Paisagens com figuras
Juliana Fernandes Silveira
Luís Antônio Jorge
O presente trabalho é um exercício de projeto expográfico, partindo da escolha de um tema relevante a ser abordado por uma exposição – a obra poética de João Cabral de Melo Neto – e de um lugar pertinente para realizar tal mostra – a sala de exposições temporárias do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Dentre os escritores que ainda não foram homenageados com uma exposição, muitos poderiam ter sido escolhidos. Mas talvez o fato de João Cabral de Melo Neto ser chamado “poeta engenheiro” ou “poeta arquiteto”, tenha sido uma provocação maior para escolher este poeta tão racional e metódico. Um poeta arquiteto.
A partir de então, passou-se a analisar a obra do poeta e diplomata pernambucano. O primeiro critério de agrupamento de suas publicações foi o cronológico, o que logo se mostrou insuficiente, já que João Cabral possuía alguns eixos de pesquisa poética que o acompanharam do início ao fim da carreira. Assim, acrescentou-se à cronologia a análise das temáticas abordadas e das formas de pesquisa de uma linguagem própria cabralina, resultando em cinco instalações: "Morte e vida severina", "Intimidade", "O cão sem plumas", "Poeta arquiteto" e "Sevilhizar o mundo".
Como a sala de exposições temporárias do Museu da Língua conforma um circuito circular de visitação, a primeira instalação é também a última. A sala possui, quase que em seu centro, o bloco formado por caixa de escadas e sanitários.
E, levando-se em conta que o público primordial do Museu está em idade escolar, ou seja, entre 6 e 17 anos, e que "Morte e vida severina" foi o poema que deu a João Cabral reconhecimento mundial, decidiu-se por começar o percurso expositivo pelo sertão nordestino. Em seguida, numa desconstrução da imagem de poeta do sertão e da crítica social e histórica, a instalação "Intimidade" mostra depoimentos do poeta, de amigos como Lêdo Ivo, da filha Inez Cabral. Um novo João Cabral se apresenta ao visitante, aquele que sofre com dores de cabeça por toda a vida, aquele que era diplomata mas detestava viajar, aquele que considerava um castigo ter ficado cego no fim da vida e não suportava música, aquele que se apaixonou por Sevilha e suas figuras.
Então, o visitante estaria pronto para conhecer a obra de João Cabral de Melo Neto além do Severino retirante de "Morte e vida severina", que pretende fugir da morte mas é só ela a que encontra no caminho para o Recife.
Desse modo, "O cão sem plumas" pode se materializar em um rio canalizado e invertido, pegajoso como a lama do rio Capibaribe. E todo o rigor formal da obra das décadas de 1960 e 70 se transforma em uma floresta branca de pilares, por onde se deve passear para descobrir pequenos jogos sob forma escrita ou sonora.
Por fim, chega-se à Sevilha cabralina, que apresenta as figuras que foram tão caras ao poeta: a bailadora de flamenco, o toureiro, o ferreiro. Todos eles refletiam, em seus fazeres, o próprio João Cabral e seu fazer poético: o forjar o ferro, e não fundi-lo; o fazer no extremo. Assim, o poeta escrevia metapoesia observando esses outros fazeres. Por isso “Sevilhizar o mundo” é uma sala com suas maiores dimensões cobertas por videowalls atrás de vidros com películas espelhadas. Pois o visitante pode ver uma baile flamenco ou uma tourada, pode mesmo ler um poema, e ver sua própria imagem refletida sobre o que está assistindo, literalmente vendo através do espelho.
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