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secao 4!

A confecção de uma cadeira

Otávio Guercia Mesquita Coelho

Artur Simões Rozestraten

O objetivo deste TFG é a produção de dois objetos finais: a confecção de uma cadeira de madeira maciça e a do caderno que contextualiza e conceitua tal confecção a partir de justificativa, metodologia, discussões e desdobramentos a cerca do objeto. Julgo que as particularidades formais dessa cadeira tornaram-se irrelevantes à medida que a pesquisa acadêmica em relação ao tema evoluía. As particularidades do projeto em si, contudo, gradativamente implicaram maior aprofundamento, até que, por fim, alteraram e definiram por completo o processo construtivo da cadeira – e, consequentemente, sua forma.

O projeto da cadeira em questão difere drasticamente daquele usual na prática e no ensino da arquitetura – isto é, aquele projeto que descreve cartesianamente um objeto no espaço por meio de plantas, cortes, vistas etc. O projeto aqui proposto nasce de modo concomitante à confecção do objeto, podendo assim alterar a própria confecção ou ainda ser alterado por ela.

Parti da história da técnica em relação à construção de barcos no Brasil. A admiração pelo tema me levou a uma pesquisa de campo em meados de 2010 a respeito dos estaleiros “artesanais” da Bahia, onde foi possível identificar algumas particularidades desse tipo de confecção. De uma qualidade impressionante, tais embarcações navegavam tão bem em nosso litoral como no mar Mediterrâneo ou mesmo por viagens transoceânicas. São duas suas características mais marcantes. Primeiramente, o fato de os barcos serem feitos “sem desenho” (isto é, sem o nosso tão usual projeto). Em segundo lugar, os barcos são construídos por “analfabetos”, e sem nenhum auxílio de um “sujeito instruído” (sem o nosso engenheiro).

A partir destas constatações – e voltando-me para o estudo e a prática da marcenaria, outro tema pelo qual muito me interesso –, pude levantar então as seguintes questões: Seria possível construir uma cadeira “sem desenho”? Não há mesmo um desenho na construção naval tradicional (ou construção tradicional de qualquer objeto) quando não existe o “nosso desenho usual” ou será que, em seu lugar, existe um tipo particular de desenho, um desenho prático? E, por fim, que tipo de ferramental intelectual era particular àquele construtor naval (ou artesão)?

Em relação ao desenho, a hipótese deste TFG é que sim, é possível construir sem “o nosso desenho”. Já em relação ao ferramental intelectual, a segunda hipótese é que é comum ao artesão um tipo de matemática não acadêmica (etnomatemática), que pode ser entendida também como um processo “analógico”.

Dediquei-me então a aprofundar meus conhecimentos em técnica de marcenaria, algo que já vinha praticando de forma extracurricular desde 2009 no próprio Laboratório de Modelos e Ensaios (LAME) da FAU e a partir de livros, revistas, vídeos e outras publicações dedicadas ao assunto. Vale ressaltar que a imensa maioria deste material não possui caráter acadêmico, mas sim direcionada para o público “faça você mesmo”.

Para a execução do projeto, primeiramente estabeleci que a cadeira fosse de madeira maciça, e que fosse uma cadeira com apoio para braços. Em seguida, elenquei quais seriam os encaixes que me permitiriam fazer a cadeira desta forma. Uma vez escolhidos esses encaixes, percebi que tal escolha vem acompanhada de todo um sistema estrutural – em uma frase, um encaixe não é apenas um encaixe. E percebi também que todo sistema estrutural tem uma ordem de execução a ser seguida, pois juntos os diferentes passos compreendem a técnica construtiva. Sendo assim, esta técnica é definidora de diversos parâmetros do objeto. A escolha da técnica deste projeto em si foi definida por diversos fatores, discutidos no texto integral deste TFG.

Resumindo, a escolha por uma cadeira de jantar define parâmetros ergonômicos, e esses parâmetros se inserem na técnica construtiva, mas, via de regra, não a altera. A técnica construtiva, portanto, define encaixes, ordem de execução e montagem das peças, e a ergonomia define, em parte, a dimensão dessas peças. Tais afirmações também estão exemplificadas no texto integral.

No caso da cadeira que executei, lancei mão da adaptação de uma técnica artesanal já conhecida: a das cadeiras do marceneiro norte-americano Sam Maloof (1916-2009). Para tanto, estudei a ordem de procedimentos e os encaixes, e obtive algumas ferramentas imprescindíveis. (Deve-se ressaltar aqui que a ferramenta é um elemento variável a ergonomia; a ferramenta como definidora de forma também é um aspecto abordado no texto integral.) Como esperado, os encaixes, o comportamento do material e as ferramentas pouco a pouco reduziram as possibilidades de forma, aproximando-a cada vez mais da do objeto final.

Além disso, outros aspectos abordados ao longo do trabalho foram a questão da etnomatemática e a do debate analógico versus digital. Em suma, observei que, na prática da marcenaria e da carpintaria, evitam-se abstrações das dimensões das peças, ou seja, uma peça não costuma ser tratada como tendo uma medida de 50 cm, por exemplo; a peça tem uma dimensão que não se nomina, não está em centímetros ou em polegadas: a peça simplesmente é do tamanho que ela, para todos os fins práticos, tem.

Assim, o desenho encontrado em um estaleiro tradicional baiano ou em uma marcenaria tradicional é o desenho prático, o gabarito: uma placa de madeira, geralmente feita de compensado, que serve para registrar um desenho feito à mão e que, quando utilizado, é posto em cima de uma peça de madeira maciça para a qual se deseja transferir o desenho. Portanto, o desenho transferido é análogo ao gabarito.

A técnica tradicional substitui os desenhos de projeto convencional, e assim a forma “surge” com a construção.

Por fim, além destas questões aqui elencadas, acredito poder propor ainda algumas outras discussões como desdobramento deste trabalho, a saber: a questão do ornamento no artesanato como marca de subjetividade do artesão e a discussão das diferenças e aproximações entre técnicas tão distintas quanto a artesanal aqui investigada e aquela baseada no projeto de desenho convencional.

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