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secao 4!

Instalação interativa no piso do museu

Gabriel Negri Nilson

Artur Simões Rozestraten

Interessado nas discussões sobre o avanço da tecnologia, principalmente nos séculos XX e XXI, proponho seu estudo em relação às mudanças do comportamento humano e sua influência nos meios artísticos contemporâneos. Influência que tem sido encarada como apropriação: a arte se apropria da tecnologia para questionar a mudança de comportamento humano.

A partir do final do século XX surgiram situações e comportamentos sociais nunca antes vistos ou documentados no cenário mundial. A facilidade de acesso a informações, a evolução das mídias e das comunicações, a difusão do computador pessoal e a propagação da internet são algumas das razões que ajudaram a se ter essas mudanças. A expansão do ser humano pela superfície do planeta começa a perder as barreiras de distância física e cede lugar ao ciberespaço unindo culturas em uma proximidade virtual.

Por meio da comparação e discussão das obras de três filósofos da contemporanei¬dade, esse trabalho tem o objetivo de discutir essas questões: as mudanças do comportamen¬to humano, as novas maneiras de percepção que os avanços tecnológicos podem propiciar e como isso nos afeta como indivíduos. Como produto final, além dessa pesquisa teórica, haverá a produção de uma instalação interativa no piso do museu do prédio da FAUUSP que questiona as ferramentas audiovisuais como modificadoras da interpretação dos espaços físicos.

Dessa forma, na primeira parte do meu trabalho apresento Pierre Lévy, Vilém Flus¬ser e Zygmunt Bauman que, acompanhados de outros filósofos, artistas ou curiosos, te¬cem relações tendo em vista mudanças tanto econômicas, quanto tecnológicas ou sociais, de modo a entender as modificações nos pontos de vistas de artistas ligados às novas mídias. Na segunda parte, casos análogos e referências projetuais são comentados tendo como objetivo o aprofundamento da proposta final da instalação. Já na terceira parte, descrevo a instalação, tanto na parte técnica quanto no funciona¬mento e suas características modificadoras do ambiente.

A instantaneidade da era do software defendida por Bauman e potencializada pela cibercultura pode ser entendida como a elevação ao máximo da menor parte de um momento perceptível ao máximo. A desvalorização do espaço como distância geográfica culmina com a valorização da ação. Aliada ao pensamento de Deleuze, o momento acaba por ser transformado como a efemeridade do virtual. A atualização do virtual é logo seguida por uma nova atualização, cada momento de potencialidades máximas tem o seu tempo de ação diminuído ao mínimo.

Tomamos então que o princípio de obra de arte como obra-espetáculo se torna o mais real possível na era do software. O potencial da intervenção só consegue atingir seu auge em sua atualização, durante o período em que é interagida e exposta. Sua pré-produção se torna supérflua, assim como sua pós-apresentação. O antes e o depois não são determinantes para a ação da obra enquanto construção coletiva.

Temos as obras digitais interativas como criadoras de um ambiente imersivo. Os espectadores perdem sua característica de reles observadores para ser interagentes, as obras estão agora também a cargo deles. A obra perde sua estrutura vertical, não se é dada diferentes níveis de importância para a obra, o autor ou o interagente, e começa a atuar na horizontal, não há distinção.

Giannetti descreve as manifestações performáticas tecnológicas interativas como me¬taformance e são caracterizadas por: convidar o espectador a assumir seu lugar na consumação da (inter)ação. O resultado é uma espécie de hibridação entre a instalação ou enviroment plurimídia e a performance, baseada no princípio reativo: a existência da obra depende do cumprimento da ação, e ambas estão subordinadas à atuação do observador (Giannetti, 2010, p.37).

O autor, que no sistema de arte vertical é inatingível, no sistema horizontal atua como meta¬-autor[12], ele é o autor antes do autor. A tríade entre autor, obra e interagente, atua como relação de interdependência e complementaridade. A importância de cada um por si só se perde, enquanto que o conjunto ganha força total. Desse modo os ambientes interativos transformam-se em experiências cognitivas e sensoriais.

A interação do usuário com a obra produz uma fuga da linearidade, o usuário que é determinante para o desenvolvimento da obra. Mesmo sem ter consciência, ele atua como performer e co-autor de uma obra a espera de interação, dá-se uma relação inédita e única entre a obra e o público, é um relacionamento que nunca será idêntica no processo da obra (Giannetti, 2010, p.271). Pode-se imaginar um ponto em que o tecnológico encontra o lú¬dico, aproxima-se do espectador e dá forma à sua interação, cria-se um elo quase narcisista entre o interagente e a obra.

As práticas culturais ligadas às novas mídias se tornam significativas do mesmo modo que a fotografia, o cinema e gravações musicais ganharam espaço no começo do século XX. Perisso-notto (2010) faz uma referência ao Manifesto do Maquinismo de 1955 por Bruno Munari: “Se o mundo em que vivemos é o mundo dos códigos, devemos como artistas, produtores culturais e pensadores contemporâneos, adentrar esse universo de zeros e uns e dominá-lo”[13] e quem sabe dessa maneira embranquecer as caixas pretas que estão ao nosso redor.

A partir da análise e discussão dos autores em questão, proponho uma intervenção artística que ressalte alguns dos pontos importantes da pesquisa. Um vídeo projetado nos módulos dos caixilhos no piso do museu do prédio da FAUUSP. Desse modo ocorrerá uma modificação de uma arquitetura sólida e intransponível por parte de um representante líqui¬do e mutável.

A escolha de uma projeção se dá por ser uma grande ilusão da imaterialidade de todo o processo. Após a captura das imagens, tratamento e pré-produção, a exibição das imagens e sons se torna para o espectador/explorador apenas luz e ondas sonoras. O prédio como tela tende a esconder os reais processos físicos da produção e gerenciamento do vídeo. Além disso, teremos um grande conjunto de caixas pretas atuando conjuntamente: discutirei se o computador somado aos projetores e controlador externo, ampliará ou reduzirá o campo de atuação.

O vídeo digital passa por todo processo da cibercultura de produção de uma obra com meios já de informações digitais. A intervenção a ser mostrada em um momento da apresentação do trabalho tem como objetivo a valorização da obra como possibilidade de ação, a interação entre a obra-espectador irá perfazer a participação coletiva e o aspecto lúdico. A intervenção terá ainda outra característica fundamental, será uma projeção mapea¬da. Esse nome se dá por ser um vídeo gerado por computador que conectado a um projetor se aplica perfeitamente a uma determinada superfície, aparentando que o comportamento do vídeo é o próprio comportamento da superfície modificando cor, textura e volume. Desse modo percebe-se que utilizando diferentes formas de arte e tecnologia, cria-se ilusões que trazem a mutabilidade para uma obra rígida, como veremos na segunda parte.

Como processo para chegar à proposição de uma projeção mapeada em grande escala no prédio da FAUUSP, mas com problemas para acertar o local da intervenção, o estúdio 3 foi cogitado por um tempo, mas logo foi tomado pelo local definitivo. Principalmente por desenvolver uma atividade em um espaço que atualmente encontra-se vazio, seria proposta uma composição com mesas e objetos disponíveis no estúdio para ser criada uma interação posterior, mas esse ponto começava a se distanciar da intervenção modificando o prédio em si e não objetos inseridos nele.

A partir de muitas conversas e discussões com outros estudantes da faculdade e com o orientador do trabalho resolvi definir o espaço de projeção no piso do museu, especifica-mente nas chapas de aço dobradas que formam os caixilhos. Os caixilhos da FAU, sistema modular de aproximadamente 1,40 x 2,90m, possuem um sistema de abertura que gera volu¬me e ritmo na composição modular, característica que foi considerada a princípio para criar diferentes encontros de planos na intervenção, mas que foi descartada depois dos primeiros testes por não haver necessidade na criação de diferentes volumes. A quantidade de oito módulos de caixilhos definida para a projeção se mostrava já adequada para criar uma ilusão modificadora no ambiente, perfazendo uma área total de 11,20 x 2,90m.

Desse modo, a intervenção nos caixilhos poderia explorar os fatores analisados e ques-tionados nessa pesquisa. A partir dos conceitos de Bauman da cultura da instantaneidade da Modernidade Líquida, as características de performance ganham vida. As caixas pretas de Flusser são exploradas pela união de diferentes hardwares e softwares sugerindo diferentes in¬terpretações do questionamento, a união de caixas pretas provoca um aumento do potencial das possibilidades criativas ou restringem ainda mais o campo de atuação? Além disso, a pro¬jeção expõem novas possibilidades com a união das tecnologias e de um método de interação, gerando um resultado de construção coletiva tal qual a cultura condizente ao ciberespaço sugerida por Lévy.

Por meio das discussões entre as fronteiras da arte e técnica na primeira parte, vimos como pode ser fácil se perder em qualquer uma das partes. A técnica deve funcionar como uma plataforma de apoio para a invenção artística. Desse modo descrevo no próximo pará¬grafo como fui enfrentando essas dificuldades para chegar no objetivo final da instalação nos módulos da caixilharia.

Uma das dificuldades encontradas para que as imagens do computador pudessem ser mapeadas adequadamente foi configurar o sistema como um todo para que fossem geradas duas saídas independentes de controle, uma para cada projetor. Depois de muita pesquisa comprei um adaptador que cria uma saída nova de vídeo a partir de uma saída USB do com¬putador. Desse modo, um dos projetores é conectado à saída VGA da placa de vídeo e o outro à saída VGA criada por esse adaptador. O software de projeção trata de criar a divisão do vídeo gerado, de tal maneira que sendo a resolução de cada projetor 1024 x 768 pixels, a resolução do vídeo deve ser o dobro, 2048 x 768 pixels. Nomeamos assim três ecrãs (telas de vídeo), a número 1 é a tela do computador, a número 2 a do projetor 1 e a número 3 a do projetor 2.

A modificação dos caixilhos envolverá dois grupos diferentes de vídeo. O primeiro deles é formado por linhas que modificam a espessura, volume e formato das chapas de aço dobradas. Já o segundo grupo é formado por uma tela única com máscaras nos vidros, para evitar a reflexão das luzes dos projetores, e variam principalmente quanto às cores. Os dois grupos unidos na mesma imagem geral em diferentes grids, formam diversas composições segundo a interação gerada.

É interessante notar as possibilidades criativas tendo 8 módulos de caixilhos como tela da instalação. Logo percebi que os caixilhos montavam um grid interessante perfazendo novos conjuntos de retângulos. Essa configuração desprende o olhar do sistema modular e aproxima de novas composições da fachada do prédio, característica que começa a modificar o pensamento do observador em relação ao ambiente. Cores e texturas modificam o material, mas novas composições modificam a estrutura vigente.

A instalação, assim como os modelos de vídeo, envolverá dois grupos diferentes de possibilidades, um de estrutura fechada e outro de construção coletiva através do controlador externo. Através dos estudos das várias possibilidades de intervenção nos caixilhos, exibirei um vídeo com união entre som e vídeo que explora através de um roteiro os processos aqui descritos e mostra um exemplo de criação para a construção coletiva através do controlador externo.

O primeiro desafio para o contato do público com a construção das projeções é o mo¬delo de controle que será apresentado. Como testes iniciais, utilizei um controle de jogos de computador conectado à porta USB, em que cada botão era atrelado a um conjunto diferente de imagens projetadas e sons gerados. Comecei a descartar essa ideia pelo formato fechado do controle, é muito claro para o público a funcionalidade do controle e atrelar funções que não correspondam ao funcionamento esperado pode confundir ou gerar desinteresse. Por exemplo, uma função na seta direita que não seja mover para a direita só gera confusão.

Portanto a solução seria a construção de um novo controlador desenvolvido para esse projeto específico. Uma caixa transparente de acrílico com a quantidade necessária de botões em sua face superior e uma conexão USB seria o ideal para a instalação. A caixa transparente faz uma referência às caixas pretas de Flusser, quando público se deparar com essa caixa e visualizar seu interior poderá se enganar imaginando que conhece o funcionamento da obra por perceber as conexões dos botões e placas internas, entretanto, ver a estrutura geral do controlador não significa nada. Além de ali estar apenas uma pequena parcela da obra como um todo, visualizar as conexões não aproxima o público de seu funcionamento interno, só revela os materiais utilizados em sua construção.

A rápida exploração do controlador aliada à visualização anterior do vídeo realizado com as possibilidades de criação possibilitará ao interagente um entendimento muito rápido do equipamento. O funcionamento é muito simples. Cada botão faz referência a um som sendo que com esse som estão atrelados imagens projetadas. O som faz parte de uma escala pentatônica, diferentes botões produzem diferentes uniões entre arpejos e imagens projeta-das, quando o interagente apertar outros botões, novos arpejos e projeções serão reproduzi-dos. Quando apenas um botão for acionado de cada vez, apenas um conjunto de arpejo com imagens será acionado, porém quando mais de um botão for acionado ao mesmo tempo, mais de um conjunto será acionado, mas como estão todos em uma mesma escala harmônica não haverá conflitos sonoros. As imagens projetadas também poderão se sobrepor respeitan¬do também uma harmonia visual criada previamente.

Com isso os interagentes poderão fazer parte da instalação sendo os co-autores finais da obra. Apesar de não terem sido eles a gerar os sons e as imagens, são eles quem decidem quais e como aparecerão, quais e quantos sons serão reproduzidos, construindo assim (apa-rentemente) suas próprias composições.

Estão registradas nesse caderno as imagens dos testes realizados com os projetores e mapeamento, mas como para esse trabalho por estar completo é necessária uma participação ativa dos observadores tornando-se interagentes, só poderemos analisar essa situação na apre¬sentação do trabalho.

Como referência descrevo os programas utilizados:
Hardware
- Laptop Acer Turion II X2 com placa de vídeo ATI Radeon HD4200
- Conector USB 2.0 UGA - Multi-Display Adapter
- 2 projetores EPSON S+6 PowerLife
- Controlador MIDI externo
Software
- Resolume Arena v4.0
- IR Mapio v1.2.4
- Midi-OX
- Midi Yoke
- Fergo JoystickMIDI

Ao contrário do trajeto registrado nesse caderno, o desenvolvimento desse trabalho não se deu de maneira linear. O desenvolvimento dos questionamentos teóricos caminhou em gran¬de parte do processo paralelamente aos práticos. Isso gerou um grande bumerangue de ideias e perguntas que nem sempre eram registrados no caderno final.

Mais do que uma conclusão escrevo aqui as considerações futuras desse trabalho. Os questionamentos não param, assim como o desenvolvimento da arte tecnológica. As discus¬sões sobre o co-autorismo e meta-autor talvez não tenham atingido aqui as proporções que dereviam. Os filósofos Jean Baudrillard e Paul Virílio são autores importantes sobre as mu¬danças de paradigmas contemporâneos e merecem destaque em próximos questionamentos.

Dos diferentes questionamentos sobre as caixas pretas, um se destacou ao longo do trabalho, passando por diversos pensadores da arte tecnológica. Para que nossas perguntas às caixas pretas sejam respondidas, devemos entendê-las ao máximo possível e para isso é neces¬sário aprendermos sua língua. A tecnologia não deve nunca ser um empecilho, mas sim um aliado para as nossas proposições.

O que é fácil afirmar sobre esse trabalho é que começou com a tarefa de se fazer uma projeção mapeada de grande porte no prédio da FAUUSP, mas não foi apenas assim que terminou. Se é de grande porte ou não é difícil definirmos, o interessante é ver como os ques¬tionamentos possibilitaram a ampliação da visão para algo muito mais longínquo que uma simulação de vídeos que texturiza superfícies. A arte tecnológica ensina, questiona e alerta o ser humano para sua própria cultura, cuja forma está em constante mudança.

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