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secao 4!

Obras de arte depois de suas técnicas de reprodução -

arte e sociedade ao longo do século XX

André Leal

Luiz Recamán

Uma profusão de imagens cada vez mais toma conta de nosso cotidiano. Todo dia um novo gadget é lançado e apresentado pelo mercado como a última novidade que precisamos ter para viver melhor, nos socializar mais diretamente e fechar negócios de maneira mais ágil. Esses aparatos individualizantes, porém, atrofiam mais ainda nossa realidade. É por meio do consumo de mercadorias que buscamos preencher o vazio do mundo desencantado e as experiências individuais são prontamente codificadas como algo externo a nós, sempre mediadas por algum tipo de tela ou visor que carregamos em nossos bolsos. Estamos, porém, vivendo um dos auges de um processo cujas origens podem ser traçadas há mais de quinhentos anos atrás. Desde o século XVI o modo de produção capitalista foi sendo implementado na sociedade ocidental e culminou na industrialização intensiva no século XIX, processo este liderado pela burguesia. No plano filosófico essas transformações foram acompanhadas do que passou a ser chamado de Iluminismo e as noções de igualdade entre os homens, que está na base da burguesia enquanto classe revolucionária, culminaram nas grandes transformações pelas quais passaram as instituições políticas e deram origem aos fundamentos da democracia representativa como a conhecemos hoje. Da mesma maneira a busca pelo conhecimento científico apontava para um mundo de felicidades terrenas. A transformação social, porém, foi freada no ponto em que a burguesia ainda poderia manter seu controle econômico e político sobre a sociedade e as promessas de igualdade ficaram apenas no plano das ideias e as condições materiais da população só pioraram desde então.

O presente trabalho apresenta um roteiro do debate teórico do papel da cultura no capitalismo depois que as técnicas de reprodução da obra de arte ressignificaram o papel do objeto artístico na sociedade ocidental. A parte 1 toma como ponto de partida o texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin e estabelece algumas relações entre ele e escritos de colegas seus da Universidade de Frankfurt. Herbert Marcuse, por exemplo, descreve o papel do que chama de cultura afirmativa na dominação ideológica por parte da burguesia. Adorno e Horkheimer, por sua vez, em A dialética do esclarecimento sistematizam sua crítica à razão instrumental e desdobram a análise da relação entre cultura e as técnicas de reprodução mecânica apontadas por Benjamin no que chamaram e indústria cultural, que estabelece os padrões de gosto impostos à sociedade como universalmente aceitos. Outros autores foram selecionados para descrever as transformações do período pós-guerras e a consolidação do que seria a sociedade de consumo espetacular à qual estamos sujeitos agora nesse começo de século XXI. Guy Debord alcunhou o termo espetáculo para definir o novo estatuto da imagem no processo de fragmentação social sob o capitalismo e como o aparato espetacular dá uma falsa ideia de totalidade que aprofunda e coisifica mais ainda as relações sociais. Fredric Jameson também é outro autor fundamental nesse roteiro que descreve o processo de transformação da sociedade moderna para a que ele chama de pós-moderna analisando principalmente a relação entre economia e cultura. Por fim, o historiador da arte inglês Timothy J. Clark é outro autor que aborda alguns efeitos da modernidade nas artes plásticas e analisa o estatuto das imagens na sociedade contemporânea. Junto desse roteiro teórico foram indicadas algumas práticas artísticas que buscam desnaturalizar processos sociais, ou então práticas que reposicionam o objeto artístico e enfrentam o estado de coisas no qual tudo deve ser valorizado por sua forma-mercadoria. Na parte 1 do trabalho algumas vanguardas modernistas foram elencadas para ilustrar esses processos, tendo em vista aquelas que mais informam práticas contemporâneas, principalmente as analisadas na parte 2, tais como o dadaísmo, o futurismo e diversas das vanguardas construtivistas. Algumas das neovanguardas da segunda metade do século também são analisadas a partir dos mesmos interesses e abordam movimentos como o expressionismo abstrato, o minimalismo, a arte pop e as artes performáticas.

A parte 2 do trabalho aborda a produção de oito artistas contemporâneos que de diferentes maneiras se relacionam com o repertório apresentado na parte 1. Chris Burden apresenta uma obra que começa com performances na década de 1970 e chega aos dias de hoje com trabalhos que demonstram um vigor pertinente aos tempos atuais. Já Tom Sachs atualiza o espírito pop para a produção artística do final do século XX e começo do XXI, com maquetes que invertem a noção de produtos industrializados ou de marcas de luxo e que enfrentam o caráter fantasmagórico e fetichista da forma-mercadoria. Chelpa Ferro por sua vez se utiliza de elementos descartados pela sociedade para produzir obejtos que têm como finalidade a ampliação de nosso repertório sônico, ou a aproximação do espaço expositivo ao ambiente urbano por meio da cacofonia que marca nossa experiência. Há ainda um trabalho conjunto de Douglas Gordon e Philippe Parreno que traz reflexões pernitentes sobre o aparato do espetáculo nos dias de hoje por meio do escrutínio da imagem do jogador francês Zinédine Zidane em partida do Real Madrid na qual dezessete câmeras seguiram seus passos durante os noventa minutos. Por fim, uma segunda seção – o ar da cidade liberta – analisa a produção de quatro jovens artistas da cidade de São Paulo que de diferentes maneiras reconfiguram a apreensão corrente que temos de seu espaço. Intervenções urbanas, pinturas, instalações e fotomontagens são alguns dos principais meios utilizados por esses artistas para desconstruir o conceito de cidade cristalizado pelos processos ideológicos que encobrem o fato de que o espaço urbano é fruto de uma construção coletiva e não algo ‘natural’. De todo modo, as práticas apresentadas no presente trabalho estabelecem contrapontos à circulação mercantil e revelam maneiras de se opor à mistificação promovida pelo capitalismo que esconde tudo sob a forma-mercadoria.

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