeto especial, o suporte tende a desaparecer ao longo da leitura, restando apenas o conteúdo; este, já suficientemente complexo, ganha destaque e desprende-se, sugerindo continuidade.

Alguns livros com abordagem semelhante foram grandes referncias para a construção deste. The Art of Looking Sideways, de Alan Fletcher, é uma coletânea de textos e imagens sobre os princípios que nortearam o trabalho do autor. Ele é uma espécie de colagem de seus pensamentos, formada pela estrutura do livro, que agrega diversas imagens dissonantes para falar sobre o mesmo tema. O S,M,L,XL serviu como referncia pela inovação no uso de imagens para comunicar sobre arquitetura, um assunto que costumava ser representado por desenhos técnicos e sobriedade. A sua narrativa serviu como referncia, por ser muito dinâmica, aproximando-se até do cinema. O livro mais diretamente relacionado ao tema é o MMM...Skyscraper I Love You, do estúdio ingls Tomato, no qual foi utilizada uma tipografia de um jornal americano para compor as paisagens de Nova York. Ele serviu de exemplo pela narrativa construída por essas imagens e pela transformação do texto em imagem.

Construí dois tipos de narrativa neste livro, sendo a primeira a narrativa das séries e a segunda a do próprio livro, que o estrutura por completo. As séries são compostas por variaões de um conceito, nas quais a mesma base de referncias e imagens é montada e desmontada de diversas formas. A narrativa das séries foi, majoritariamente, sequenciada com gradaões de desconstrução, partindo das peças mais desconstruídas para as mais coesas, ou das mais coesas para as mais desconstruídas. A narrativa geral é composta pelas várias séries e foi organizada por assuntos. Sintaticamente, o livro parte de séries com tratamento mais próximo do textual, para as com tratamento imagético e mais semântico, passando das séries com abordagens mais literais, para aquelas que abordam as suscitadas pelo próprio espao da mídia. As duas narrativas conversam entre si e seus padrões são adaptados, para que tanto visualmente, como em conceito, o livro tenha um ritmo harmônico e fluido de leitura.

Quanto às técnicas utilizadas, a manipulação digital não poderia deixar de estar presente. O que foi apresentado não poderia ter sido executado de outra forma, desde a pesquisa de referncias até as produões mais complexas. O livro mescla peças feitas à mão, como as que contm recortes e caligrafia, com peças feitas no computador. Porém, por mais que tenha havido essa variação, a necessidade de devolver a arte para a máquina sempre surgiu. Dos ajustes aos testes de composição e à aplicação de efeitos, o computador constituiu uma plataforma base para a qual tudo convergia.

As primeiras questões que surgiram foram as que já haviam sido exploradas no design gráfico na década de 90, por designers como David Carson. Estas peças foram tratadas como releituras destas questões, relacionadas à passagem da bidimensionalidade para a tridimensionalidade, a introdução da leitura imagética ao design, conforme estudado na etapa teórica do trabalho. Os próprios livros do Carson foram referncia, assim como os trabalhos de John Maeda, pelo seu humor e crítica ao design produzido em computador. Dentre as questões abordadas estão os ritmos, as texturas e a fragmentação.

Os ritmos e as texturas foram explorados com o objetivo de introduzir, por meio da tridimensionalidade, a leitura imagética do texto. Eles foram trabalhados conjuntamente por meio de manipulaões das manchas de texto, sendo quase impossível criar um sem obter o outro como consequncia. Foram utilizadas, principalmente, a repetição de palavras e a alteração no espaamento entrelinhas e entre letras, que torna a leiturabilidade quase impossível. Estas manipulaões fazem com que a leitura do texto seja quase desnecessária, pois a mensagem é expressa também através de sua forma.

Explorar a fragmentação foi quase inevitável, pois ela é uma ilustraçção direta do processo de desmontagem. Como uma aplicação mais literal, ela aparece nas peças iniciais do livro, que mostram tipos digitais fatiados e nas séries finais, que mostram pedaos de papel rasgados, impressos com palavras e manchas de texto. Porém, em maior escala, utilizei a fragmentação interpretada como seleção, muitas vezes mantendo o foco sobre um fragmento, ao invés de seu conjunto. Isto aparece, principalmente, nas séries que mostram várias digitalizaões de pequenas áreas dos livros da bibliografia e mesmo naquelas em que essas áreas aparecem em grandes ampliaões. Conceitualmente, a fragmentação está presente por todo o livro, pois ao longo de suas páginas todo o material utilizado é apenas um indício, um fragmento de uma ideia maior.

A segunda abordagem utilizada nas peças é mais conceitual. Estas não partiram diretamente de questões estéticas já tratadas na história do design gráfico, mas do que foi problematizado na parte teórica. Destacam-se os temas como a memória, a perda de referncias e a reprodutibilidade. Nestas foram grandes referncias as composiões de Mira Schendel e a abordagem de Roy Lichtenstein às ampliaões das tiras de quadrinhos.

A perda de referncias foi abordada nas séries do final do livro, que mostram recortes em papel vegetal. Estes recortes foram manipulados, por meio de sobreposiões e repetiões, para criar um efeito de tridimensionalidade, que ilustre como as referncias se perdem na profundidade de nossa memória. A utilização de papéis translúcidos foi importante para enfatizar esta ideia, pois a sobreposição deles cria áreas mais ou menos opacas, que sugerem o desaparecimento das referncias. A cor define o espao da página e, portanto, produz-se um espao vago, com as páginas predominantemente brancas, para sugerir que as ideias ali dispostas são amplas e tm uma continuidade que abrange muito mais do que está sugerido ali. É importante dizer que esta é a série que fecha o livro e por isso é ainda mais relevante que ela sugira continuidade, para ilustrar a idéia de que este é um trabalho aberto. A execução está em concordância com o conceito, pois as peças foram produzidas diretamente no scanner. Nenhum dos recortes foi colado, o que permitiu a execução de diversos arranjos a partir das mesmas peças e que fosse aberto um espao para o acaso nas composiões.

Quanto à reprodutibilidade, eu a explorei, principalmente, nas digitalizaões ampliadas dos livros da bibliografia. Ao capturar estas imagens em alta resolução e ampliá-las, é possível enxergar nestes textos, o que é imperceptível em seu tamanho real; explorando a sua gramática visual, ou seja, a sua constituição como forma. Ao olhá-los de perto, aparecem defeitos de impressão e texturas, que particularizam aquilo que foi concebido para ser reproduzido em série. Estes textos saíram da perfeição numérica da forma vetorial de quando existiam nos computadores e foram impressos e transportados para a mídia física, que é repleta de defeitos. Surge uma ambiguidade nesta questão, pois ao colocar estas ampliaões neste livro, elas estão novamente sujeitas à reprodutibilidade, depois de terem sido abordadas como únicas e particulares.

O terceiro tipo de abordagem trata da transferncia dessas questões para o espao da mídia. Uma vez decidido fazer um livro é impossível não transpor os conceitos para o papel, para o espao da página. Isso não significa somente copiá-los de sua forma digital para a forma física, mas sim questionar o seu comportamento em outro suporte. Todas as questões do estudo valem sob esta abordagem e tomam uma forma diferente.

Explorei diversos enfoques sobre o próprio suporte do livro, o papel, mostrando de que forma as questões da textura e da tridimensionalidade podem emergir dele. Na série em que há imagens de papéis amassados, surgem relevos e geografias próprias, que sugerem, porém, uma forma diferente do que foi realizado somente com a tipografia digital. Em outras séries, utilizei digitalizaões de pedaos em branco de páginas dos livros da bibliografia como fundo. Ao manipulá-las no computador, elas não só revelaram a textura do papel, como também o que estava impresso no verso.

Foi também desenvolvido o conceito do grid, na série que mostra várias manchas de texto, cujos alinhamentos são desenhados com linhas. Ela está localizada, simbolicamente, na parte inicial do livro, para marcar a partida da narrativa de um texto caracterizado como texto, para a sua desconstrução em imagem. Também foi explorada a questão do formato da página, na série iniciada por uma mancha de texto espelhada, que obedece à dobra do meio do livro. As sombras foram produzidas por uma folha de papel, que foi sucessivamente dobrada na metade. Nas peças seguintes, estes espelhamentos se multiplicam, para mostrar a desconstrução do espao da página.

Levando mais adiante o pensamento sobre o espao da mídia, a questão do ponto, da linha e do plano é fundamental para o trabalho, pois é representativa de muitos de seus aspectos. Primeiramente, ela se encontra na própria transformação do texto em imagem. O ponto pode ser representado pela letra, a menor unidade do texto, que é então multiplicado para formar linhas e estas o plano. A partir das combinaões de ponto e linha, obtém-se um plano com características de imagem, ao invés de texto. Transposta para o suporte físico esta questão está também na representação do plano como o papel. Quando este é desconstruído, amassado e rasgado, o ponto e a linha surgem nas dobras, bordas e rasgos. Com as constantes mudanas de escala mostradas no livro, desde os minúsculos textos, até as maiores ampliaões, é possível enxergar ainda mais desdobramentos para esta questão. As ampliaões mostram como pode haver um plano dentro de um ponto e neste plano, milhões de linhas e pontos, sugerindo como as abordagens sobre cada tema são infinitas. O plano, a linha e o ponto, sob uma perspectiva conceitual, são representaões do espao infinito e se o livro é composto por textos, neste caso, eles são a representação do espao da informação. É justamente deste universo, que as referências são retiradas para as colagens e então transpostas para livro e montadas, para traduzir uma mensagem. O Livro de Areia, de Jorge Luis Borges, foi uma grande referncia para a concepção deste trabalho, pois a Bíblia que o narrador compra é a própria metáfora para o espao da informação atual. Este é o espao da internet, tridimensional e composto por milhões de conexões, no qual a informação flutua, sem comeo, nem fim.

As peças produzidas e as questões que foram tratadas são apenas uma amostra das infinitas possibilidades escondidas nestas referncias, extraídas deste espao informacional. O livro é uma espécie de recorte das inúmeras peças que poderiam ter sido elaboradas se a desmontagem, tradução e montagem tivessem ocorrido de muitas outras maneiras. Portanto, este livro é um trabalho aberto, constituindo apenas uma colagem das muitas que poderiam ser.

  1. a linguagem post-script de impressão foi desenvolvida pela Adobe Systems na década de 90. Ela é responsável por traduzir os arquivos digitais para formatos que possam ser lidos pelas impressoras.
  2. MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: The MIT Press, 2001
  3. MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário. São Paulo: Edusp, 19934 FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado. São Paulo: CosacNaify, 2008

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