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secao 4!

CARTOGRAFIA DAS CIDADES INVISÍVEIS

Erika Rufino de Souza

Luís Antônio Jorge

Saber ver a arquitetura de Bruno Zevi, é um dos poucos livros que lemos do começo ao fim na FAU. Nele, este estudioso e teórico da arquitetura propõe uma “clareza de método” para abordagem analítica da arquitetura. Como premissa para entendimento dessa “nova atitude crítica” ele nos apresenta o problema da ignorância da arquitetura, expressão que dá nome ao seu primeiro capítulo. Esse desconhecimento pode impor, como efeito, limites à intervenção do arquiteto sobre o espaço cuja extensão só poderia ser apreciada à medida que nossa compreensão sobre o espaço for alterada pelo esforço de uma tematização da realidade do espaço a que o homem comum tem se rendido.

O autor inicia o segundo capítulo, intitulado O espaço protagonista da arquitetura, da seguinte maneira: “A falta de uma história da arquitetura que possa ser considerada satisfatória deriva da falta de hábito da maior parte dos homens de entender o espaço.”

A arquitetura age diretamente sobre o espaço, interfere nele, modifica, cria lugares, protege, sugere novas relações. Por isso é interessante compreendê-lo para além da fronteira de nossa disciplina. Se um olhar objetivo e racional é extremamente importante para nosso trabalho, é também preciso não pensá-lo como único ou total. Melhor projetaremos, a partir de nossos instrumentos, quanto mais sensível formos para percebê-lo.

A arquitetura se endereça a alguém que terá uma experiência espacial. Uma bela planta não basta para determinar a qualidade dessa experiência. O que, nos nossos projetos, garante a qualidade de uma experiência espacial?

Senti falta de uma reflexão que inclua o homem para além das questões de ergonomia. Entendemos as medidas de seu corpo, mas consideramos sua cultura? Seu desejo? Sua subjetividade? Consideramos a relação afetiva que um homem estabelece com um lugar? Se falamos que a maior parte dos homens não entende o espaço não é porque estamos errando em alguma parte de nossa tarefa de comunicá-lo?

Supus, para fazer este trabalho, que se “manchasse” o olhardo arquiteto por uma outra experiência de construção da espacialidade, distante das formas canônicas de representação do espaço, talvez pudesse despertar novas formas de pensar o espaço, incluir novas variáveis.

Procurei, então, encontrar um lugar onde a representação do espaço não se desse apenas a partir das representações gráficas tradicionais da arquitetura, como planta, corte, elevação e perspectiva, para ali exercitar um olhar que abranja elementos que não são comumente, ou facilmente, representados. Se este trabalho não vier a oferecer uma nova compreensão da realidade do espaço – coisa que ele não se propõe – talvez possa convocar o surgimento em nossa experiência de um outro perfil da espacialidade através do exame de algo que escapa ao que é habitual na experiência do espaço tanto do homem comum como ao trabalho cotidiano do arquiteto. Examinarei aqui, a construção de um outro saber: o espaço constituído pela narrativa literária e, em seguida exporei algumas variações sobre a espacialidade que forçam os nossos modos de representação a alçarem vôos em direção aos limites da convencionalidade de sua exposição.

No livro As Cidades Invisíveis (1972), de Italo Calvino, a espacialidade se constrói, pela descrição da paisagem, das relações entre seus habitantes, do relato sobre seu funcionamento, dos caminhos possíveis, das construções existentes e sua apreciação está sujeita às variações de perspectiva, à recuperação da memória, e aos desejos que delineiam o trajeto percorrido pela narrativa do viajante.

Nesse livro, o viajante veneziano Marco Polo descreve para o conquistador mongol Kublai Khan 55 cidades, que nos são apresentadas divididas igualmente em 11 temas. É através do relato de Marco Polo que o imperador – e os leitores – toma conhecido do seu domínio.

O livro apresenta um índice que desde a primeira leitura me deixou intrigada. Nele sempre nos são apresentados o tema da cidade e seu número. O nome de cada cidade, só descobrimos se nos dirigirmos ao texto propriamente dito. Estudando o índice cheguei a um gráfico que não apenas me fazia entender a seqüência numérica, como permitia que se reconhecesse três ordens possíveis de leitura:
1. o olhar percorre o diagrama como numa leitura textual (de escrita ocidental): da esquerda para direita e de cima para baixo, e encontramos as cidades na ordem página após página do livro impresso;
2. invertendo-se a hierarquia da leitura anterior, o olhar vai de cima para baixo e, então, da esquerda para direita. Em cada coluna, encontra as 5 cidades de um mesmo tema.
3. temos a leitura diagonal onde as cidades aparecem ordenadas numericamente, assim leríamos as 11 cidades e seu tema 1, depois as 11 cidades e seu tema 2.

Esse diagrama é a chave desse trabalho, das conclusões e proposições posteriores. Todos os elementos que foram analisados ganharam força quando se somaram a esse grid de rotas e viagens. E simultaneamente se reforçaram.

A idéia de criar um site, um lugar virtual para As cidades invisíveis veio justamente para explicitar o caráter vivo dessa obra e permitir uma exploração dessa escrileitura intermitente. O site foi pensado como uma maneira de cartografar essa pesquisa e permitir que ela continue e se aprofunde. Uma maneira de investigar as conexões entre as cidades e também de investigar o percurso do nosso desejo e também para permitir que essa pesquisa avance, estabeleça as relações que, tantas, se formam e se perdem no decorrer do percurso.

O leitor-navegante encontra o diagrama com as 55 cidades. Nele pode clicar na cidade que desejar para iniciar o seu percurso. Dali pode tomar a rota do livro, ou seguir pelas colunas dos temas, ou pelas diagonais de ordem numérica. Pode saltar de um trajeto para o outro.

Ao selecionar uma cidade, poderá ler seu texto na íntegra. O projeto gráfico busca cartografar os recursos de composição das cidades, diagramar as relações estabelecidas entre o texto literário e a leitura realizada.

As cidades invisíveis se localizam num não-lugar, sua cartografia, sugerida nesse trabalho é, portanto, uma pesquisa sobre linguagem.

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