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secao 4!

CORPO E ESPACO:

EXPERIMENTOS PARA UMA INDUMENTARIA MODULAR PARA A CIDADE DE SAO PAULO

ITALO MASSARU HANAYAMA

LUIS ANTONIO JORGE

A arquitetura, sendo uma das mais presentes manifestações visuais na cidade, desempenha um papel de grande importância na construção identitária de uma sociedade. A metodologia e o pensamento aplicados na construção de um edifício propiciam um excelente campo para estudar como as pessoas interpretam determinada forma de cultura, forma esta que também inclui normas sobre a aparência que se considera apropriada num determinado período [o que é conhecido como moda]. O projeto que compõe este Trabalho Final de Graduação partiu de um interesse em compreender as intersecções existentes entre a arquitetura e a moda. De imediato compreendidas como atividades distintas, no entanto, no decorrer de um estudo mais aproximado é possível verificar pontos de convergência de referências e ideias, bem como um fluxo de influências identificáveis em ambas as áreas.

O estudo dos diálogos estabelecidos entre as duas atividades se deu inicialmente com uma investigação dos paralelos visuais. A partir deles, foi possível aprofundar a questão, compreender os discursos envolvidos e representados em cada uma dessas manifestações e detectar convergências não apenas estéticas, mas essencialmente ideológicas. Ideológicas na maneira como ambas se relacionam com a cidade, com seu contexto urbano, e respondem à problemática contemporânea. A referência imediata para este binômio moda-cidade no contexto brasileiro foi a Experiência nº3 de Flavio de Carvalho. Realizada em outubro de 1956, tratava-se de uma intervenção performática que girava em torno do vestuário, sendo o clímax de uma longa reflexão do artista sobre a história e os significados da roupa. O processo de elaboração teórica culminou na criação de um traje e a realização de uma performance na rua. Simultaneamente às suas especulações, a vestimenta era um assunto pensado também por Gilberto Freyre e por Pietro Maria Bardi no MASP, onde foi realizado um desfile de moda francesa, em 1951. Em seguida, Bardi, que considerava a moda como protoplasma da arte, organizou um núcleo para estudo e criação de um estilo brasileiro de vestir. Foi montado um núcleo para pensar uma moda inspirada no povo: jagunços, cangaceiros. Pode-se dizer que, na Experiência nº3, Flavio não só investiu ironicamente contra a roupa copiada da Europa que se usava no Brasil, mas também criticou a “moda brasileira” que se propunha nos ateliês do Museu.

Hoje vive-se num mundo de dinâmicas completamente diferentes, sujeito aos efeitos da globalização; o conceito de fronteira foi relativizado, de forma que as metrópoles mundiais se apresentam cada vez mais semelhantes umas às outras do que propriamente com as demais cidades de um mesmo território nacional: Londres pouco tem a ver com outras cidades inglesas, Tóquio é um histérico grito da modernidade ocidental dentro da tradição japonesa, mas o skyline de São Paulo é perfeitamente comparável ao de Nova York. Evidentemente cada uma destas cidades apresenta sinais característicos da nação a que pertencem, porém as semelhanças mais substanciais - aquelas que definem o espaço urbano enquanto uma cidade moderna -, estas sim unem as grandes metrópoles do mundo. Portanto, já não é mais possível identificar uma roupa e classificá-la imediatamente como “europeia” ou “americana”. O que existe é uma peça com um “estilo francês”, por exemplo, que pode ser apresentada em Paris, mas ter sido desenhada por um belga, costurada na Indonésia com fibras tecidas na China, embalada na Turquia, e finalmente comercializada em lojas [físicas ou virtuais] dos quatro cantos do mundo. Por esse viés, as reflexões de Flavio Carvalho acerca da ideia de definição de uma identidade da moda brasileira, desvinculada das diretrizes européias, perdem o sentido. Entretanto, a pertinência de se criar um projeto de uma vestimenta própria para os brasileiros, adequada ao seu clima e à sua maneira de viver, permanece em pauta.

Imaginou-se uma nova maneira de pensar a roupa: uma vestimenta simplificada ao mínimo, porém de alta versatilidade, em que cada peça pudesse ser reconfigurada por meio de mecanismos que possibilitassem a otimização de seu uso, como uma estratégia adotada para a vivência e o diálogo com as dinâmicas próprias do cenário paulistano. Esta ideia foi sintetizada também por Helio Oiticica em seus Parangolés: eram relacionados, essencialmente – mais do que à cor, à percepção do corpo, dança ou música –, à arquitetura das favelas, ao urbano precário, à vivência da cidade e à arte das ruas. Na sua invenção não havia a busca pelo traje, mas a ideia de vestimentas, que de forma mínima abrigassem as pessoas. Se a arquitetura abriga o sujeito da cidade numa instância macro, a roupa desempenha o mesmo papel numa escala do indivíduo, compartilhando pensamentos análogos.

O zíper é claramente um objeto que se aplica na modernidade industrial para favorecer as práticas de vestimentas rápidas. Portanto, a escolha por sua aplicação neste projeto foi uma decisão natural. Todavia, posteriormente se pensou em utilizá-lo como elemento principal da vestimenta, tirando partido de suas possibilidades para viabilizar as metamorfoses imaginadas para a peça, como pode ser observado nas obras de Nelson Leirner. O projeto então começou a ser esboçado sobre as bases dos desenhos técnicos de modelagem. A partir das planificações pré-existentes de itens clássicos da indumentária, analisou-se os encontros de traçados, semelhanças de contorno dos moldes, para então adaptar curvas, retificar cavas e prolongar arestas, a fim de conceber peças que pudessem ser montadas em diferentes configurações.

Para a etapa seguinte do projeto, foi aberta a possibilidade de desenvolver uma vestimenta para cada estação do ano [primavera, verão, outono e inverno], seguindo todas a mesma diretriz do primeiro estudo, utilizando o zíper como elemento primordial para as transformações necessárias. Para cada estação foi eleita uma fibra natural, aquela que fosse a mais adequada para cada situação10. Ao explorar suas possibilidades e respeitar as limitações, a fibra sugeriria os desenhos das peças. Dessa forma, foi estabelecido o uso do algodão para a primavera, a seda para o verão, o linho para o outono e a lã para o inverno. Debruçado novamente sobre os moldes, foi encontrada uma dificuldade em desenvolver novas possibilidades de re-combinação entre as peças, diante das limitações impostas pela modelagem padrão. Logo, experimentou-se simplificar as peças a módulos de formas geométricas puras, e testá-las sobre um manequim, abstraindo ideias pré-definidas do desenho de uma roupa e permitindo, assim, imaginar inéditos contornos de vestimentas. O resultado deste segundo estudo comprovou a dificuldade existente na representação da tridimensionalidade da roupa no plano trabalhado na modelagem, uma vez que esta nada mais é do que a planificação de determinadas peças básicas de roupas. Ou seja, manipular os moldes significa, necessariamente, estar sujeito às formas padronizadas da indumentária. Nesse sentido, a radicalização geométrica dos módulos, bem como sua manipulação diretamente sobre o manequim, foi essencial e necessária para potencializar as possibilidades de experimentação da forma e transpor o imaginário para o modelo, sem transitar pelas adversidades da representação no papel. Neste momento, então, se buscou a dimensão a partir das superfícies; o plano deixara de ser a representação do volume para, explorando sua plasticidade, passar a ser sua parte componente.

Foram criadas quatro vestimentas, cada uma feita unicamente por módulos de determinada forma geométrica e inteiramente confeccionada num determinado tecido, de acordo com sua estação do ano correspondente. Num segundo momento, seriam desmontados de suas composições originais e rearranjados de maneira a gerar novas vestimentas. Tais novas vestimentas seriam, diferentemente das composições originais, composições “híbridas”, ou seja, seu todo não seria mais o resultado de uma mesma forma geométrica, e sim, o resultado de várias formas geométricas – e tecidos – diferentes. Este processo de construção, desconstrução e reconstrução seria viabilizado por meio da aplicação de zíperes em todas as arestas de todos os módulos permitindo, assim, experimentar infinitas combinações, num jogo de formas semelhante ao tangram. A partir da definição destas diretrizes foram desenvolvidos os quatro projetos e, por conseguinte, os inúmeros rearranjos de peças, gerando infinitas possibilidades de composição de vestimentas “híbridas”, tantas quantas permitirem os módulos. Estas desconstruções e reconstruções dos módulos podem ser vistas como metáforas do quadro climático, bem como se relacionam com a vivência em São Paulo e sua dinâmica urbana. Os patchworks gerados pelas combinações de formas e texturas figuram não apenas a sua heterogeneidade cultural, étnica, social, mas seu movimento – a ação de montar e desmontar – também representa a cidade enquanto um organismo vivo, de fluxo ininterrupto e constante mutação.

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