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secao 4!

Ilustrações para um conto de João Guimarães Rosa

Sandra Maria Lorenzon Jávera

Luís Antônio Jorge

A proposta inicial deste trabalho era criar brinquedos infantis e objetos, em especial figurativos, como bonecos e marionetes. Os brinquedos Aladdin, do artista uruguaio Joaquín Torres García e O Circo, de Alexander Calder, foram minhas primeiras referências.

Fascinavam-me, além dos objetos, artistas que trabalhavam com o desenho. Em um restaurante descobri o trabalho de Zica Bergami. O desenho da artista costuma reunir diversas personagens num ambiente popular. A perspectiva distorcida e o traço remetem ao universo da criança, assim como os bonecos que havia pesquisado.

O Circo do Calder e os desenhos da Zica Bergami tinham em comum a reunião de diversas personagens num mesmo espaço. A grande quantidade de figuras dividindo um ambiente comum cria vida, movimento. Percebi, assim, que me interessava mais a relação dos objetos entre si e com o espaço do que cada um deles isoladamente, como num brinquedo.

Paralelamente às pesquisas ligadas aos objetos e desenhos busquei trabalhos que exploravam as analogias entre o formato de livros e o conteúdo abordado neles.

Escolhi o conto Partida do audaz navegante, do livro Primeiras Estórias, para ilustrar no meu trabalho final. A prosa poética de Guimarães Rosa tinha exatamente o espírito do trabalho que eu buscava.

Fiz uma sequência de doze desenhos depois de algumas leituras do conto. Esses desenhos, mais detalhados, descreviam muito as personagens, o que as enrijecia numa única expressão. O texto, por ser poético, dialogaria melhor com desenhos mais sintéticos.

A sonoridade do texto, outra marca importante na obra de Guimarães Rosa, também deveria aparecer nos desenhos. Dos doze realizados, dois deles -mais abstratos e com traços mais ritmados- traduziam melhor essa característica.

Alguns mistérios e reflexões do texto se perderiam num desenho detalhado. Nas ilustrações de Luís Jardim para o livro Primeiras Estórias cada conto foi sintetizado num pequeno desenho. Tentei fazer o mesmo para o conto que escolhera, só que com desenhos maiores, mas o resultado não me agradou. As imagens não dialogavam bem com o texto, eram muito grandes. Elas pareciam contar mais sobre o ambiente físico do que a própria história.

O conteúdo poético deveria ganhar mais atenção do que o cenário local e as personagens tornarem-se uma espécie de ícone para compartilhar com o texto sua essência.

Trabalhar com uma obra aberta foi o que me possiblitou fazer várias recriações com diferentes linguagens visuais (desenhos e fotografias). O texto de Haroldo de Campos apresenta de modo revelador esse processo:
"Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de imagética visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por signo icônico aquele 'que é de certa maneira similar àquilo que o denota'). O significado, o parâmetro semântico, será apenas e tão somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora. Está-se, pois no avesso da chamada tradução literal".
CAMPOS, Haroldo. Metalinguagem. Rio de Janeiro: Cultrix: 1967.

Observei os desenhos do artista Poty, escolhido por Guimarães Rosa para ilustrar algumas de suas obras. Para o livro Grande Sertão: Veredas, Poty desenhou um mapa. O tamanho dos elementos do desenho, todos pequenos, acentuavam a impressão de grandeza do sertão. Apesar de Poty ter usado elementos da geografia local, alguns signos são universais, como o infinito, o masculino e o feminino, a estrela e a cruz. Seus desenhos, assim, foram usados como partido para os novos desenhos desenvolvidos.

Nestes desenhos procurei trabalhar com a linha mais fina e com desenhos menores e mais gestuais. Em alguns deles, mais abstratos, busquei traduzir a sonoridade do texto.

A idéia era que estes desenhos servissem como um story-board, um roteiro para as fotografias. Há, portanto, uma relação muito forte entre os objetos, sua localização no espaço, e os desenhos.

Para as fotografias finais considerei duas possibilidades. Uma, que eu experimentara anteriormente, era colocar um fundo branco para todas as fotografias e tentar uni-las em uma imagem única horizontal. Essa possibilidade implicaria fixar a máquina em determinada altura, fazendo uma fotografia panorâmica. A idéia do infinito, característica recorrente na obra de Guimarães Rosa, poderia ter como tradução gráfica um livro sanfonado bastante longo a partir de uma fotografia panorâmica. Uma dificuldade seria a diagramação do texto em cima das fotos.

A outra possibilidade era trabalhar individualmente cada fotografia, o que resultaria em perda da unidade. Todavia, essa opção permitiria explorar melhor as angulações, a luz, enfim, as possibilidades da fotografia e do 'cenário'. Acabei escolhendo esta segunda opção para poder experimentar mais e usar diferentes fundos para as fotos.

O conto tem um caráter metafísico que aparece nas falas da personagem principal, a Brejeirinha. Sua frase que melhor explica esse caráter é: 'Eu sei por que é que o ovo se parece com um espeto!'. No final do conto ela retoma essa idéia: 'Mamãe, agora eu sei, mais: que o ovo só se parece, mesmo, é com um espeto!'. Esse caráter indecifrável do texto foi explorado por meio de cenários mais abstratos. Nos desenhos a abstração se relacionava com a sonoridade do texto; nas fotografias tiveram outra intenção. É importante ressaltar que, sem a percepção do uso da abstração criada nos desenhos, eu possivelmente não haveria usado esse recurso nas fotos.

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