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secao 4!

Arquitetura da Intimidade

Pedro Stucchi Vannucchi

Agnaldo Aricê Caldas Farias

À memória de minhas avós Giuliana e Marina,
ainda vivas,
não recordam seus nomes próprios.

Acredito que este trabalho venha das veias de minhas avós, saltadas da pele pelo tempo. E, apesar de não ter tido coragem suficiente para fotografá-las, ainda assim as vejo presentes. Talvez eu as devesse ter fotografado e também ter fotografado suas casas, fazendo assim uma fusão entre as memórias de seus corpos e de seus lugares. Talvez isso fosse demasiado literal. Para falar da passagem do tempo e da memória, nos corpos humanos e construídos, também posso criar histórias que não existiram, cruzar pessoas e lugares que não se conhecem; lembro-me de um professor comentando a abertura dos filmes de ficção: "todas as histórias sao baseadas em fatos reais".

Mas além das veias de minhas avós, poderia ter citado o tártaro nos meus dentes, as micoses nos nossos pés, as veias estouradas em narizes ou pênis, os pelos que crescem esparsos e depois se tornam densos (ou os que continuam esparsos), e os que caem do corpo, para se juntar a outros pelos no chão; uma rachadura na parede da sala, os tetos mofados dos banheiros, a gordura dos cães que aderiu à parede, as marcas de mãos ao redor da cama. Também poderia ter falado daquele parafuso que rasgou a parede, deixando aparente seu interior, ou do cano que estourou, fazendo jorrar uma água incontrolável e destruído assim os azulejos e a massa que o envolvia. São feridas, cicatrizes, rejuntes, bolores, cimento, tijolos, sangue, pelos.

Falar da intimidade da arquitetura, ou de uma arquitetura da intimidade, é falar de uma memória que habita o corpo e de uma memória que habita a própria arquitetura; uma arquitetura suja como o homem, com suas intimidades, alma, desejos, problemas - e matéria, que se degrada. Do humano na arquitetura, mas não como um padrão de medida, não como um humano funcional, nem de uma arquitetura com formas mais adequadas ao homem e à sua natureza, mas sim de um humano que incomoda, ainda mais quando visto de perto.

Peu

A idéia inicial para este trabalho foi a de realizar uma troca de texturas entre corpo humano e arquitetura, através da projeção de uma fotografia de um desses tipos de textura no outro, promovendo assim um intercâmbio de peles entre ambos. Com a pesquisa realizada através da prática fotográfica, o trabalho foi sendo desenvolvido e ganhando um significado mais palpável. Assim essas superfícies que inicialmente eram praticamente aleatórias foram sendo selecionadas e após um grande e intenso trabalho fotográfico, foi construído um significado pelo conjunto de imagens geradas ao longo do trabalho. Durante essa pesquisa surgiram diversas opções de caminhos e desta maneira foram realizadas determinadas escolhas que posteriormente resultaram em um trabalho com determinada unidade.

Assim, este trabalho estabelece uma relação entre corpo e arquitetura, buscando através da construção de imagens fotográficas criar um discurso ficcional que trate da matéria que compõem ambos e da ação da passagem do tempo sobre essa matéria.

A intimidade, tanto do corpo, quanto da arquitetura, foi escolhida para falar dessa matéria e desse tempo. As imagens são inicialmente realizadas de forma aproximada e posteriormente projetadas no outro suporte; assim temos imagens intimas do corpo humano projetadas sobre suportes arquitetônicos e imagens intimas da arquitetura projetadas sobre o corpo humano, então essas projeções são fotografadas e as imagens resultantes são as imagens finais que carregam o conceito deste trabalho.

Com ênfase aos lugares abandonados, provisórios e temporários; a intenção do trabalho é explicitar a degradação resultante da passagem do tempo e assim lembrar do incomodo que tal passagem gera no ser humano e das memórias que tanto ele quanto a arquitetura carregam em seus corpos.

É importante ressaltar que este trabalho não está diretamente vinculado (pelo menos não de forma consciente) a alguma teoria ou tese; e não busca defender uma idéia ou ideal, mas sim expressar caminhos, idéias, sonhos e possibilidades. As buscas deste trabalho não se contem em referências diretas, nem no âmbito de seus pares (fotógrafos, artistas e etc.) nem no âmbito da teoria; os textos que fazem parte deste trabalho e que não são de autoria própria, não foram especificamente procurados para compor este trabalho, mas desde muito tempo acompanham o autor, e neste momento auxiliam a dar vazão ao conteúdo pretendido por meio das palavras de outrem; ainda que obviamente estes textos tenham conteúdos e imagens que apontem também para outros caminhos, sentidos e direções.

A importância deste "Trabalho Final de Graduação" neste preciso momento, vai para além de encerrar um ciclo de vida, mas também para mostrar as possibilidades de trabalho daqui para frente. Se até então, o autor se encontrava em um determinado rumo, esse trabalho o fez ruminar, pensar e produzir de maneira diferente da qual estava se habituando a fazer. A fotografia de arquitetura, principalmente quando há um cliente, pressupõe por vezes cumprir determinados fatores para que o cliente se satisfaça, que vão desde uma acuidade plástica, com uma fruição estética da foto, até o objetivo de que aquela arquitetura apresente o máximo de limpeza, monumentalidade, perenidade, tendo quase que um caráter atemporal.

Feitas em geral sob a luz do sol, ou do lusco-fusco, de preferência em dias de céu limpo, evitando-se a distorção entre a proporção das distâncias dos diferentes planos, a fotografia de arquitetura comercialmente aceita apresenta características opostas às pretendidas nesse trabalho. E mesmo que o seu contraditório realizador continue produzindo a fotografia de arquitetura comercial - dessa arquitetura limpa e atemporal - inclusive com o mesmo equipamento, ainda que a lente macro não seja habitualmente utilizada na fotografia de arquitetura e, em geral, a sua intimidade e seus problemas não sejam revelados; esse trabalho tem uma importância visceral por apontar outros caminhos e possibilidades.

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