O homem contemporâneo tem como característica marcante a crescente diversidade socio-cultural, de modos e estilos de vida. Uma família numerosa pode em dado momento diminuir de tamanho, assim como uma pessoa solteira que more sozinha pode constituir família, aumentando significativamente a necessidade de espaço e a alteração do programa. Ao longo do tempo, o ciclo familiar se transforma, cresce, diminui, enfim, se reconfigura.
A família ao longo do seu ciclo não é uma instituição estática. O núcleo familiar transforma-se a cada etapa do seu ciclo, onde há a entrada de membros e o desligamento de outros, numa dinâmica natural e necessária.
Esta crescente mobilidade da estrutura familiar e o surgimento de novos arranjos familiares, incomuns, há algumas décadas, em associação com novos hábitos e modos de vida que vem surgindo a cada dia, trazem à tona uma necessidade por projetos mais flexíveis, que atendam à nova demanda por moradia.
Os modelos de habitação que vêm sendo reproduzidos pelo mercado imobiliário atingiram um patamar tal de consolidação, economicamente viáveis e aceitos pelo mercado, que se torna desnecessária a sua reformulação? Ou será que existe a necessidade de rever o que se entende por moradia, e de adaptá-la ao homem de nosso tempo?
Os projetos habitacionais com referência ao estilo burguês do século XVIII, que se caracteriza pela tripartição em zonas (social, íntimo e serviço), bem como a subdivisão em cômodos específicos e monofuncionais reproduzidos em larga escala, não se compatibilizam de maneira satisfatória com as diversidades de usos e de necessidades presentes no modo de vida do homem contemporâneo.
A temática da flexibilidade na habitação é freqüentemente abordada neste trabalho, com o intuito de contribuir para uma dissolução da rigidez dos projetos habitacionais, tanto no âmbito do programa, como em sua concepção construtiva de modo a adaptar-se aos diversos modos de vida. Busca-se a flexibilidade em diversas escalas, desde o âmbito global da escala do edifício, até a escala do mobiliário, com o intuito de produzir uma arquitetura que assim como a sociedade, seja capaz de se transformar e de se adaptar.
Define-se como proposta deste trabalho, portanto, o desenvolvimento de um projeto de habitação modular com base em conceitos de flexibilidade, como forma de análise crítica ao modelo de habitação que vem sendo produzido atualmente, abordando a necessidade de revisão do projeto em três escalas: escala do edifício, escala do programa habitacional e escala do objeto (mobiliário). Quanto ao tipo de flexibilidade, busca-se unir em um único projeto, os três exemplos listados, itinerância, adaptabilidade e evolução.
Flexibilidade itinerante é a possibilidade de deslocamento físico, territorial da moradia. É quando há o desprendimento da habitação, com relação ao terreno, como é o caso das habitações nômades, sem território fixo. Flexibilidade adaptativa é flexibilizar sem alterar estruturalmente a arquitetura a partir do aproveitamento da situação existente, como por exemplo pelo uso de mobiliários flexíveis, plantas livres, ambientes reversíveis. Já flexibilidade evolutiva é aquela em que há a transformação física e funcional da habitação ao longo do tempo, onde se agrega área, subtrai-se quando necessário, reconfigura-se.
O projeto consiste em dois módulos pré-fabricados que se encaixam um dentro do outro, de modo a facilitar o transporte. O módulo principal é feito em madeira plástica, um material sustentável produzido a partir de resíduos plásticos industriais e reaproveitamento de matéria-prima que normalmente é descartada, como serragem. Possui uma cobertura vegetal que proporciona um melhor conforto térmico e contribui para a economia de energia. O segundo módulo é feito em estrutura metálica com cobertura em telha zipada branca isolada com lã de rocha.
Todas as laterais do módulo inicialmente são abertas, de modo que os fechamentos serão definidos de acordo com o desejo do morador, como caixilharia, painel wall, parede verde, venezianas, brises, etc. O piso é elevado, feito com madeira plástica isolada acusticamente com faixas de neoprene. A idéia de piso elevado resolve o problema das instalações elétricas e esgoto, que circulam abaixo deste piso, já que o módulo não possui paredes fixas.
O elemento fixo na habitação é a estrutura principal dos dois módulos e o núcleo hidráulico pré-fabricado. Este núcleo hidráulico é produzido em microconcreto de alto desempenho, que possibilita estruturas leves e esbeltas, com cerca de 3 cm de espessura, que são fáceis de transportar. O núcleo hidráulico conecta-se com o módulo principal como se fosse um plug.
O módulo não possui divisões internas, portanto não possui cômodos pré-definidos. Os fechamentos internos se dão por conta de divisórias leves. Esta não subdivisão em cômodos específicos visa não limitar o uso dos espaços internos do módulo.
A cozinha em muitos projetos são pré-determinadas por possuir a necessidade de definir pontos de esgoto e tubulações. Entretanto, neste projeto, desejou-se que a cuba da cozinha e o tanque para lavagem de roupas pudessem ser posicionados em diversos pontos da habitação, para facilitar a reconfiguração de layout. Para que estes elementos hidráulicos passassem de um elemento fixo para um elemento móvel na habitação, fez-se uso de um sistema de tubulações especial, o sistema pex, cuja principal característica é a maleabilidade do material, que facilita o deslocamento de um ponto a outro da habitação.
Já o sistema de esgoto não é possível se produzir em material flexível, então optou-se pela associação com a idéia de tomadas elétricas, definindo-se alguns pontos de esgoto espalhados pelo piso, onde seria possível acoplar o equipamento hidráulico desejado. Todo (ou a grande maioria) dos mobiliários sugeridos são sobre rodízios, que permitem o fácil deslocamento pela habitação.
