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secao 4!

Informalidade no projeto formal de habitação

Ariel Macena

Sílvio Soares Macedo

A ideia de intervir na Bacia do Ribeirão do Oratório, na Vila Prudente, em São Paulo, deu-se justamente pelo fato de, nos últimos 2 anos, eu ter trabalhado dentro da Superintendência de Habitação Popular da Regional Sudeste de SP – HabiSP-Sudeste, com o trabalho de pré-urbanização e pós-ocupação em favelas que receberiam intervenção pública para a construção de moradias de interesse social. O conhecimento visto “de dentro” dos processos que regem a produção de habitação de interesse social no interior do município de São Paulo acabou por despertar em mim certa “resistência” a tais métodos. E digo resistência, pois achava incompatível tal processo de habitação ser sumarizado a tal simplicidade diante de um organismo tão complexo que é a favela. Ainda que tivesse ciência de que a necessidade de infraestrutura e a aplicação de projetos de acessibilidade, áreas livres, resoluções ambientais, entre outras superposições projetuais que podem ser colocadas sobre um determinado território, levam a processos de remoção, parcial ou total, não estava confiante de que as soluções espaciais assim alcançadas correspondiam às melhores possibilidades.

Se por um lado a experiência no interior do poder público incutiu o processo de trabalho do projeto de habitação social, por outro lado trabalhar por 2 anos como coordenador de Novas Comunidades da Organização Não Governamental Um Teto para Meu País – Brasil me deu dimensão do que é a vida em comunidade. Ao conhecer – de muito perto – o trabalho e o cotidiano de diversas famílias que moram em favelas em situação de extrema pobreza, saber o nome delas e ver como a vida em comunidade é muito mais complexa do que se tem vista a um primeiro olhar, esse outro ponto de vista – o do morador da favela – foi foco de atenção de minha parte e desenvolvimento de pesquisas em planejamento participativo e organização comunitária.

A palavra favela no Brasil, utilizada para determinar um assentamento precário irregular que ocupa áreas públicas e possui diversos problemas de cunho urbanístico, vem associado à ideia das habitações precárias que os soldados erigiam em Canudos para fazer o cerco à cidade, na base de uma árvore, a Favela (Cnidoscolus quercifolius). O termo foi posteriormente expandido às habitações que surgiam no Rio de Janeiro, no Morro da Providência, de maneira precária e irregular. Note que já na própria definição, já colocamos alguns pontos sobre o que se espera de uma favela:
- é um assentamento precário, de construções feitas à revelia de uma legislação;
-o local define já certa segregação com relação à cidade produzida, já que se constrói à revelia do regular;
- está associado a precariedade e à baixa renda – não tem possibilidade de se inserir no mercado imobiliário formal.

A favela surge como uma necessidade. A exclusão do mercado imobiliário rentista, na impossibilidade de pagar os aluguéis, somado à necessidade de se trabalhar acaba criando, numa explicação superficial, a produção de habitações precárias nas regiões próximas aos centros de trabalho, sejam fábricas, as regiões centrais, ou quaisquer outros pontos de emprego. Pela maneira de sua construção, ela não possui ruas; a estrutura viária interna à favela é feita de becos, vielas, trilhas até. Porém, a sua situação de alta densidade construtiva e demográfica cria situações urbanisticamente ruins, como falta de insolação, excesso de umidade e ventilação, levando a graves consequências para a saúde. A problemática que aqui se finda é que ela não está efetivamente conectada. Ela está na cidade contemporânea, mas não se conecta com o tecido urbano do entorno. Temos um problema de inserção urbana.

O espaço urbano produzido tradicionalmente compõe a cidade de ruas, avenidas, parques, quadras, bairros. O viário define, em princípio, a cidade. A casa e o lote definem a quadra. Neste sentido, o bairro consolidado, a favela, os conjuntos habitacionais constituem diferentes tipos de tecidos que agregados formam a cidade. O que os conecta, sua característica essencial, é a rua.

No caso da favela, onde estão as ruas? Em seu entorno, ruas que delimitam seu espaço, mas e internamente? As questões do loteamento e da construção à revelia levam a uma urbanização sem ruas, o que normalmente gera deficiências no que tange a problema como incêndios e remoção de pessoas em caso de acidentes. Porém, traçando um paralelo com as ruas, temos as vielas. Elas exercem exatamente a mesma função que as ruas, porém não são capazes do trânsito de veículos. A vida acontece ali, nos pequenos espaços de 2,5 m de largura. São conexões, tais como as ruas, porém não possuem as mesmas funcionalidades que a rua.

A meu ver, isso não é uma cidade plena, é um fragmento. É pouco digno viver em espaços apertados e sem insolação. Existe vida ali, claro. Mas, como arquiteto, a permissão a tal situação é mostrar conivência com uma realidade bastante precária. Como é possível aceitar que se more em beiras de córregos, em locais de risco, em casas de alvenaria sem estrutura e barracos de madeira?

Neste sentido, o que é urbanizar? É possível transformar uma favela num bairro? É possível construir cidade e cidadania? Os questionamentos identidade do local x projeto; infraestrutura x desapropriação; habitação x áreas de risco são os principais pontos que a discussão mostra. Se formos levar essa discussão até o próprio projeto de habitação social e à apropriação pelos moradores, a temática aqui seria infinita. Dentro destas questões, muitas vezes urbanizar um local desse – consolidar uma favela – não é a melhor das opções. Mas remover completamente também não é! A análise caso a caso corresponde à única resposta possível para esse problema. O ensino de projeto permeia uma crítica à especificidade do local, então porque fazemos projetos de urbanização repetitivos? Porque o público alvo não necessariamente se insere no mercado imobiliário direto? Por isso, urbanizar é projetar. E aqui, não apenas compreendendo a ideia da intervenção da favela, mas a ideia essencial de que é preciso construir e propor cidade. É preciso ser urbano! É entender o local em todas as suas especificidades e avaliar qual a melhor solução. E é um projeto de extrema complexidade que envolve diretamente a melhoria de milhares de pessoas, direta ou indiretamente. Quando o direito à moradia deve vir sobre o direito ao meio ambiente? Quando foi que Habitação se restringiu apenas à moradia, e não ao livre acesso aos equipamentos públicos e à cidade? Quando o morar virou repetição de prédios e enclaves desconectados da cidade, e quando a política habitacional será uma política de cunho social e não apenas uma política financeira?

Neste sentido, o presente trabalho pretende abordar os aspectos que permearam a produção do espaço urbano paulistano, identificando em qual contexto tem sido trabalhadas questões como a urbanização de favelas e a produção de conjuntos habitacionais, questões bastante recorrentes em São Paulo quando analisamos os processos de produção do tecido urbano. Para tanto, busca-se identificar, no contexto atual, o que é a cidade que produzimos, efetivamente, seja informalmente, seja pelo poder público. O estudo de caso será o PAI – Perímetro de Ação Integrada Oratório 1, localizado em Sapopemba, no distrito de Vila Prudente.

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