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secao 4!

O Processo SAAL e a Questão Habitacional e Urbana no Contexto da Revolução dos Cravos

Fernando Dimiranda Boari

Vera Maria Pallamin

No segundo semestre de 2010, logo após retornar de um intercâmbio acadêmico realizado na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho, em Portugal, comecei a estagiar no LABHAB, Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAUUSP, no projeto de elaboração da publicação "Desafio para um novo Brasil urbano: produzir casas ou construir cidades.

Parâmetros de qualidade para implementação de projetos habitacionais e urbanos" coordenada pelo Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira. Buscava-se analisar criticamente a produção habitacional voltada ao segmento econômico que, depois do lançamento do "Programa Minha Casa Minha Vida" pelo governo federal, passou a atuar de maneira impactante sobre a produção e transformação das cidades brasileiras.

Durante esse período, estava em constante reflexão sobre um possível tema para este TFG. O desenvolvimento do trabalho no LABHAB mais do que me satisfazer com respostas às questões colocadas, me incentivou a pensar (e me colocar) criticamente em relação ao planejamento urbano, à habitação e à arquitetura, bem como à atuação do arquiteto nesse contexto. Nesse sentido, considerei que o TFG poderia ser importante momento para refletir sobre essas questões.

Nesse processo, percebi que trabalhar o tema do Serviço Social de Apoio Local, SAAL, poderia ser importante não só para responder às minhas próprias questões, como para lançá-lo à discussão na universidade, uma vez que quase não há nada publicado no Brasil sobre este Serviço. Além disso, poderia ser uma boa síntese da minha formação na FAU, que se pretende bastante abrangente. Ou seja, estudar o SAAL significava estudar as relações políticas, econômicas, urbanas, sociais, construtivas, arquitetônicas e mesmo do papel do arquiteto na sociedade.

Este trabalho final de graduação pretende se desenvolver sobre o Serviço Ambulatorial de Apoio Local , SAAL, implantado em Portugal na década de 1970 no contexto da Revolução dos Cravos. O SAAL constituiu-se como programa habitacional que visava diminuir o deficit da habitação naquele país, como esforço do processo revolucionário.

Logo no início das pesquisas acerca do programa, ficou clara a relação entre o SAAL e a Revolução dos Cravos, que colocou fim à ditadura de Salazar. A partir de então a população portuguesa pôde sair às ruas e manifestar suas demandas e descontentamentos. Muito se pedia nessas manifestações populares, desde direitos ao divórcio e às liberdades democráticas. Mas, o principal eco nas manifestações era pelo direito à habitação.

Cerca de 600 mil famílias viviam em condições precárias em Portugal (LEITÃO, 2010, Anexo XXIV.XXV), correspondendo a mais de 2 milhões de pessoas que significava 23% da população portuguesa, na época de 8,6 milhões de pessoas, segundo o INE, Instituto Nacional de Pesquisa. Esse nœmero viria a aumentar com a chegada dos retornados. Estes eram ex-colonos portugueses na çfrica que, com as guerras de independência e com o processo de descolonização, retornaram à metrópole empobrecidos.

Portanto, para a compreensão do SAAL enquanto instrumento da política habitacional portuguesa era preciso não só compreender o contexto histórico, a partir da Revolução dos Cravos, mas também entender as questões que envolviam a habitação e as cidades portuguesas e que motivaram o desenho do programa.

Nesse sentido, no primeiro capítulo são apresentados os antecedentes históricos do SAAL e o contexto de sua elaboração. Como dito, este Serviço está intrinsecamente relacionado ao 25 de Abril e o fim da ditadura fascista do Estado Novo português. Para compreendê-lo, é preciso voltar no tempo e contextualizá-lo com um período em que se abriram novas perspectivas para o país.

Por outro lado, é preciso confrontá-lo com os conflitos oriundos da própria Revolução. Esse programa habitacional buscou coincidir as demandas da população aos ideais socialistas da Revolução dos Cravos. Como se verificará ao longo do trabalho, não foi sem contradições que se desenvolveu tal programa. A conjuntura política apresentava suas contradições e o SAAL também.

O segundo capítulo, tem por objetivo esclarecer o que foi o processo SAAL, quais eram as intenções do programa e de que forma ele foi constituído, considerando sua dinâmica interna e os processos para o seu desenvolvimento. Para tanto, coube também analisar a questão da habitação em Portugal antes da Revolução dos Cravos e durante o período revolucionário, de modo a entender a motivação do desenho da política habitacional aqui analisada. O enquadramento do SAAL é construído a partir dessa análise contextual da questão urbana, habitacional e política e da análise do seu instrumento. Para essa abordagem se utilizam alguns recortes na definição do programa habitacional: a questão fundiária; as cooperativas e associações de moradores; as brigadas técnicas; o financiamento; o projeto ou intervenção e a construção.

No terceiro capítulo parte-se para os estudos de caso no âmbito do SAAL. Buscou-se compreender como o SAAL se materializou, quais os processos envolvidos, desde a luta da população pela moradia, até o papel dos técnicos, da população e do poder pœblico na definição e materialização dos projetos. Pretendeu-se também compreender de que forma as condicionantes urbanas contribuíram na definição dos conjuntos habitacionais. Os estudos de caso são o Bairro Portugal Novo, em Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul; o Bairro da Bouça, no Porto, SAAL/Norte e a operação Meia Praia, em Lagos, SAAL/Algarve. A escolha dos conjuntos habitacionais analisados pautou-se a partir da regionalização do programa. Assim, escolheu-se um conjunto para cada região. Buscou-se compreender alguns aspectos do SAAL a partir dessa análise, sem pretensões de esgotar o tema. Antes, pretende-se levantar questões para fomentar a discussão do Serviço e de sua política habitacional.

A partir dessa exposição, foram feitas as considerações finais deste trabalho, que consistem em uma reflexão crítica acerca do Programa. Essa avaliação crítica se faz a partir dos avanços e limites que a política habitacional alcançou. Esta abordagem retoma os recortes de análise do SAAL apontados no Capítulo 2. É também aqui que se estabelecem paralelos, no intuito de aproximar a compreensão do que foi o processo português e o olhar de um brasileiro sobre o tema. Relações estas analisadas por aproximações e diferenças, uma vez que tratam-se de contextos distintos.

Portanto, a intenção deste TFG não se trata de buscar lições do programa português para o Brasil, com o risco de cair num simplismo que desconsidera as peculiaridades de cada país. É preciso confrontá-lo com o contexto específico que Portugal vivia na época, com o desenrolar do 25 de Abril, marcado por fortes contradições. Desse conflito nasce o SAAL e em sua própria natureza afloram essas contradições.

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