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secao 4!

Dos Retratos da Cidade à Intervenção Urbana:

Paisagem e Patrimônio em Bariri (SP)

Felipe Zene Motta

Luís Antônio Jorge

Espaço, Lugar e Memória

A passagem do tempo pode transformar a arquitetura enquanto forma. É possível ver construções que permaneceram intactas com o passar dos anos, outras que se desfiguraram parcialmente (a ponto de ainda identificarmos a original), outras que se desfiguraram totalmente (quando não mais identificamos sua expressão original) e outras que se perderam completamente (que vieram ao chão, não existem mais). A mutabilidade da arquitetura (no grau que seja) acontece pela ação do homem ou pela ação do tempo. O tempo, porém, só é capaz de mudar a arquitetura se nós, homens, nada fizermos para evitar que isso aconteça. Temos o conhecimento técnico necessário para reverter a ação degenerativa do tempo sobre uma arquitetura: temos meios para preservá-la, restaurá-la e até mesmo reconstruí-la de forma idêntica àquela que um dia existiu. Cabe a nós arquitetos, entretanto, definir quando devemos utilizar essa técnica que possuímos para recuperar arquiteturas enquanto espaço físico. Cabe a nós identificar os seus reais valores para definirmos o que vale ou não ser preservado.

Entretanto a arquitetura não se dá apenas pelo aspecto formal de suas construções. Existem outros valores que também tm papel definidor do lugar que a arquitetura faz acontecer. Em muitos casos, mesmo que uma arquitetura tenha mantido sua forma original ao longo de sua existência, não mais identificamos nela sua vocação ou expressão original, seja pelo seu uso que se modificou, ou por algum acontecimento importante que tenha indissociavelmente se atrelado à memória das pessoas sob o lugar. O espaço físico pode ter permanecido o mesmo, mas a ideia original dela como lugar não existe mais. E nessas situações o papel do arquiteto como interventor é tão importante quanto no primeiro caso. Afinal uma obra arquitetônica só se sustenta quando ela faz parte da vida humana. Não nos interessa preservar um espaço intacto, intocável e morto, pois isso afastará cada vez mais as pessoas do lugar, e isso tenderá inevitavelmente ao seu abandono. E quando isso acontece, não é só a ideia do lugar que se perderá, mas seu patrimônio físico não terá mais valor aos homens, que dele estarão cada vez mais distantes, física ou espiritualmente.

Ao intervir em situações como essas, devemos levar em conta que não nos cabe apenas interpretar a forma da construção para embasar o projeto. A memória coletiva, fruto imaterial da passagem do tempo, adquirida ao longo da trajetória do lugar é um dado crucial e determinante a ser levado em conta também: ela pode revelar bens que passariam imperceptíveis aos olhos estrangeiros de quem está fazendo o projeto.

O desafio do arquiteto, entretanto, não é apenas esse. Ao assimilar a cultura e memória local e abstraí-las em valores arquitetônicos, o arquiteto jamais deve sintetizar o produto dessa abstração em uma linguagem de projeto que não a contemporânea. Afinal, ao considerarmos a arquitetura como um elemento tão importante na história do lugar quanto dos seus personagens, fazer com que se confunda o tempo de cada ação arquitetônica realizada é confundir a história em si.

As intervenções arquitetônicas contemporâneas não podem deixar dúvidas quanto ao tempo a que pertencem. Esse é, além de um ato de respeito à história do lugar, a melhor forma para que a arquitetura de tempos passados (tanto na sua forma quanto na sua memória) seja preservada, compreendida, autenticada e valorizada.

Museu da cidade

O conjunto de três silos localizados no centro do parque abrigará o Museu da Cidade de Bariri. A escolha dessas estruturas se deu ao fato de sua posição e presena na cidade possibilitar ao visitante o estabelecimento de uma constante relação entre o que se vê no interior das salas expositivas e no que se pode observar da cidade real, que envolve a construão, de forma que durante a visita seja possível traar um paralelo entre o passado e o presente da cidade.

O entendimento da relação entre os silos e seu entorno pautou o partido da intervenão arquitetônica. A primeira ideia consistiu na criação de várias passarelas externas aos silos, totalmente abertas para o exterior, de forma a maximizar o contato do museu com o entorno. Entretanto, após os primeiros esboços, pode se perceber que tal opção acabava por banalizar a vista da cidade, tirando assim seu valor enquanto peça museográfica, além de quebrar demasiadamente a unidade formal dos silos, patrimônio da paisagem baririense.

Optou-se, portanto, por reduzir o contato com o exterior durante o percurso expositivo a apenas quatro vistas, cada uma direcionada a um lado diferente da cidade (norte, sul, leste e oeste). Ao entender a fotografia como a escolha de um olhar a um determinado objeto, a arquitetura do museu, através dessas aberturas, oferece ao visitante quatro imagens selecionadas da cidade. Assim como a cidade do passado, exposta através das fotografias históricas no interior do museu, a cidade do presente também é exposta ao visitante, nessas situações de contato com o exterior.

Esses quatro momentos de reflexão sobre a cidade atual e descanso mental ao longo da exposião acontecem em duas passagens diagonais que tangenciam os silos. Tratam-se de passarelas de concreto de seção quadrada de 2,5 m de lado, fechadas em sua extensão maior e abertas nas suas extremidades, de onde se tem as vistas. Elas avançam para fora dos silos em balanços de 8 m, garantindo assim uma visão panorâmica desimpedida, sem interferência da própria construão do museu.

A presença das passarelas em balanço é sutil, dadas as grandes dimensões dos silos, entretanto ela se amplifica com sua sombra projetada nas superfícies curvas, resultando em formas inesperadas, que se modificam ao longo do dia. Elas podem ser entendidas como os olhos do museu, que estão constantemente observando a cidade e resgistrando sua história, para então contar o que se viu em seu interior.

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