Uma das grandes necessidades no campo da arte é o armazenamento e manutenção das obras. Mesmo os grandes museus de São Paulo possuem relativamente pouco espaço destinado a essas atividades, e acabam deixando suas obras em locais não apropriados. A denominada reserva técnica, é um espaço complexo e que demanda total controle do ambiente, tanto no quesito dimensionamento, quanto no quesito temperatura, umidade, entre outros. Tudo deve ser pensado no projeto para que a haja a maior qualidade ambiental possível e, portanto, a maior segurança para a manutenção das obras de arte.
A princípio, estudei a possibilidade de projetar um prédio de reserva técnica para algum museu da cidade de São Paulo. No entanto, quando me deparei com a notícia do incêndio na casa do irmão do artista Hélio Oiticica (que causou a perda de praticamente todo o seu acervo), comecei a me questionar sobre a segurança das obras de arte que fazem parte de coleções particulares e se encontram em residências privadas. A questão dos cuidados com essas obras foi só o início de um questionamento que chegou a outro ponto importante, a difusão dessas obras, ou seja, a acessibilidade delas ao público. Assim defini o programa que eu desejava propor: um prédio de reserva técnica para obras de coleções particulares com salas de exposição para mostras temporárias montadas a partir desse acervo. O prédio, ao mesmo tempo em que zelaria pelas obras (patrimônio cultural brasileiro e mundial), disponibilizaria ao público o contato com obras antes inacessíveis.
Após definir a diretriz, deveria definir o programa de maneira bem específica, uma vez que o projeto tem tamanha importância para um espaço como o da reserva técnica. Com muita pesquisa, passei praticamente o primeiro semestre inteiro definindo o programa, estabelecendo todos os espaços necessários, suas respectivas áreas e mobiliários.
A escolha da Mooca para a implantação do projeto se deveu a alguns fatores, o primeiro deles sendo a implantação de novos centros culturais na área como, por exemplo, o Museu de São Paulo na Casa das Retortas e o Museu Catavento. A Mooca ainda é uma área cujo metro quadrado é desvalorizado, mas que caminha em direção à valorização de seus terrenos. Há duas áreas distintas no bairro, a residencial com lotes pequenos e um sistema viário mais denso, e a de galpões industriais (muitos deles abandonados) que margeiam o trilho do trem e que possui um arruamento mais disperso.
O local escolhido como terreno foi o entorno da estação Mooca de trem, que tem entrada pela Avenida Presidente Wilson e pela Rua Borges Figueiredo. O interessante desse terreno é, além da relação com o sistema ferroviário e com o interessante prédio da Antarctica, a possibilidade de aproveitá-lo na transposição do trilho do trem e, portanto, nos percursos do bairro.
Com o programa definido e o terreno em pauta, comecei a estudar as formas desejadas para o projeto e sua inserção na área. Com o traçado de eixos (determinados seja por ruas, como por prédios existentes e etc) acabei definindo como partido a divisão e separação das diferentes áreas do projeto (que possuem necessidades tão específicas e distintas), o que resultou em um projeto de quatro partes.
A praça parte da idéia de transposição do trilho do trem, por isso ela parte do nível 0 nas duas extremidades (Avenida Presidente Wilson e Rua Borges Figueiredo) e desce até o nível -5, pelo qual ela transpõe a linha férrea. Seu desenho se fez pelo prolongamento das ruas Serra de Paracaina (que vem do lado da av. Presidente Wilson) e Guaratinguetá (que vem do lado da Rua Borges Figueiredo). A praça tem, além da função de passagem, a função de organizador espacial e, acima de tudo, a função de espaço múltiplo. Resolvi mudar a entrada da estação Mooca para dentro da praça, trazendo ainda mais vida a ela.
A ideia é que a exposição das obras se espalhe também pela praça, na medida do possível. Uma projeção de vídeo embaixo da rampa e entre espelhos d’água na penumbra, uma festa de esculturas “atrapalhando” a passagem do pedestre, etc. Para mídias mais convencionais e que devem ser expostas em locais de completo controle, propus uma espécie de museu cuja entrada se dá pela praça no nível -5. Um grande hall recepciona os curiosos, espaço esse, ainda público. O controle se dá próximo aos elevadores, pelos quais o visitante subirá para atingir as salas de exposição. A surpresa se revelará ao visitante uma vez que ele sair do elevador e se der conta de que está, na realidade, dentro da fábrica da Antarctica. A sala de exposição, dessa forma, será construída dentro (mas de maneira independente) da carcaça da antiga fábrica em alvenaria.
Essas três funções estão dispostas num mesmo volume, que está localizado no lado oposto a entrada do museu na praça e que visto do nível 0, parece uma continuação da rua Serra de Paracaina na forma de um espelho d’água. Este prédio, no entanto, dá suas costas para a praça e se abre para o outro lado, aonde chegam rampas para carros e caminhões vindos do nível da rua (nível 0).
Essas duas funções, que são o foco principal do projeto, deveriam estar localizadas em um local ao mesmo tempo seguro e de destaque. Assim, a ideia de caixas fechadas e flutuantes pareceu representar bem essa premissa. Por estarem elevadas, essas salas ficam completamente protegidas de inundações e também ficam mais resguardadas do acesso do público. O único acesso a elas se dá através da circulação vertical que parte do prédio de recepção e administração e sobe para dois níveis de passarelas revestidas de vidro, cuja função é a de circulação horizontal entre as caixas. Cada caixa representa uma forma de arte diferente e basicamente, cada uma é composta de uma ante-sala, um laboratório de conservação e restauro e duas salas de reserva técnica (sendo essa configuração variável em alguns casos).