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secao 4!

De lá pra cá -

do olhar urbano ao percurso fotográfico no bairro do Pari

Daniele Queiroz dos Santos

Luís Antonio Jorge

Este trabalho surgiu da vontade de contar histórias da cidade.

Minha família é moradora do bairro do Pari, localizado no centro da cidade de São Paulo, há mais de 50 anos. Acompanhei, portanto, o progressivo esvaziamento da região e o descaso do poder público em relação à segurança e manutenção dos espaços públicos, como ruas e praças.

Ao mesmo tempo, na FAU, tive a área do Pari como alvo de estudo e projeto. A possibilidade de ver os dois lados da questão – os estudos acadêmicos e a vida cotidiana na área – fazia com que me deparasse com discrepâncias entre propostas e realidade. Comecei a pensar em projetos e ações que estimulassem as práticas costumeiras, a preservação do cotidiano “banal” e a permanência da população original, incentivando o uso misto dos espaços.

DE LÁ PRA CÁ

O nome do trabalho veio desse pensamento de estar em movimento o tempo todo, buscando entender o mais globalmente possível. Da caminhada à teoria, da fotografia ao mapa. Do projeto ao lugar. Da construção em comunidades à construção acadêmica.

O “de lá pra cá” também veio das conversas com os moradores do Pari, que usam muito essa expressão para representar as mudanças que foram acontecendo com o tempo. A ligação com a memória. “De lá pra cá, muita coisa mudou. O bairro não é mais o mesmo”.

O CAMINHO DA FOTOGRAFIA

Todas as fotos são analógicas. Assim, entre o tempo da foto e do objeto físico, havia a possibilidade de refletir, ler mais, estudar e internalizar sensações e conhecimentos para a próxima foto. Quando estava com os contatos em mãos, o olhar já era outro, menos ansioso em relação ao momento em que a fotografia foi tirada e isso me ajudou no processo de seleção e posterior narrativa.

PERCURSO E REPRESENTAÇÃO

Os percursos iniciais no bairro foram feitos a partir do meu reconhecimento do ponto de vista urbano. Ou seja, todas as rupturas que estudamos na FAU em aulas de planejamento urbano. Buscava como funciona um bairro no centro da cidade, como se desenvolvem as dinâmicas de pequenos comércios, indústrias, grandes vazios e estacionamentos, etc.

O segundo momento foi a busca pelas pessoas. Comecei indo atrás de grupos bem definidos que habitam o bairro, como os idosos, os imigrantes bolivianos, os coreanos e suas lojas, assim como os comerciantes de produtos especializados, os de confecção. Todos os grupos citados têm sua própria identidade, com uma organização muito visível e abordá-los como grupo me deu mais segurança para ir ao terceiro momento das caminhadas, que encarou as pessoas de forma mais individual. Assim, comecei a buscar e fotografar o barbeiro, o vendedor de discos, o catador de papelão, o feirante. Foi interessante observar a dificuldade de me acostumar com essa abordagem, pelo fato de que não estamos habituados a romper com determinada dinâmica e simplesmente ir falar com um estranho na rua.

As entrevistas tinham por objetivo “oficial” descobrir o percurso que elas achavam mais conveniente, saindo do bairro em direção ao centro da cidade. Assim, com a informação em mãos, eu fazia o mesmo caminho, tentando descobrir novas rotas dentro de um ambiente já tão conhecido para mim. Esses percursos sugeridos foram bons para “limpar o olhar”, já viciado, sempre com as mesmas ruas, os mesmo pontos de referência e caminhos. Mas a verdadeira intenção era mesmo começar uma conversa, ouvir o outro, interagir, fazer parte do local de forma mais intensa. Ouvir histórias alheias me inspirava a fotografar de forma mais intuitiva, o que é essencial se queremos buscar uma maior conexão artística com nosso trabalho.

Elaborei uma entrevista muito simples, onde perguntava: “quando falam em Pari, que palavras lhe vêm à cabeça?”. Depois perguntava o que as pessoas gostavam no bairro e ao final, pedia a elas que desenhassem um mapa com um trajeto do ponto onde elas estavam até o que elas consideravam o centro da cidade.

Essas diferenças de abordagem e de percursos não foram feitas de forma seqüencial. Na verdade elas foram feitas em conjunto. Vários percursos foram feitos a deriva, sem mapas. Outros foram feitos logo pela manhã, outros aos fins de semanas. Esses tipos de percursos aqui descritos serviram para ordenar um pouco os pensamentos sobre o que estava sendo fotografado. O maior objetivo durante todo o caminho foi conseguir perceber o lugar, perceber como ele era visto por mim e pelo o outro e, principalmente, perceber o outro e me reconhecer nele.

NARRATIVA

Fotografar também é contar histórias. Ainda era difícil unir as fotografias e fui separando-as em grandes blocos, na esperança de eles de alguma forma funcionassem depois.

Mais adiante percebi que havia dois grandes blocos de fotografias. Um falava sobre pessoas, afeto, envolvimento com o lugar. O outro mostrava o abandono, o descaso com a manutenção do lugar, a solidão e a tristeza que muitas vezes se sente caminhando por ali. A idéia inicial era fazer duplas que contrastassem lugar e pessoa.

Lendo Os Tempos da Fotografia: o Efêmero e o Perpétuo, de Boris Kossoy, percebi o que me parecia inadequado. Kossoy explica que as fotografias realmente conversam entre si e que é inútil tentar forçar certas aproximações para impor uma história. Assim, o retrato da boliviana e da senhora com o pano de prato conversam. Ambas as fotos, na idéia inicial, seriam confrontadas com outras de um lugar vazio, com um tempo suspenso. Mas agora, juntas, elas não mais se confrontam e sim dialogam. Ambas mulheres lutadoras, trabalhadoras e que mantêm vivas pequenas tradições. Elas nos contam uma história, juntas. E merecem permanecer assim.

Depois, fui buscando outras conexões, formais, estéticas e de significado. As fotos que funcionavam sozinhas viraram as entradas dos capítulos.

CONCLUSÃO

Como dito anteriormente, meu processo no TFG tornou-se um instrumento de aproximação não só do bairro do Pari, mas da cidade. O trabalho final de graduação também serviu como suporte para que eu pudesse transformar e retratar tantas histórias pelo meu ponto de vista. Os usuários, tão importante em nossos projetos e algumas vezes tão esquecidos. É para eles que projetamos, que pensamos.

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