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secao 4!

Avenida Celso Garcia:

Estratégia de Intervenção

Adélia Midori Yamasaki

Raquel Rolnik

A renovação urbana é um dos temas em pauta na agenda de planejamento urbano, em função do esvaziamento dos centros urbanos e o desejo de recuperar suas funcionalidades. Para além da necessidade de resgatar a vitalidade dessas áreas, há por trás desse debate uma grande disputa na definição das diretrizes de intervenção, reflexo do conflito de interesses inerente à disputa pelo território. Atualmente, as experiências de intervenção urbana na capital paulista têm se dado por meio das parceiras público-privadas através das Operações Urbanas Consorciadas (OUC).

Consciente dos conflitos na disputa pelo território e a necessidade de refletir e propor formas de intervir na cidade, este trabalho elegeu como objeto de estudo um importante eixo da zona leste, a Avenida Celso Garcia. A escolha se justifica pela sua importância histórica e regional presente até os dias atuais – a conexão entre a zona leste e o centro (1) –, pelas condições físicas de deterioração dos edifícios e o esvaziamento da rua como espaço público qualificado; sua requalificação representa grande potencial para suprir diversas carências que a região leste possui.

Para definir as diretrizes de intervenção urbanística que possam dar conta de reverter o processo de degradação, considerou-se pertinente resgatar a história dos eventos que levaram o eixo à condição atual e identificar os atores sociais presentes nesse espaço.

O panorama histórico até a década de 1930 mostra que a região passou a ser ocupada ao final do século XIX, quando as primeiras indústrias se instalam em São Paulo e a classe trabalhadora habita as áreas alagadiças do Rio Tamanduateí; formam-se assim os bairros industriais e operários, em uma cidade cujo transporte público era baseado nas linhas de bondes (2).

A pesquisa apontou que o processo de esvaziamento populacional iniciou-se na década de 1930, com a periferização e o rodoviarismo (3). A periferização significou um primeiro movimento de esvaziamento populacional no eixo e a ideologia rodoviarista, a partir do Plano de Avenidas, trouxe impactos irreparáveis nas décadas posteriores (construção da Radial Leste, do Terminal Parque Dom Pedro II e fim da linha de bonde). O próprio planejamento da cidade contribuiu para a decadência do eixo, com a Lei de Zoneamento de 1972 (4) estipulando índices urbanísticos que estimulavam a verticalização, encarecendo terrenos, o que acentuou o processo de exclusão sócio-espacial. O processo de degradação atinge seu ápice nos anos 80 e 90, com a chamada “desindustrialização” (5), cujo impacto incidiu nos estabelecimentos comerciais, causando enorme declínio, pois os trabalhadores que alimentavam a atividade comercial não se encontram mais na região.

O trabalho também se pautou na análise das condições atuais e atores sociais, por meio de visitas a campo e de entrevistas com moradores e comerciantes. Foi possível observar um grande número de cortiços, a enorme dificuldade de manter pontos comerciais (6), o grave quadro de degradação dos imóveis, a transformação dos lotes industriais em condomínios verticalizados. O panorama atual apenas apresenta resquícios de uma avenida que já foi um dos melhores pontos comerciais da cidade.

A questão habitacional está presente não apenas nos cortiços, mas na história da luta pela moradia na cidade (7); foram nos bairros cortados por essa avenida que surgiram os núcleos que fundaram a ULC – Unificação da Luta de Cortiços. Uma das conquistas foi a reabilitação de um edifício que pertencia ao Banespa, transformado em edifício habitacional com 84 unidades. Outro forte elemento presente na história da região é a indústria têxtil, cujo comércio de roupas atinge escala internacional e é um forte ator na disputa pelo território na região do Brás.

A migração também se encontra bastante presente, desde a migração de nordestinos, processo que ocorre em menor escala nos dias atuais e a recente imigração de bolivianos. As entrevistas realizadas mostraram que muitos moradores atribuem a esses grupos de migrantes a razão da decadência da avenida, mostrando que o processo de degradação se deu de forma silenciosa frente à visível presença de migrantes.

Outro elemento analisado foi a legislação urbanística nas áreas lindeiras ao eixo. Os principais aspectos presentes são a existência da OUC Celso Garcia, prevista pelo Plano Diretor Estratégico de 2002, um grande número de ZEIS-3 e uma grande área onde incide o instrumento Direito de Preempção.

A pesquisa concluiu que os principais fatores que levaram à degradação da avenida foram o esvaziamento populacional (moradores e trabalhadores) e a adoção do corredor de ônibus, que emite poluentes sonoros e no ar. Assim, a proposta se ancora na adoção de um modal adequado, compreendendo a implantação do transporte público de massa como elemento de qualificação do espaço. O trabalho propõe um projeto funcional de VLT (8) com corredores segregados nas laterais, com bilhetagem nos pontos, estes últimos inseridos em praças. A linha inicia-se no Terminal Parque Dom Pedro II e encerra-se na Penha, com pontos de parada alocados a cada 700m.

As diretrizes propostas pelo plano foram aplicadas em um trecho da avenida compreendido pelo futuro Parque Belém e o Largo da Concórdia. Esse trecho foi eleito por abranger quase todas as questões comuns à avenida e apresentar alto grau de degradação física.

Uma das diretrizes foi o adensamento populacional por meio do uso habitacional, adotando-se parâmetros de uso e ocupação do solo compatíveis com a morfologia local. De forma a viabilizar um bom desenho urbano e o reparcelamento de lotes, uma possibilidade seria a adoção do instrumento de land readjustment ou reajuste fundiário, no qual há uma parceria entre os proprietários/inquilinos e o Poder Público; a imagem 9 aponta como poderia ser o traçado nas áreas industriais.A questão do espaço público foi abordada com a implantação dos pontos de VLT em praças e ciclovias conectando determinados pontos de parada às estações de metrô.

Por fim, foram estudados outros instrumentos urbanísticos que poderiam viabilizar a estratégia de intervenção. Em razão da natureza do trabalho, alguns aspectos não puderam ser aprofundados, entre eles, a gestão participativa. Ressaltamos que esse elemento é de tremenda importância para que o projeto possa responder adequadamente a população do lugar, mediando conflitos e tentando identificar as demandas, evitando a expulsão e intolerância.

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