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O Patrimônio Moderno Paulistano e sua preservação

Marília Barbin Villela

Mônica Junqueira Camargo

As décadas de 1930 a 1970 marcaram um período de muitas transformações na estética e na arquitetura. Os edifícios dessa época são considerados, por muitos, a melhor e mais ampla produção já existente no Brasil e são estudados na maioria das faculdades de arquitetura, dentro e fora do país.

Após aproximadamente 50 anos, a obra desse período não teve a manutenção adequada e se encontra muito degradada. A necessidade de restauração é evidente, mas o modo como essas obras devem ser tratadas é ainda discutido. Existem vertentes que acreditam na necessidade de se criar novas teorias para o tratamento da obra moderna, enquanto outras julgam satisfatórios os referenciais teóricos existentes. O trabalho se baseou em estudiosos que consideram que as teorias existentes na disciplina do restauro são suficientes para a intervenção no patrimônio moderno.

O Estádio do São Paulo Futebol Clube (Cícero Pompeu de Toledo), o Morumbi, foi selecionado para uma análise crítica a respeito do processo que o edifício vem enfrentando desde seu projeto e as intervenções propostas para ele. A escolha se deu por conta do processo de tombamento do edifício pelo Conpresp, que está aberto desde 2004, associado ao fato da realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Devido ao evento, a edificação passará por reformas de adequação às exigências da FIFA. A análise foi baseada no projeto original, nos documentos do Conpresp, na análise do desempenho do edifício e nos conteúdos publicados sobre o projeto de adequação (até 01/06/2010), tendo como objetivo levantar questões que estimulem a discussão dos assuntos ligados à tutela do patrimônio moderno.

Indica-se que a obra seja tombada, de forma a garantir a proteção contra sua descaracterização e que seja mantida como legado de um período importante.

Estudou-se a importância do período histórico no qual o projeto foi concebido para o desenvolvimento da cidade e da sociedade. Neste período, a arquitetura passava por mudanças importantes, que definiu novos caminhos a serem seguidos e uma nova maneira de pensar. O autor, Vilanova Artigas, teve um papel muito importante nessa mudança, sendo um dos seus principais representantes. O projeto em questão marca um momento de inflexão na sua produção, enunciando o começo da fase mais importante da sua obra, o brutalismo.

Considerou-se então a relevância da obra em relação a outras obras do período. Ela tem caráter inovador, com características técnico-construtivas representativas da sua época. Dentro da sua tipologia, ela é significativa pela sua escala e também por marcar um período em que o futebol tem sua popularidade aumentada.

Em relação à cidade e sua população, é um edifício significativo, já que por sua capacidade é sede dos jogos mais importantes, não somente do São Paulo Futebol Clube, mas de todos os clubes paulistas (finais de campeonatos estaduais, nacionais e internacionais) e ainda é usado como arena para grandes shows. Além disso, é um marco na paisagem em que se encontra.

Diante da indicação de São Paulo como cidade sede para a Copa do Mundo de 2014, o escritório Ruy Ohtake Arquitetura foi contratado para o projeto de adequação para o estádio do Morumbi. Um projeto foi apresentado em 2007 e, em 2009, o escritório alemão GMP foi contratado para trabalhar em parceria com o escritório brasileiro, a revisão propõe mudanças principalmente para a cobertura.

De acordo com as determinações da Carta de Veneza e das teorias posteriormente sustentadas por estudiosos como Cesare Brandi, verificou-se se os projetos propostos atendem aos princípios da mínima intervenção, da distingüibilidade e da reversibilidade.

Utilizando a teoria de juízo de valores, de Alois Riegl, acredita-se que a característica mais importante da obra em questão seja sua solução estrutural em concreto armado aparente e o modo como ela foi determinante para a definição da arquitetura do edifício. Sendo assim, analisou-se o projeto de intervenção de modo a privilegiar a manutenção e evidenciação desta característica. Sendo assim, os aspectos do projeto que influenciam pouco na visualização e entendimento da estrutura de concreto armado, como a melhoria dos acessos e a redistribuição interna se adaptam mais facilmente aos princípios teóricos da preservação e do restauro, principalmente por que trazem melhorias funcionais e favorecem continuidade do uso.

O projeto de 2007 propõe uma cobertura que se destaca do edifício existente e é sustentada por quatro pilares, aparentemente de concreto, que dialogam com a estrutura do projeto original. O fato de os anéis de circulação terem sido cobertos com chapas metálicas configura uma descaracterização, pois o concreto é escondido e, com isso, se perde o que Vilanova Artigas propõe ao evidenciar a estrutura e o material em seu estado bruto. Buscando, no projeto, a utilização dos princípios da mínima intervenção, da distingüibilidade e da reversibilidade, somente a mínima intervenção não foi contemplada, pois a adição das placas metálicas nos anéis de concreto teria motivação mais estética do que de necessidade.

O projeto de 2009 faz uma intervenção mais marcante. A estrutura em V proposta para sustentar os anéis que suportam a cobertura se sobrepõe à arquitetura de Vilanova Artigas e faz perder-se a noção de escala da estrutura original, além de escondê-la parcialmente. As intervenções não podem ser consideradas mínimas, pois a proposta não aparenta ter a intenção de evidenciar o projeto original, acrescentando a ele muitas novas formas, que se confundem com o que já está construído e não atende ao princípio da distingüibilidade, pois apesar de divergir na técnica construtiva, ao propor pilares em V tão juntos à estrutura original e com escala tão próxima, mistura-se ao edifício.

O estudo de caso propiciou que as teorias apresentadas fossem colocadas em contato com a realidade do projeto de arquitetura e mostrou que elas podem ser aplicadas ao patrimônio do século XX sem nenhum prejuízo, norteando inclusive projetos contemporâneos, ousados tanto formalmente como tecnologicamente.

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