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secao 4!

A jangada-de-pau alagoana:

desenho e memória

Bernardo Spindola Mendes Neto

Reginaldo Ronconi

Resgate das técnicas construtivas da jangada-de-pau alagoana, embarcação tradicional virtualmente extinta do litoral brasileiro.Pesquisa realizada no vilarejo de Lagoa Azeda, pertencente ao município de Jequiá da Praia, Alagoas, Brasil, a partir de conhecimentos obtidos junto ao mestre construtor Valdemar Farias dos Santos. Abordagem que reconstrói o objeto de estudo através da análise das diferentes memórias contidas no universo do jangadeiro. O Il faut aller voir de Jacques Costeau, da beleza que precisa ser vista, sentida, tocada, por nossas próprias mãos e olhos, a fim de proporcionar o verdadeiro conhecimento.

Memória perceptiva.Vivência, observação, aprendizado. Durante esta primeira etapa estive ao lado do mestre Valdemar Farias dos Santos, em Lagoa Azeda, Alagoas, por cerca de 30 dias, desenhando, ouvindo, aprendendo. Buscando a compreensão construtiva da jangada-de-pau alagoana, a tipologia por mim escolhida para exemplificar a riqueza deste imenso patrimônio cultural brasileiro. Neste período, foram realizados esboços, croquis, levantamentos, etc., assim como um relato dos acontecimentos, dia após dia. O capítulo trata da narrativa viva, real, da percepção do momento, seguindo a cronologia das descobertas. Foi o início do processo de resgate de uma técnica construtiva rica e complexa, estudo que visa produzir um documento digno à sabedoria de seus construtores e impedir que seus conhecimentos sejam um dia inteiramente esquecidos e apagados pelo tempo.

Memória Natural. Espécies, terra, origem. Durante minha estadia, realizei incursões na mata com o senhor Antônio Pereira, conhecido como Antônio Soldado. Jangadeiro veterano, mateiro de criação, homem de conhecimentos naturais espantosos, capaz de identificar qualquer espécie, vegetal ou animal, com a facilidade típica daqueles que se encontram profundamente enraizados em seu meio. Com sua ampla sabedoria, generosidade e simpatia, mostrou-me cada uma das madeiras utilizadas na construção das jangadas-de-pau, que procurei organizar de acordo com seus usos específicos na composição da embarcação. Mostrou-me o triste desaparecimento das matas do estado, substituídas pelo plantio extensivo da cana de açúcar, passando a respirar somente nas pequenas ravinas íngremes onde o maquinário de produção não trafega. Condição facilitada pela maneira como os órgãos protetores realizam sua fiscalização, impedindo os pescadores de retirarem um pouco de madeira para reparar suas embarcações, ao mesmo tempo que fornecem carta branca à devastação em larga escala. Essa insensatez avança, ao mesmo tempo que tolhe os conhecimentos vernaculares de seu Antônio, que tendem a desaparecer junto com seu campo de estudo vital.

Memória Construtiva. Compreensão, metodologia, prática. No capítulo que segue, busquei destrinchar os cadernos de viagem, os ensinamentos, as lembranças, corrigindo erros, organizando o entendimento da etapa construtiva da jangada-de-pau alagoana do início ao fim, com o intuito de facilitar seu entendimento por parte dos leitores. Procurei simplificar cada descrição, ilustrando com esboços cada passo, tornando mais clara sua complexa execução. Optei por focar o processo construtivo somente no corpo da embarcação, deixando de lado os inúmeros utensílios de bordo levados durante as pescarias. Somente a construção da jangada em si é visualizada, pois é o elemento maior em extinção. Seus acessórios, usados na obtenção do pescado, são ainda com freqüência usados nos barcos a motor e nas jangadas de tábuas - substitutas das jangadas tradicionais - assim como no cotidiano da comunidade. Há também um panorama sobre o comportamento da jangada no mar, com enfoque na costa da região por onde tive a oportunidade de navegar, fator que foi essencial para o pleno entendimento da embarcação como um todo.

Memória Arquitetônica. Técnica, dimensão, métrica. Os capítulos anteriores conduziram o trabalho a este compêndio final, que procura mostrar o estudo da jangada-de-pau alagoana finalizado através de desenhos padrão de arquitetura. Durante a etapa de levantamento, conforme visto nos croquis originais, foram obtidas as dimensões exatas da jangada de mestre Valdemar, o que possibilitou sua construção gráfica em escala correta, em tamanho e proporções reais. É etapa fundamental, onde os desenhos podem ser utilizados como base de exemplo construtivo para a perpetuação de suas características físicas, já que originados a partir de um exemplar real e navegável. Se construída nestas exatas proporções, seguidos os passos anteriores, utilizadas as madeiras corretas, respeitados os conhecimentos expostos, dificilmente não teremos em mão um exemplar pronto a ser utilizado no mar, como outrora. O processo de criação das páginas a seguir iniciou-se com a passagem do levantamento feito no local para o autocad, software de desenho técnico, exposto sempre à esquerda das páginas duplas. Nestas, foram também apontadas as nomenclaturas de cada elemento, visando facilitar o acompanhamento por parte do leitor. À direita, poderá ser visto o mesmo desenho, ilustrado em cores, mostrando texturas e buscando refletir o visual final da jangada-de-pau. Cada desenho entrou na página com a escala apropriada, tanto numérica quanto gráfica, assim como a escala humana nos desenhos em elevação. Embora a jangada-de-pau não aceite tantos enquadramentos métricos quanto uma embarcação de casco, os desenhos a seguir foram fundamentais para a visualização exata do caso estudado, objetivo buscado desde o início. Com esta conclusão de meu resgate construtivo, espero poder incluir a jangada-de-pau alagoana no rol de tipologias levantadas pelos dedicados estudiosos do assunto no Brasil, que lentamente vão passando para o papel as mais variadas e ricas silhuetas encontradas ao longo de nossa costa, primeiro passo na tentativa de preservar a sabedoria técnica de seus construtores e manter viva essa importante parte de nossa cultura.

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