reflexão sobre intervenção artística na cidade contemporânea
Amanda Steinmeyer Antunes
Clice de Toledo Sanjar Mazzilli
O trabalho final de graduação da FAU é uma reflexão sobre as possibilidades de experimentação de linguagens híbridas, entre artes plásticas, cênicas, arquitetura, urbanismo e intervenções na cidade, no sentido de abrir frestas para se pensar o futuro das cidades e da atuação hoje do artista-arquiteto-urbanista.
O fundamento desse pensamento parte de uma análise sobre a cidade contemporânea e suas transformações nas últimas décadas, a partir da visão de alguns arquitetos urbanistas. E por outro lado, da visão crítica da Internacional Situacionista (IS), formada na década de 1950 por um grupo de artistas, pensadores e ativistas. "A irônica crítica urbana situacionista parece ainda tão atual", por atacar, como escreve a urbanista Paola Berenstein, "os primórdios dessa nova espetacularização urbana contemporânea".
A prática situacionista, nesse estudo, é inserida na trajetória dos "errantes", os artistas que, como pontua Paola Berenstein, tinham uma atitude crítica ao urbanismo da "ordem", engendrando novas formas de "estar" na rua e na cidade. Para a urbanista, Charles Baudelaire, André Breton, Flávio de Carvalho e Hélio Oiticica são parte dessa trajetória.
Dentro de conceito do "errar" na cidade como contraposição à ordem, faz-se um recorte para estudar Hélio Oiticica, especificamente seus textos e ações dos anos 70, momento em que ele se encontrava em Nova York e em contato com as idéias de Guy Debord e dos Situacionistas. Além disso, apoiando-se na relação arte, crítica urbana situacionista e ação na cidade, estudam-se as intervenções artísticas do norte-americano Gordon Matta-Clark, também nos anos 70, e de Francis Alys, artista contemporâneo que vive no México.
Uma referência para esse estudo, de atuação hoje na cidade de São Paulo, é a trajetória do Teatro da Vertigem que desenvolve há vinte anos uma pesquisa cênica em espaços na cidade. Fizeram espetáculos em espaços considerados residuais e em estado de abandono, trazendo novos olhares para a relação arte e atuação na cidade.
Paralelamente a esse estudo sobre a cidade contemporânea e das referências artísticas, foi feita uma livre sistematização do processo de criação da intervenção artística Cidade Submersa, um projeto de alguns criadores do Teatro da Vertigem, no qual fui convidada a desenvolver a direção de arte em processo colaborativo. Cidade Submersa é um projeto de intervenção no terreno da antiga rodoviária da Luz, em frente à Sala São Paulo, em estado de demolição, que aconteceu na mesma semana da entrega do TFG, no dia 24 de junho de 2011.
Como forma de pensar sobre a intervenção artística na cidade, dentro dessa visão crítica ao urbanismo contemporâneo e a sociedade do espetáculo, levantam-se questões sobre a linguagem da intervenção e dos conceitos que em processo colaborativo desenhou-se para a criação dessa experiência nesse lugar da cidade de São Paulo.
O entendimento da cidade contemporânea a partir da visão investigativa e sarcástica de Rem Koolhaas, que nos mostra como a única atividade pública que restou na cidade ocidental é o shopping enquanto conceito de espaço e ao mesmo tempo, a sobrevivência do caótico, das ruínas e da falência do planejamento urbano "exemplificados" na cidade-paradigma Lagos, traz apontamentos pra refletir sobre o terreno da intervenção Cidade Submersa.
Ao olhar para a história do lugar percebe-se a tentativa de reconstruir um espaço a partir de um novo signo, como uma substituição de imagens para sustentar a "idéia" que se quer que se tenha do lugar. Um decai, outro se ergue. Ao longo de 50 anos: rodoviária, shopping, agora desapropriação e demolição para a construção do complexo cultural, o Teatro da Dança.
Em contraposição a efemeridade desses signos e imagens, desejou-se criar com a intervenção uma sensação de um tempo em suspensão, extra-cotidiano para poder olhar para as contradições da cidade. A criação de uma situação e um jogo, como crítica urbana, a partir da referência dos situacionistas foram o principal norte para a intervenção artística.
Diante da pergunta principal do trabalho, como atuar na cidade enquanto arquiteto-urbanista, não sendo mero-espectador, as intervenções artísticas, geradoras de tensões no espaço urbano, apontam formas de pensar uma ressignificação da arquitetura e do urbanismo, frente a um processo de crise das cidades contemporâneas e parecem impulsionar, assim, para um caminho, ainda a ser descoberto.
interior shopping da luz antes da demolição / FOTO: Renato Negrão / TRATAMENTO IMAGEM: autora
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