Este trabalho se insere em uma das diferentes áreas de atuação do arquiteto e urbanista: a cenografia teatral.
As premissas que orientaram sua idealização foram: a integração entre faculdades; a utilização de objetos pós-consumo; a concretização de um projeto e a inserção das artes na cidade.
O resultado foi o projeto e a produção do cenário para a peça de teatro “Leques Trocados”, que esteve em cartaz em novembro de 2010, no Teatro Laboratório da ECA na Cidade Universitária.
Onze alunos de diferentes cursos se uniram durante todo o ano para desenvolver a peça, que foi trabalho final de duas alunas, este TFG e o Plano Teatral para conclusão do Bacharelado em Direção Teatral de Daniela Lobo, da ECA-USP.
Desde o começo foram trabalhadas as diferentes partes constituintes do espetáculo: figurino, sonoplastia, cenário, iluminação, trabalho corporal, trabalho vocal, encenação.
A peça escolhida foi “Hanjo: os leques trocados” (1956) de Yukio Mishima.
Na utilização de objetos pós-consumo foi buscada a não explicitação de sua origem. Explorou-se encarar o objeto como matéria-prima, desconstruí-lo e transformá-lo a ponto de fazer com que se perca a relação direta com sua forma inicial.
O cenário se desenvolveu a partir da interpretação da espera como tema central da peça e pela preferência pelo mundo particular em relação ao mundo real.
As inspirações para os primeiros esboços foram a bolha e o aquário como representações simbólicas da valorização do mundo individual, o que foi materializado em potes de vidro.
Enfileirados, esses potes fazem a delimitação espacial da casa de uma das personagens e dentro deles há luz, que pode acender e apagar durante a peça. Tiras de garrafas PET refletem a luz vinda da base.
A princípio a casa seria um quadrado com uma abertura central em um dos lados, simbolizando a porta de entrada. Essa porta acabou caminhando para o canto e depois, somou-se mais uma porta, motivada por um detalhe do texto. Em croquis o cenário se configurava como duas letras “L” dispostas simetricamente, que não se tocavam, deixando o espaço das passagens.
Este desenho permitiu a rotação das laterais, gerando novas conformações do espaço. Estabelecidos os movimentos possíveis, foi feito um modelo em escala real em papelão e madeira para os ensaios.
Assim, a cena e a conformação espacial puderam ser criadas simultaneamente, o que gerou um grande salto no processo.
A exploração do modelo por parte dos atores e da direção é um exemplo da potência que um trabalho ganha quando é discutido coletivamente. Ação e espaço se interligaram de tal forma que ficou claro que se fosse trabalhado por apenas um dos lados não teria a mesma força.
Assim que foram definidas estas características do projeto teve início a fase de detalhamento e produção.
Para arrecadar verba foi produzido um brinquedo que faz grandes bolhas de sabão (www.bigbolha.com.br). Quase uma centena de unidades foi vendida, o que permitiu a opção de iluminação por LEDs, mais cara que por lâmpadas fluorescentes.
Foram abertas várias frentes de trabalho: a arrecadação dos potes e garrafas, o projeto do perfil metálico e dos circuitos, a pesquisa e compra dos demais componentes.
A escolha das garrafas para as tiras levou em conta fatores externos. Há no mercado algumas opções de filetadores, que facilitam o corte, aumentam a velocidade do processo e mantêm um tamanho padrão da tira. Mas eles só conseguem cortar um dentre os vários tipos de garrafas: o que o de corpo cilíndrico.
Por isso, as garrafas cilíndricas são bastante requisitadas pelas entidades e artesãos que realizam trabalhos com PET.
Então foi decidido que elas não seriam utilizadas, para não concorrer com a demanda existente e para dar uma finalidade também para as demais garrafas, que são maioria.
Para a iluminação dos potes, dada a grande quantidade de LEDs a ser soldada e o baixo orçamento disponível, foi desenvolvida uma maneira que privilegiasse a rapidez e o baixo custo em detrimento da durabilidade e resistência que o processo normal proporcionaria.
Foram feitas placas de papel cartão preto colado com papel craft. Elas foram cortadas em octógonos e furadas. Nestas placas foram fixados os LEDs, com cola quente, para facilitar a solda, que foi feita em seguida, juntamente com a soldagem dos resistores.
Para transformar a voltagem para 12V e alimentar os pequenos circuitos foi utilizada uma fonte de computador sucateada.
A estrutura que suporta os potes foi projetada tendo-se em vista a facilidade do transporte. Cada lateral do cenário é composta por duas partes de 1,5m de comprimento, que podem ser facilmente desmontáveis, pois são fixadas por parafuso, arruela e “borboleta”.
Essa dimensão permite que o cenário seja transportado em carros populares, no banco do passageiro da frente com o encosto reclinado.
A modulação foi desenvolvida assim também porque permite que a peça seja encenada em espaços menores, neste caso utilizando apenas metade da estrutura.
Esta estrutura é formada por perfis de aço galvanizado, sarrafos de madeira em duas direções (longarinas e travessas), suportes dos rodízios e encaixes. Em cada um dos braços há três duplas de rodízios.
Os encaixes foram feitos com restos de cedrinho compradas a um preço simbólico.
Também provenientes de sobras, os eixos foram feitos a partir de uma haste e dois discos de ferro.
Durante todo o tempo da peça os três atores permanecem no palco, que foi deixado sem coxia. Os movimentos do cenário são feitos por eles próprios e geram cinco mudanças de configuração. A primeira e a última disposição dos braços são iguais, mas os atores estão posicionados de maneiras diferentes.
Ao final do trabalho foram sugeridos espaços em diferentes cidades para a encenação da peça.
A ideia é que, assim como a personagem espera, se busquem “espaços que esperam” e neles sejam feitas as apresentações.
O que se procura explorar é a atmosfera de um edifício que há muitos anos não faz outra coisa senão esperar por um uso, uma visita, ou até mesmo um fim, se nada mais lhe restar.