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secao 4!

Centro de Cultura Brasil-Bolívia:

uma praça, dois países, outra cultura

Rebeca Grinspum

Angelo Bucci

Através de viagens, cursos, oficinas e intercâmbio construí um forte vínculo com nossos países vizinhos, aprendendo a observar suas culturas e modos de vida. O interesse de trabalhar a América do Sul despertou, principalmente, após participar de uma oficina internacional de arquitetura na Colômbia e realizar um intercâmbio na Argentina, no qual fiz parte da disciplina Taller Sudamerica, onde estudamos Puerto Quijarro, cidade emergente do leste da Bolívia, fronteira com o Brasil. Após essas importantes experiências e diferentes vivências estava claro que esse tema seria parte do meu trabalho final, de um projeto que ainda estava por vir.

O presente trabalho busca reforçar a presença de uma comunidade estrangeira na cidade pluricultural que é São Paulo, abordar a questão do “ser imigrante” na sociedade globalizada atual, propondo um centro irradiador de uma cultura distinta e que se refaz ao se encontrar com a nossa.

Os imigrantes bolivianos que vivem em São Paulo estão se misturando entre os demais, estão se fazendo cidadãos paulistanos. Vêm à procura de melhorar de vida, mudar de vida. Oriundos de uma cultura diferente trazem consigo hábitos, religiões, costumes, ideais distintos, e aqui, de alguma maneira, tentam preservá-los. Esse é o papel da Feira Kantuta: todos os domingos uma praça no Pari se transforma em um reduto boliviano, se pinta de vermelho, amarelo e verde. Local onde o paulistano é e se sente turista, sem sair de sua própria cidade.

Através de visitas à feira, da leitura de trabalhos, reportagens e de documentários realizados sobre a comunidade boliviana, me aprofundei no tema e me surpreendi com a riqueza cultural deste país. O projeto do Centro de Cultura Brasil-Bolívia foi criado para dar forma a essa transformação sócio-cultural. Espaço de trocas, de aprendizado, ele se abriria não exclusivamente para a comunidade boliviana, mas para todos os interessados neste acontecimento, nesta diversidade.

A heterogeneidade de São Paulo, tão falada e cultuada, se faz quando absorvemos novos cidadãos, vindos de diversos lados. São minorias que se aventuram nessa metrópole, sobrevivem a dificuldades, e permanecem. Quando inserimos essas minorias, fazemos cidade: “A cidade com o imigrante é, em síntese, uma cidade configurada com novos e diferentes contornos sócio-culturais e espaciais. Pensar e atuar com a DiverCidade nos coloca o desafio de lidar com a mediação entre partes e, paralelamente, gerir a delicada relação entre o passado, o presente e o que se pretende como futuro das cidades”.

Reconhecendo a imigração, estamos aprendendo a ser cidadãos, incorporando diferentes grupos à sociedade estaremos re-inventando a cidade, re-inventando a democracia2. Este trabalho apresenta-se como uma oportunidade de se fazer uma cidade mais democrática, plural.

A abertura de mais um espaço público para a cidade de São Paulo, voltado à população menos privilegiada, é um dever que tomei ao iniciar esse trabalho. Envolver diferentes grupos da sociedade, ocasionar esse encontro é uma maneira de ativação do espaço urbano.

Buscando eliminar preconceitos e promover uma integração latino-americana, nasce o Centro de Cultura Brasil-Bolívia.

Com o crescente número de visitantes atraídos pela feira, a praça pede por mais espaço. Utilizando o terreno vazio em frente à praça foi possível ampliá-la, como uma extensão do piso, passando por cima do asfalto da rua, abrindo uma nova praça, onde a rua é o palco. As atividades poderiam ocorrer ali, ou em outro lugar, é livre. As barracas da feira não devem ter uma localização fixa, elas podem formar diferentes composições neste novo espaço.

Brasileiro que nem eu, que nem quem? Essa questão, título de uma exposição que tive a oportunidade de visitar em um passeio escolar há alguns anos, ficou marcada como uma constante dúvida até hoje. Quem sou eu? Quem é o brasileiro? Ao perguntarmos a diferentes brasileiros sobre suas origens, cada um terá uma história distinta. Foram imigrantes de diversos lados, que aqui se misturaram entre índios e escravos. Uma grande mistura. Somos uma mescla de povos, de traços e culturas. Somos todos mestiços: “Nós, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado, nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo”. É um povo em constante “fazimento” segundo o antropólogo Darcy Ribeiro.

São os encontros e desencontros de povos que até hoje, através da constante mobilidade, formam o nosso povo. Os imigrantes bolivianos apresentados nesse estudo, também fazem parte desse povo brasileiro, uma vez que estão criando raízes nesta terra, constituindo uma família, realizando seu trabalho, se refazendo. Eles já não são apenas bolivianos, já absorveram novos costumes, aceitaram um novo modo de vida. Eles também são brasileiros. A praça Kantuta e o Centro de Cultura Brasil-Bolívia é a marca dessa nova miscigenação.

Acredito que uma vez que uma pessoa entra em contato com outra cultura, através das mais variadas formas - filmes, viagens, comidas, músicas, arte, feiras, trabalhos, livros, entre outros - e isso o marca, sensibiliza, vai formar parte da sua pessoa. São fragmentos diversos que compõem o ser humano. Eu não sou apenas brasileira: quando vou a um restaurante japonês, eu sou um pouco japonesa; se me deparo com uma apresentação de música peruana em uma calçada qualquer da cidade, eu sou um pouco peruana; se assisto a um filme iraniano, eu sou um pouco iraniana. Essa é a beleza do ser humano, é saber ver, ouvir, sentir e aprender. Assim, quando um cidadão paulistano vai visitar a feira Kantuta, ele também sairá de lá um pouco boliviano.

O homem é por si curioso, sempre está atrás de algo novo. Com a facilidade de trocas de informações na nossa sociedade globalizada, é possível descobrir cada vez mais novas culturas, outros hábitos, entrar em contato com o que nos é novo. E se aprendermos a conviver com o diferente, a Terra ainda dará muitas voltas.

Ao respeitar o outro, também estou me respeitando. A troca é mútua, porque o outro também sou eu.

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