Ensaios de deformação fotográfica da paisagem urbana propiciaram, primi lumi, um percurso, nos domínios da visibilidade, por duas sendas reflexivas; uma teórica e outra prático-experimental.
Paris, cidade dos espelhos. Tal definição dada por Walter Benjamin é, por ele mesmo descrita, "capital do século XIX", marco simbólico do início da modernidade, orienta este estudo que busca compreender a profusão de reflexos e espelhamentos na arquitetura da cidade como elemento emblemático da condição de vida metropolitana.
Nas metrópoles, centros da economia monetária, tudo se homogeneíza e se arruína sob a égide do novo. Consoante a um tempo efêmero, fragmentado e acelerado, o espaço assume forma abstrata e continuamente descontínua.
Analisar e explorar as permutas entre vidente e visível, entre imagem e olhar, por meio do conceito benjaminiano de imagem dialética, pode ser revelador dos moventes que, sob forja monetária, perfazem as fantasmagorias da abstração na metrópole moderna.
Walter Benjamin definiu a cidade de Paris, por ele mesmo descrita capital do século XIX, marco simbólico do início da modernidade, como a cidade dos espelhos. A compreensão desta definição orienta este estudo que busca compreender a profusão de reflexos e espelhamentos na arquitetura da cidade como elemento simbólico da condição de vida metropolitana.
"Paris, a cidade dos espelhos" é mais do que uma alegoria recorrente, do que uma estratégia poética que ressoa nas descrições das passagens e espaços interiores, na definição baudeleriana de choc, um "caleidoscópio dotado de consciência" e da noção do novo que, segundo Benjamin, como um jogo de espelhos reflete a repetição do sempre igual.
O dinheiro, como um espelho, tudo iguala. Nas palavras de Olgária Matos, em A cidade perversa e o esgotamento do prazer, se universaliza como um ideal de civilização. O espaço metropolitano, locus por excelência da modernidade, configura-se assim como o principal centro da economia monetária em que, segundo Simmel, as trocas baseiam-se em interesses intelectualmente calculistas.
As experiências perceptivo-corpóreas, com a modernidade, deixam de fundamentar-se em um moto continuum ao passo que transferem-se para um outro, fragmentado e efêmero. O tempo acelera-se, racionaliza-se e abstrai-se. Submete-se, na metrópole, segundo Simmel, é realização da mais pontual integração de todas as atividades e relações mútuas em um calendário estável e impessoal.
As inovações tecnológicas que se difundiram essencialmente a partir do século XIX, tais como os relógios de bolso, a luz elétrica e o fósforo substituíram um conjunto de operações complexas por um único gesto, criando condições, ainda segundo o autor, para a intensificação dos estímulos nervosos e ampliação da quantidade de horas potencialmente produtivas de um dia. Neste contexto, as relações de trabalho cientificizam-se e impessoalizam-se.
Em Sobre alguns temas em Baudelaire, Benjamin definiu tais condições como "impossibilidade de experiência"; ampliação dos laços abstratos, impessoais, coisificados e vazios entre os indivíduos.
O Choc, experiência perceptivo-corpórea efêmera e fragmentária foi definida por Baudelaire como um "caleidoscópio com consciência". Jogo de espelhos em que o real e o virtual confundem-se frente a multiplicação de imagens que se transformam em um movimento acelerado de rupturas contínuas.
A multidão impõe ao homem metropolitano uma condição de indiferença tal como a impessoalidade característica da uniformidade das relações de trabalho, que favorece o esvaziamento dos vínculos afetivos.
Reduzidos, pela economia monetária e pela racionalidade calculista, a um número na multidão, os indivíduos, isolados, reagem com o que Simmel, definiu como atitude blasé, resultado dos estímulos contrastantes que, em rápida mudança e compreensão concentrada de tal modo que os indivíduos tornam-se incapazes de reagir a novas sensações com a energia apropriada, dada a rapidez e contraditoriedade destas.
Destes mesmos estímulos, nos embates com a multidão, emerge o flÂneur, Deambulava pelas ruas de Paris na primeira metade do século XIX calmamente, segundo Walter Benjamin, "a fazer botânica do asfalto." Seduzido pelas imagens, colecionava-as embriagado pelas sensações despertas pelo fetiche das mercadorias.
A fantasmagoria é o elemento mais "real" da relação, estabelecida na contemporaneidade, entre sujeitos e objetos. Segundo Olgária Matos, a "imersão do homem no reino da matéria" corresponde, na modernidade, é transferência da dimensão aurática dos objetos para uma outra, fetichizada.
A reprodutibilidade técnica, segundo Benjamin, desvincula as coisas do seu aqui e agora, inerentes ao domínio da tradição. Aumentam-se assim as ocasiões para que elas sejam expostas.
Os objetos, imersos neste processo de inversão de valores, ganham vida, transpiram a sex-appeal, ao passo que os corpos, orgânicos, coisificam-se.
Com a prevalência da economia do dinheiro tanto o espaço construído como a experiência perceptivo-corpórea espacial, de maneiras conexas, adquirem, na metrópole, uma dimensão abstrata, esvaziada de sentido.
A cidade, organizada sob a premissa monetária, estrutura-se como um espaço simultaneamente homogêneo, continuamente descontínuo, e diferenciado dada a distribuição desigual de investimentos.
As passagens e os "recantos envidraçados" da Paris oitocentista, como observado por Benjamin, simbolizam a dimensão espectral do espaço; mais do que iluminar o interior pretendia-se "atenuar o espaço exterior".
A experiência do choque, para além do embotamento, no âmago da sua ambiguidade, pode desencadear, segundo Vladimir Safatle "um encontro traumático com o real". Um olhar inquieto, instável pode desestabilizar a apreensão abstrata e quantificadora da 'realidade', compreendendo-a para além reificação. No ato da visão, uma imagem dialética pode interpelar o sujeito, surpreendendo-o pelos vestígios auráticos, pela carnalidade oculta, ausentemente presente.