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Planejamento da paisagem na Reserva Ecológica da Juatinga

Caiçaras e veranistas entre conservação e ocupação

Talita Cenamo Salles

Eugenio Fernandes Queiroga

Introdução

As atividades humanas e seus aspectos sociais são questões sempre presentes na arquitetura e no planejamento urbano e da paisagem. O espaço com que o arquiteto trabalha é constantemente construído e modificado pelo ser humano, o que frequentemente ocorre em detrimento dos aspectos naturais do terreno, impactando o entorno e criando conflitos ambientais. Na tradição litorânea turística que se criou no Brasil, há um forte desejo do turista de se aproximar da paisagem natural, porém essa aproximação vem com forte transformação da paisagem para satisfazer o desejo de conforto e o ideal de bairro-jardim.

Quando há uma comunidade tradicional na área, esse processo é frequentemente destrutivo para a cultura local e para o meio ambiente, e, hoje em dia, há legislações específicas para proteger as populações tradicionais e as reservas de ecossistema onde essas pessoas vivem procuram combater. Às vezes, em favor do meio ambiente, a legislação acaba refreando o avanço da população tradicional, mas mais frequentemente a legislação ambiental se curva aos agentes econômicos e socioculturais. É possível (e necessário) buscar modelos de ocupação que permitam tanto a ocupação por agentes econômicos (turismo) e socioculturais (populações existentes) quanto preservar os aspectos mais importantes do ecossistema nativo.

Península da Juatinga e Cajaíba

A península da Juatinga, em Paraty-RJ, encontra-se em raro estado de conservação ambiental, de acesso difícil, alto índice de paisagens originais, com pouquíssima ocupação. Na área vivem comunidades caiçaras, com diferentes graus de contato com o turismo, que já constitui grande fonte de renda local. O foco do trabalho é uma área relativamente pequena, de menos de dois quilômetros quadrados, juntando três praias da região chamada de Cajaíba: a praia do Pouso da Cajaíba, a praia da Panema e a do Calhaus.

Há um sobreposição de legislação ambiental sobre a área: no âmbito federal há a Área de Proteção Ambiental do Cairuçu (APA do Cairuçu), e no âmbito estadual, a Reserva Ecológica da Juatinga (REJ). A APA criou um zoneamento entre 2000 e 2004, com fortes restrições sobre a expansão da ocupação caiçara, assim como total impedimento da expansão do veraneio, buscando uma maior preservação da paisagem original. Assim, algumas práticas caiçaras, como as roças de mandioca, retirada de árvores para fazer canoas, colheita de cipó e plantação de sapé foram abandonadas. A REJ, buscando melhorar a relação da área preservada com a cultura caiçara, e aproveitando a recategorização necessária para se adequar ao SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), buscou manter a área de preservação integral acima da cota 300, mas permitir uma reserva de desenvolvimento sustentável nas zonas da vila caiçara. Infelizmente a legislação não trata de paisagem, de como expandir a vila caiçara harmoniosamente, de como trazer essa população para o século XXI sem eliminar sua identidade cultural e sem causar problemas de ocupação inadequada do território no processo. Este trabalho busca tratar dessas questões.

A expansão da ocupação caiçara se dá empiricamente, construindo onde parece ser possível, aplainando com a enxada pequenos trechos de morro para encaixar uma pequena moradia. Na cultura tradicional, os filhos constroem suas casa próxima à dos pais, onde for possível, agradável, ou onde couber, e assim a vila se amplia lentamente. Na situação atual, em que o turismo valorizou as casas e há interesse de veranistas em comprá-las, as famílias vendem as construções próximas à praia e constroem casas mais ao fundo, muitas vezes menores, mais precárias. Também se criou uma noção mais forte de posse “privada” sobre o terreno, e agora os filhos muitas vezes precisam se afastar um pouco das famílias para conseguir sua posse, ou comprar de algum vizinho. Em alguns locais, as várzeas foram prejudicadas, e em algumas áreas, o cimento utilizado nos pátios e quintais causa problemas de drenagem na época das chuvas.

Os espaços livres estão em todos os lugares nas vilas, e os caminhos ainda cruzam muitas vezes por dentro dos quintais e jardins. O maior espaço livre, que no dia-a-dia possui um uso mais ligado ao trabalho e transporte que ao lazer é a praia. A praia é distribuidora do transporte, ligando os caminhos internos com os que vão para diferentes praias e com o transporte de longa distância feito pelas embarcações. A maior parte das comemorações tradicionais e festas coletivas aconteciam na praia, e é onde hoje acontecem as comemorações turísticas de ano novo e carnaval. Também se caracteriza como uma área de certa centralidade, onde as pessoas compartilham as atividades relacionadas aos barcos, fazem comércio (não há vendas e bares fora da praia) e onde se negocia o que os barcos trazem ou a carona que eles podem dar.

Após esse estudo extenso, foi detectada a necessidade de trabalhar realmente a relação dos caiçaras com a ocupação. Como não seria possível fazer realmente um projeto participativo ao longo do curto período disponível, foram feitos estudos tentativos, experimentando com soluções possíveis para que a vila possa se adensar, aumentar a população residente, ao mesmo tempo que crie um amortecimento da ocupação até as áreas de proteção integral, buscando traçar áreas definidas que a população consiga enxergar e manter, e não construir além. Para começar uma discussão sobre o reflexo da legislação no território e sobre a importância de um projeto de paisagem para que se possa criar e melhorar as leis que vão determinar o futuro desse local, arriscam-se alguns desenhos no local. Não são soluções definitivas, mas exemplos de soluções possíveis para criar a noção de que é necessário trabalhar o conceito de ocupação territorial com as comunidades que vivem em uma região de equilíbrio tão delicado e futuro incerto.

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