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secao 4!

Somos todos arquitetos

Gabriel de Andrade Fernandes

Euler Sandeville Jr.

Entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1980 uma certa atitude perante a prática da arquitetura passou a ser recorrente entre um conjunto relevante de arquitetos, seja na esfera da prática profissional, seja na esfera da produção acadêmica. Trata-se da participação — no caso, o da participação dos sujeitos envolvidos com a arquitetura a ser produzida pelos profissionais na sua elaboração e discussão.

O tema da “participação do usuário” ganhou certo protagonismo neste período por um conjunto variado de fatores, que exploramos ao longo do trabalho. Buscamos averiguar este quadro discursivo encontrado no período, avaliando a produção teórica e prática a partir de um olhar freireano a fim de contribuir à discussão sobre a construção do que temos chamado de uma “pedagogia crítica da arquitetura”, ou seja, de uma produção dialógica do conhecimento arquitetônico. Traçamos assim nesta monografia um breve panorama das experiências e dos discursos ligados ao tema da participação no período a fim de identificar eventuais armadilhas discursivas de ordem ideológica ou conceitual e assim avançarmos no debate. Por meio da identificação de algumas tendências, ênfases e ideias-força neste conjunto de elementos destacados em nosso recorte, produzimos uma reflexão que entendemos ser relevante como contribuição ao melhor entendimento desta problemática.

Breve panorama do período estudado

Identificamos três grandes tendências ou abordagens sobre o tema da participação entre os arquitetos e os teóricos na década de 1970. A primeira destas abordagens, a que chamaremos "contraculturalista", envolvia normalmente um relacionamento estabelecido entre jovens arquitetos e estudantes e movimentos de contestação da ordem estabelecida nos países centrais, sobretudo aqueles que ficaram conhecidos como "squatters" (ou seja, movimentos — usualmente de orientação anarquista — voltados à ocupação de edifícios ociosos para fins sobretudo de moradia, mas também para fins culturais e de educação, entre outros). Destacamos a figura de Colin Ward, arquiteto anarquista britânico, que em 1976 publicou o livro Housing: an Anarchist Approach. Em certo sentido, a figura de Walter Segal também se articula a esta abordagem, pois busca a promoção da autonomia de autoconstrutores por meio de uma abordagem tecnológica do tipo "faça-você-mesmo" que privilegia a flexibilidade das soluções arquitetônicas. Cabe ainda citar o grupo ARC e o Movimento da Nova Arquitetura, ambos britânicos.

Uma outra abordagem, a que chamaremos "culturalista" em oposição à primeira, buscava nos processos participativos uma forma de legitimação da arquitetura produzida, pois tais processos confeririam a ela uma dimensão mais "humana" e menos hermética, distante de certo funcionalismo que os arquitetos agora consideravam frio e ultrapassado. Por outro lado, também envolve experiências em que as práticas participativas buscavam dotar o discurso moderno de uma certa legitimação social. Um arquiteto importante nesta trajetória é Lucien Kroll, cujos projetos vão ao longo da década de 1970 assumindo cada vez mais uma tendência a desafiar os paradigmas formais da arquitetura moderna, utilizando-se de processos de participação. Durante toda a década ele participa do projeto, da construção e da ampliação da Faculdade de Medicina da Universidade de Louvain, no qual aplica variados processos participativos nos diferentes edifícios. Embora os projetos de Kroll fossem dotados de certa dimensão política, outros arquitetos que associamos com esta vertente produzem uma arquitetura em que a participação, no fundo, é usada não para potencializar o conflito entre os seus sujeitos, mas, ao contrário, para neutralizá-lo. As possibilidades de alteração dos projetos e das obras por meio do discurso da flexibilidade espacial que tanto caracterizou este momento assumem, em alguns casos, um caráter consumista, na medida em que transformam a arquitetura em um produto a ser manipulado como qualquer outra mercadoria industrial. Neste sentido, cabe citar a experiência do projeto Molenvliet de Frans van der Werf. As ideias de Kroll foram bastante influenciadas, ainda, pelas do holandês John Habraken.

Uma terceira vertente chamamos de "tecnicista". Relacionada sobretudo com os arquitetos ligados à EDRA (Environmental Design Research Association), trata-se de uma abordagem do problema da participação que vê nele uma mera ferramenta entre tantas outras presentes na metodologia de projeto. Na medida em que burocratiza os processos participativos, transformando-os em uma mera tabulação das opiniões dos usuários, acaba por neutralizar completamente o conflito inerente à produção do espaço.

O "usuario" e o "ambiente"

Nesta breve trajetória da arquitetura participativa dos anos 1970 que traçamos encontramos algumas ideias recorrentes compondo o quadro discursivo dos arquitetos e teóricos envolvidos com o tema. Uma destas ideias é a de "ambiente": ao longo da década a arquitetura passou a ser confundida com uma mal formulada ideia de "ambiente construído". Isto relaciona-se, por exemplo, com a tentativa de dotar a arquitetura, enquanto disciplina, de uma definição epistemológica mais clara e que acabou levando, ao contrário, a um alargamento disciplinar. A segunda palavra é "usuário": trata-se de uma profunda abstração daquele que seria o participante da arquitetura. Exploramos em que sentido esta definição restrita e genérica da ideia de usuário compunha os discursos participativistas da arquitetura e a forma como ela é usada para justificar a imposição da consensos e a burocratização das decisões projetuais.

Além disso, promovemos uma breve contextualização dos autores que mais impacto e influência tiveram na definição deste quadro discursivo, apontando suas contradições e antagonismos e verificando que o tema, que costuma ser apresentado de forma homogênea e coesa, é repleto de conflitos. Tratam-se de John Turner, Christopher Alexander e Henry Sanoff (e, em menor medida, Colin Ward, Yona Friedman e John Habraken).

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